13 junho 2005

Suplemento de Au Bonheur des Dames nº 7

E agora o Eugénio?

Foi uma namoradinha, pelos 17 ou 18 anos, quem me ensinou a gostar do Eugénio. Tinha uns bonitos olhos, cabelo cortado rente à Jean Seberg e era do Porto. O namoro foi curto, durou o tempo dum suspiro mas deixou-me este sabor doce duma mão cheia de poemas. Os anos foram correndo e o Eugénio ia publicando livros que eu comprava aqui e ali. Um, pelo menos, foi confiscado pela PIDE numa busca lá a casa. Cheira-me que mais do que confiscado terá caído no olho dum polícia leitor. Se assim foi aqui temos o primeiro milagre do Eugénio: um pide a comover-se com esses versos de enganosa serenidade.
Vim para o Porto e - já por aqui o relatei ("Au Bonheur des Dames 2ª entrega") - apareceu-me um poema do Eugénio na primeira esquina em que tropecei.
Em Janeiro de 75, telefona-me o José Rodrigues, com um inesperado e generoso recado: saíra no JN uma entrevista minha, enquanto militante responsável do MES (sim, sim também andei nesse carnaval político e não estou especialmente arrependido...) e o Eugénio lera-a e queria conhecer-me. Lá nos encontrámos num café ali para JúlioDinis e foram horas e horas de conversa de versos, eu sei lá o quê. De política quase nem falámos. Podia lá falar-se de política com um poeta daqueles? Desse encontro guardo, gratíssimo, os "Poemas 1945-1965" da Inova, uma terceira edição de que eu tinha a primeira. Calei essa propriedade, claro, que bem me agradava um autógrafo que me sentia incapaz de pedir. Traz um pequena e singela dedicatória : "ao MR - esta ponte sobre o rio ao encontro da sua camaradagem, com a maior simpatia Eugénio de Andrade Jan. 75"
De facto eu contara-lhe os amoricos de juventude e o poema fetiche da minha namoradinha que na 2ª estrofe reza: estás só/ e ao teu encontro vem/ a grande ponte sobre o rio....
E o Eugénio, generosamente, celebrando esse momento já longínquo referiu-o.
Durante estes 30 anos lá nos fomos encontrando, menos vezes do que gostaria, muito menos do que ele mereceria. Alego tão só esta esfarrapada desculpa. Li e tenho todos os livros que ele foi publicando, dei durante anos poemas dele a torto e a direito. Quando a Leitura (saravah, malta da leitura e especialmente Fernando Fernandes, livreiro único) começou a importar as traduções do Eugénio, bombardeeei os meus amigos espanhóis, italianos e franceses com salvas fulgurantes da poesia de Eugénio. Acho mesmo que lhe trouxe novos e entusiásticos leitores.
Agora isto, a morte. A morte esperada e anunciada. Mas a morte de todo o modo. E a palavra embargada. E o soluço irresistível.
Permitam-me que acabe com o mesmo poema:
Estas só.
Desolado e só.
E é de noite.

m.c.r
13 de Junho, o5

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