Já tinha prestado homenagem a Álvaro Cunhal num comentário anterior. Não posso, agora, deixar de dizer que fiquei impressionado com a expressão de pesar e de reconhecimento público evidenciada no seu funeral. Não sendo comunista, isso não me impediu de ficar comovido ao ver e ouvir cantar A Internacional naquele cenário fúnebre.
Num tempo em que a sociedade ocidental se aproxima de um neo-liberalismo sem regras, em que os trabalhadores são quase sempre o elo mais fraco da economia de mercado em que vivemos, gostei de ver uma manifestação tão expressiva de pessoas simples, mas de ideais fortes e grandes convicções.
Terá sido inesperado para muita gente, mas talvez todos nós, no fundo, também tivéssemos vontade de dizer que a luta continua. Uma luta por melhores condições de vida, por mais trabalho, por maior qualificação das pessoas, por melhores salários, por empresas mais competitivas, por uma sociedade mais justa e solidária, por um melhor futuro para os nossos filhos.
16 junho 2005
O funeral de Álvaro Cunhal
Postado por jcp (José Carlos Pereira)
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15 comentários:
E a luta TEM mesmo de continuar!
Caro amigo:
Não me surpreendeu em nada o funeral. Mais: estava à espera disso mesmo. Tenho a vaga ideia de nos textos que fui produzindo, aguilhoado pelo meu inestimável leitor (e grilo de Pinóquio...)José, deixava implícito isto: Cunhal construiu uma máquina de extraordinária força, bem oleada, capaz de ter uma expressão social muito mais ampla que a simples contagem dos votos.
Melhor: Cunhal construiu um partido que não só intervém, mas sobretudo é sentido como interveniente. No funeral do Eugénio de Andrade, dizia-me o meu velho colega Joaquim Canotilho; "amanhã estou lá. Não é em vão que se andou pelo PCP".
Pessoalmente não estive nem estaria: não me esqueço, porque sou de rancores(!!!...), que um responsável do CC, chamado Pires Jorge, veio dizer ao meu primeiro sogro, antigo controleiro do sector intelectual no Porto, que eu era "inimigo do partido". Em Maio de 74 esta era uma acusação quase tão canalha como a de fascista ou de bufo da pide.
E, já que estou com a mão na massa, deixe-me dizer que o PCP pode perder ainda mais votos quer isso não afectará nem a máquina nem o poder de penetração nas zonas que ele considera sensíveis e de "missão". Cá estaremos, espero-o, para ver.
Por falar em grilos, caro MCR, no texto (brilhante) que Vasco Pulido Valente escreveu no Público, em dado passo, diz que costumava recitar um poema de Sidónio Muralha (?) Grilos, grilinhos e grilões!
Fiquei maravilhado, porque nunca tinha ouvido falar em tal aliteração cantante e de casaca a condizer.
Saberá o meu já estimado amigo, de quem se trata? Sidónio Muralha?
Who is it? Perdoe a ignorância de um diletante, mas a menção aos irresistíveis insectos cantadores, deixou-me de...pulga atrás da orelha.
José: veja aqui o Sidónio Muralha no Incursões, com link para a sua biografia.
Meu Caro: O Sidónio Muralha faz parte do grupo de poetas neo-realistas da 1ª geração. Andou por cá, emigrou para o Congo Belga e depois para o Brasil onde suponho terá morrido. Se ainda estiver vivo, terá quase noventa anos...Li dele um livro "Passagem de nível" editado justamente no Novo Cancioneiro. E sei que escreveu muito para crianças. Deve ser daí o grilos e grilões. O texto do Vasco espantou-me um pouco (E se eu gosto de o ler...): demasiado amargo e porventura um pouco injusto. Enfim... De todo o modo o que relata é verdadeiro. Os meus primeiros sogros eram intimos amigos dos pais dele e foram mesmo o "casal amigo" que os recebeu quando vieram para o norte. suponho mesmo que o meu sogro (Jorge Delgado, "sérgio"de pseudónimo terá sido controleiro do eng. Correia Guedes, pai do Vasco. Quando os conheci já tinham todos saído do "partido" mas contavam histórias bem interessantes. Um dia destes começo a contá-las. As coisas são menos sombrias do que a descrição do Vasco supõe e sobretudo representam um quotidiano de sacrifícios, dignidade e coragem que se não compadecem com o tom demasiado sarcástico do texto de VPV. E olhe que não fui do PC antes naveguei noutras águas mais radicais. De todo o modo os pais do Vasco fazem parte, com o
Sidónio de certeza, dos tais que eram, como diz o Pacheco Pereira a honra de Portugal naqueles anos infamantes. Confesso-lhe que gostaria que dissessem o mesmo da minha geração, que justamente é a dos filhos deles (eu e o Vasco teremos praticamente a mesma idade).
