(ou a hipótese perdida da sua credibilização)
Começaram as famigeradas «Férias Judiciais». Quando acabarem, talvez haja um novo Procurador-geral da República no cargo.
Não está afastado – pelo contrário – o cenário de demissão do actual titular do cargo: o Dr. José A. Souto Moura. Os media divulgaram, há poucos dias, essa eventualidade, noticiando movimentações do Governo em tal sentido, tendo sido «reposta a serenidade» com a referência a uma posição de princípio do Presidente da República, contrária a esse cenário.
Pois bem, a verdade é que persistem e se adensam as tensões – e tentações –, de «despedir» Souto Moura. Vêm sendo insidiosos os sinais desses movimentos: o primeiro-ministro, eng.º José Pinto Sousa declarou, na entrevista à SIC que «enquanto estiver no cargo, o PGR tem o apoio do governo». Para bom entendedor…ficou claro que os sectores que querem ver o PGR fora de cena não desarmam.
Para mais, é público o nome já adiantado para o substituir.
A romaria de pedido da cabeça de Souto Moura era cíclica e frequente. Durante o «período de fogo» do processo «Casa Pia», desde senadores do regime a figurões desclassificados, todos vieram «pedir a cabeça» do actual PGR, qual exigência de catarse nacional para pacificar inquietos espíritos e processos.
Atitudes que não foram encontrando eco nos poderes públicos com responsabilidade na matéria: Durão Barroso e Santana Lopes foram forçados a, em consonância com o Presidente da República, manifestar e reiterar o seu apoio a Souto Moura.
Parecem, agora, criadas as condições para tal ocorrer, sem sequer haver qualquer «vaga de fundo» dos sectores consabidamente interessados no aventado desfecho.
A pretexto de pretender a abertura e um novo ciclo de renovação da Justiça, o Governo invocará a necessidade de nomear um novo PGR, mais identificado com tais propósitos. Mesmo sem definir em que consistirão tais inovações, o governo não quer esperar pelo termo normal do mandato de Souto Moura, por ser, depois, mais incontrolável a nomeação do seu substituto num cenário em que Cavaco Silva fosse Presidente da República.
Aliás, o governo pode até argumentar estar «à vontade» nessa operação, pois que foi no mandato de outro governo do PS que o actual PGR foi nomeado. Sampaio, continuará a vacilar, mais por medo do que por convicção.
Convenhamos que a Justiça precisa de uma reforma, que deve começar com algo que o actual governo se tem esforçado em pulverizar, que é a sua credibilização, a credibilização dos seus agentes e das suas instituições.
Em nada ajudará esse esforço substituir agora o PGR.
Em rigor, poderá começar um ciclo de «domesticação» das magistraturas, iniciando-se, obviamente, pelo Ministério Público, mas expandindo-se progressivamente à magistratura judicial, já que, de todo, não se concebe a independência dos juízes sem a autonomia do Ministério Público (pensemos num cenário de manutenção da inexistência de uma Lei Orgânica do Conselho Superior da Magistratura, na alteração do acesso, selecção e formação de magistrados, na sua nomeação e classificação, na desjurisdicionalização de certas causas, na atribuição de novas competências ao Tribunal Constitucional, eventualmente na introdução de mecanismos de responsabilização profissional, em suma, na criação de condições objectivas de funcionalização das magistraturas).
O facto será inédito: nunca no pós 25 de Abril um PGR foi demitido.
As razões que, em abstracto, podem levar a tal, são razões de Estado. Não são pretextos de mudança de ciclo de implementação de medidas na área da Justiça, mesmo que ao nível da natureza e estrutura de uma magistratura como o Ministério Público.
O impacto que essa decisão vai ter nos já frágeis e delicados equilíbrios entre o poder político e o poder judicial é, neste momento, imprevisível.
Mas – oxalá me engane – não augura nada de bom.
mangadalpaca©
17 julho 2005
CURTO-CIRCUITO NA JUSTIÇA
Marcadores: kamikaze (L.P.)
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4 comentários:
No Incursões, sobre o mesmo tema:
ver aqui", aqui, aqui e aqui.
Sobre "Isenção e PGR" ver aqui.
Em 5.12.1998, ao Expresso, Cunha ROdrigues, numa longa entrevista dizia, entre outras coisas:
" A igualdade é um objectivo(...) que ainda não foi absorvido pela sociedade portuguesa. Recordo cenas pouco edificantes de processos que envolveram pessoas com alguma notoriedade e em que intervenientes advertiram o magistrado de que, se o caso fosse por diante, o procurador-geral seria demitido."
Desde essa altura até ser substituido pelo actual PGR, CR foi submetido a intensa barragem de fogo mediático, o que não deixa de ser irónico para quem aparentemente mostrava alguma habilidade para lidar com os media...