Estava a escrever isto e lembrei-me que tenho um livro que lhe pode dar um bom aperçu do 1º neo-realismo: "Novo Cancioneiro" ed. Caminho, 1989. Demorei a encontrá-lo mas já o tenho aqui: poemas de Fernando Namora, Mário Dionísio, JJ Cochofel, Joaquim Namorado,Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, S. Muralha, Francisco José Tenreiro, Álvaro Feijó e Políbio Gomes dos Santos. só não conheci os 4 últimos. De alguns fui muito amigo: Namorado, Cochofel, Fonseca e Oliveira. Era gente culta corajosa. Valem o esforço mesmo se muita daquela poesia parecer irremediavelmente datada. No dia 30 sai o livro do Feijó. Até lá digo-lhe onde.
Artigo de Vasco Pulido Valente no Público - copy paste de O insurgente
"Parece que Álvaro Cunhal foi uma figura "importante, "central", "ímpar" do século XX português. Muito bem. Estaline não foi uma figura "importante", "central", "ímpar" do século XX? Parece que Álvaro Cunhal foi "determinado" e "coerente". Hitler não foi? Parece que Álvaro Cunhal era "desinteressado", "dedicado" e "espartano". Salazar não era? Parece que Álvaro Cunhal era "inteligente". Hitler e Salazar não eram? Parece que Álvaro Cunhal sofreu a prisão e o exílio. Lenine e Estaline não sofreram? As virtudes pessoais de Álvaro Cunhal não estão em causa, como não estão as de Hitler, de Estaline, de Lenine ou de Salazar. O que está em causa é o uso que ele fez dessas virtudes, nomeadamente o de promover e defender a vida inteira um regime abjecto e assassino. Álvaro Cunhal nunca por um instante estremeceu com os 20 milhões de mortos, que apuradamente custou o comunismo soviético, nem com a escravidão e o genocídio dos povos do império, nem sequer com a miséria indesculpável e visível do "sol da terra". Para ele, o "ideal", a religião leninista e estalinista, justificava tudo.
Dizem também que o "grande resistente" Álvaro Cunhal contribuiu decisivamente para o "25 de Abril" e a democracia portuguesa. Pese embora à tradição romântica da oposição, a resistência comunista, como a outra, em nada contribuiu para o fim da ditadura. A ditadura morreu em parte por si própria e em parte por efeito directo da guerra de África. Em França, a descolonização trouxe De Gaulle; aqui, desgraçadamente, o MFA. Só depois, como é clássico, Álvaro Cunhal aproveitou o vácuo do poder para a "sua" revolução. Com isso, ia provocando uma guerra civil e arrasou a economia (o que ainda hoje nos custa caro). Por causa do PREC, o país perdeu, pelo menos, 15 anos. Nenhum democrata lhe tem de agradecer coisa nenhuma.
Toda a gente sabe, ou devia saber, isto. O extraordinário é que as televisões tratassem a morte de Cunhal como a de um benemérito da pátria. E o impensável é que o sr. Presidente da República, o sr. presidente da Assembleia da República, o sr. primeiro-ministro e dezenas de "notáveis" resolvessem homenagear Cunhal, em nome do Estado democrático, que ele sempre odiou e sempre se esforçou por destruir e perverter. A originalidade indígena, desta vez, passou os limites da decência. Obviamente, Portugal não se respeita."
Vasco Pulido Valente nunca resolveu o seu problema com o PCP. Confunde Cunhal com os crimes de Estaline, a revolução bolchevique com a degenerescência do regime de Estaline e, por isso,nunca percebeu a crença de milhões e milhões de pessoas num mundo melhor, mais justo e mais humano. Nunca percebeu, por que é que o 25 de Abril foi antes do 1º de Maio e logo a seguir a muitas bombas que espalharam pelo País milhares de panfletos contra o fascismo, a guerra colonial e a exploração.Nunca percebeu por que que é que muitos milicianos ligados ao MDP exerceram influência no Mov. das Forças Armadas, numca percebeu por que é que o mais importante cérero do 25 de Abril , Melo Antunes, chegou a seu candidato do MDP e, sobretudo, não entende que muitos dos transportadores das senhas que preparavem a partida par a Revolução foram pessoas consideradas seguras, por estarem ligadas ao PCP. V.P.V fala da história como quem decreta acontecimentos e isso é revelador da sua prosápia, a mesma prosápia que fez com que, quem o conhece, nunca o leve a sério. V.P.V. se tivesse vergonha calava-se.
Caro compadre: como já deve ter percebido, aprecio a leitura das croniquetas do VPV. Desde há muito, aliás. Desde, sei lá, o tempo da Grande Reportagem, de meados da década de oitenta e uma série de crónicas de página que ele intitulou " os livros da minha vida" onde descorticou várias obras da nossa literatura e não só, aparando-lhe o sentido corrente e mostrando pistas de leitura.
Quanto às crónicas de natureza social e polítca, nunca enganou ninguém que o lesse e sempre foi de uma profunda aversão ao colectivismo.Se calhar, devo-lhe alguma da minha tendência primária de adversário da ideologia comunista, tal como devo ao P.e Fernando Leite, jesuita místico, a crença num além.
São figuras de referência.
Ao VPV, porém, lei-o sempre com uma atitude levemente "tongue in cheek", como quem lê, apoiando sempre a leitura numa atitude crítica, a cada frase de tudo o que vê escrito.
Há poucas pessoas cuja escrita me suscitam tal atitude e é por isso que não gostei desta crónica do VPV.
Gostei da crónica-obituário sobre o Cunhal, mas já não gosto deste nem a compreendo muito bem, a não ser integrada naquele estado de espírito de combate ideológico ao comunismo que sempre foi o campo de batalha matricial do VPV. Por isso, os comunistas, em geral o detestam profundamente e muitos "compagnons de route" font la route ensemble.
Mas repescando esta canção de Moustaki, " Je suis un autre"!
E como estou a trabalhar e tomei agora mesmo um copito de licor de Singeverga, feito pelos nossos beneditinos ( e o único licor que tolero), lembrei-me da canção e pus o disco.
Por isso, deixo a magnífica letra que é um poema dos que gosto e cuja idiossincrasia entendo e aprecio:
"Je suis un débutant aux tempes qui blanchissent
Un beatnick vieillissant patriarche novice
Jardinier libertin aux goûts d'aventurier
Voyageur immobile et rêveur éveillé
Je suis de ces lézards qui naissent fatigués
Un optimiste amer un pessimiste gai
Un homme d'aujourd'hui à la barbe d'apôtre
Je peux être tout ça pourtant je suis un autre
Je suis toi je suis moi je suis qui me ressemble
Et je ressemble à ceux qui font la route ensemble
Pour chercher quelque chose et pour changer la vie
Plutôt que de mourir d'un rêve inassouvi
Avec eux je m'en vais partout où le vent souffle
Partout où c'est la fête et partout où l'on souffre
Mais lorsque je m'endors au creux des herbes hautes
Je me retrouve seul et je me sens un autre
Je suis venu ce soir la guitare à mon cou
Partager mes chansons et rêver avec vous
Crier d'une voix sourde toutes mes révoltes
Et parler de mes peines d'un air désinvolte
J'ai laissé au vestiaire un reste de pudeur
Pour mieux me découvrir devant les projecteurs
Et chanter les amours qui sont un peu les vôtres
Qui sont les miennes même si je suis un autre"
"pus"?!! Que vergonha...e nem é do licor.