Em 1998, Luís Marques ( ?) do Expresso titulava uma crónica " O labirinto do procurador" e referia-se ás suspeitas crescentes sobre a grande corrupção no Estado da JAE e no fracasso da sua investigação. Perguntava então:
" Para que serve então a Procuradoria? Qual o papel do procurador? Será ele um verdadeiro enconbridor geral da República? Assim parece. O fracasso das investigações feitas na JAE é apenas uma parte de um longo rol de fracassos." E apontava os casos do FSE...
Foi insto que afundou o antigo PGR Cunha Rodrigues e a má imprensa que obteve a seguir foi o que o levou a sair.
Em Janeiro de 2001, o Público dedicava algumas páginas a uma investigação criminal paradigmática: o caso Saleiro! A crítica feita pelo Público,à investigação da PJ e do MOP é implacável.
Logo que Souto Moura tomou conta do cargo, uma das primeiras decisões que tomou, foi exactamente avocar e reabrir o caso Saleiro.
José Manuel Fernandes escrevia então em editorial:
"O que se relata nestas páginas é exemplar. É a história de como uma polícia, de forma profissional e empenhada, procede a uma investigação e carreia elementos para umj processo- e de como um magistrado do MP desvaloriza os elementos que lhe são fornecidos e manda arquivar um processoo onde um qualquer aprendiz de direito encontraria matéria probatória suficiente para, pelo menos, ir mais longe.
O sistema jurídico português não facilita que, esbarrando um processo num magistrado com este tipo de atitude, ele possa prosseguir por outra via, Não permite que cidadãos preocupados, ou simplesmnete intrigados com os lados mais obscuros deste caso, o façam chegar a tribunal. O que denovo levanta o probelma de saber se o eoquilíbrio de poderes entre as diversas magistraturas não estará desequilibrado a favor da PGR."
Estes problemas foram resolvidos , durante estes mais de quatro anos?!
Uma coisa se sabe:
Cunha Rodrigues saiu de mal com os media e de bem com a política ( basta ver para onde foi).
SOuto Moura sairá de bem com os media e de mal com a política.
A diferença é de tomo!
Como diz este post, um PGR só deve ser demitido por graves razões de Estado. A não ser assim, estaremos perante uma clara tentativa de instrumentalização da Magistratura do MP, que descredibilizará em definitivo este Governo, no que à Justiça respeita.
Souto Moura terá revelado falta de algumas capacidades de inovação e liderança na gestão do MP. Revelou, indiscutivelmente, grande inabilidade para o jogo político-mediático. Mas deu provas de competência, seriedade, coragem e total independência a pressões, que reforçaram a confiança do público no MP e na sua autonomia. Para mim, o balanço do seu mandato é claramente positivo e – como já disse o José, se bem o interpreto – os deuses da Justiça nos livrem dos PGR’s que saem de bem com os políticos...
Mas o mais grave desta história é o perfil que tem sido indiciado para o putativo sucessor, que, a ser confirmado, reforça as suspeitas de tentativa de instrumentalização do MP.
O PGR não terá de ser Magistrado de carreira (conheço até muitos não-Magistrados que dariam excelentes PGR’s). Mas terá de reunir um perfil e um currículo que revelem, em elevado grau, os requisitos inerentes à Magistratura e ao exercício do cargo em questão. Exige-se desde logo, no mínimo, uma independência face à actividade político-partidária acima de qualquer suspeita, requisito que nunca poderão reunir os que já exerceram destacados cargos políticos / administrativos que pressupõem uma estreita confiança política.
Vários exemplos recentes têm demonstrado que o laxismo dos Conselhos Superiores, ao banalizar a autorização para o exercício de funções de confiança política por Magistrados, redundou em descrédito da Magistratura e na falta de confiança dos cidadãos nas suas decisões.
Os Senhores Magistrados têm de assumir de uma vez por todas, com clareza, que a sua carreira é incompatível com o exercício de cargos de confiança política (salvo algumas excepções, muito limitadas, no âmbito judiciário e que aqui não cabe aprofundar). E, por maioria de razão, quem já estabeleceu notórias relações íntimas com o poder político-partidário, não deve ser nomeado para a liderança de uma Magistratura cuja credibilidade repousa na autonomia face aos poderes políticos conjunturais. Nesta matéria, a credibilidade dos candidatos a PGR é como a virgindade: uma vez perdida, não se recupera.
Pertinente comentário, "ManaMP"!
Aproveito para linkar o post de FBC no Ciberjus, "Agenda para a Justiça(Deixemos as férias - passemos a problemas mais sérios)"
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