Obrigado, caro José. Obrigado pelo poema. Eu penso que o percebo, a si, muito bem, e que há muita coisa que temos em comum. Sou visceralmente contra a ingratidão. Dei-me mal com o meu Pai, mas sempre respeitei o meu Pai e orgulho-me do Pai que tive.E penso que todos nós somos um pouco dos nossos pais, daqueles que nos ensinaram a sonhar com uma vida mais justa, mais fraterna e mais solidária. Sei que o fio da vida não se desenrola mecânicamente, mas por saltos, contradições e interacçõe muito complexas. Mas lá para trás, onde ficam as nossas origens, houve um poema sobre a vida e o mundo e foi esse poema que deu sentido à minha vida. Abomino o pragmatismo. O pragmatista assemelha-se áquele que, precisando de um "olho", não se importa de logo o arrancar ao vizinho para dizer: «este "olho" é meu». Para mim a vida é feita de horizontes de sentido, onde me procuro integrar e não de modas.
Um abraço.
Já que falou no pai e nos nossos pais, deixe-me dizer uma coisa que fica por aqui, como testemunho esquecido e perdido nestes comentários de fim de semana em que procuro recuperar o tempo perdido de trabalho e ao mesmo tempo amenizar com dispersões destas.
NO ano passado, no dia do pai ( 19 Março, dia de S. José), lembrei-me de escrever algo para o meu pai que felizmente ainda é vivo e a quem respeito muito, e com quem aprendi algumas coisas quando era pequeno e que agora me fazem pensar.
Escrevi para lhe entregar, porque eram coisas que ao longo dos anos lhe queria dizer, sem o conseguir.
Não consegui entregar. O escrito não tinha nada daquelas lamechices, que nem são o meu género preferido de mostrar que se gosta de alguém. TInha e tem o exercício de tentar pensar naquilo que o meu pai foi para mim, até agora e numa altura em que nos sobrarão alguns anos ( espero) mas menos do que os que já vivemos. Um balanço, portanto.
Tem razão: felizes os que tiveram ou têm pais que lhes legaram algo de importante para a vida.
Pode ser uma frase ou um conceito- o Freitas do Amaral disse no outro dia que o pai lhe entregou uma vez um poema do Kipling( IF) para lhe servir de orientação. Até pode ser outra coisa bem mais prosaica- como o exemplo. Ou pode ser algo indefinido como um sentimento de imitação patético e nunca conseguido. O sentimento de querer ultrapassar o pai, parece algo muito vulgar para quem se propõe desafios.
Enfim, isto de especular sobre a nossa mente e os nossos sentimentos, só mesmo assim, num dia assim.
Obrigado, pela oportunidade.
Num pai, de sangue ou de espirito, o que é essencial é o que nos faz pensar: é isso que nos marca e, por vezes, são coisas muito simples, mas muito autênticas.
Virando, agora, esta página e indo a um assunto que gostaria de lhe colocar. Procurei o seu email, mas não o encontrei. Não sei se vou ser inconveniente. Mas há dias li num jornal uma história referente a um médico. Se isso tiver a ver consigo, um grande abraço de solidariedade (por tudo). Eu fui vitima de um caso parecido e safei-me de "ficar todo estragado" por pouco.
Um abraço.
Obrigado.
A vantagem de aqui ser josé, é esta:
Posso mesmo ser José. E isso, para mim, é mais importante do que pode parecer, embora seja algi difícil de explicar.
Um dia destes poderemos dar um abraço, espero- e provar umas iguarias de entrada...
Dize-me que em Marrazes, há boa comidinha. Festa, poderá haver. E dispensa-se a canasta. E acabei de citar uma velha canção de José Barata Moura.
Sabe que José Barata Moura esteve ligado à Juventude Universitária Católica no meu tempo. Veio algumas vezes ao Porto, ao Lar da JUC (onde eu estive)que ficava em Cedofeita; e, depois das reuniões, tocava e cantava canções revolucionárias. Convivemos, de perto,já lá vão muitos anos. Doutorou-se na Alemanha e é um dos maiores especialistas em Hegel. Foi Reitor da U.C.L (não sei se ainda é!) Penso que se ligou ao PC, logo após o 25 de Abril. Há uns anos atrás,telefonei-lhe para o convidar a falar sobre Hegel no L.Alexandre Herculano. Veio um seu assistente (não me lembro, agora o nome). Barata Moura foi sempre muito estimado por quem o conheceu.Gostava de lhe dar um abraço, mas já não se deve lembrar de mim.
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