30 agosto 2005

Os julgamentos antecipados na imprensa

O caso que envolveu o ex-deputado do PSD, Cruz Silva, e o presidente da Câmara de Águeda, Castro Azevedo, e que culminou com a respectiva absolvição em primeira instância, por ausência de provas concludentes, é revelador da forma como a imprensa trata os alegados crimes praticados por políticos.
Durante meses, os jornais chamaram este assunto às primeiras páginas e deram uma grande cobertura às investigações e mesmo ao julgamento, construindo uma ideia generalizada de culpabilidade dos arguidos. Já no momento da divulgação da sentença, contrária às expectativas criadas pelos jornais, os destaques foram mínimos e relegados para as páginas interiores – o “Público” fez um pequeno artigo nas páginas nacionais e o “Expresso” desta semana não foi além de uma breve.
Sou insuspeito de simpatias pelos envolvidos no processo e reconheço que tudo aquilo que se foi sabendo de Cruz Silva revela um carácter e uma forma de estar na política a todos os tipos condenável. O próprio tribunal absolveu os arguidos no meio de muitas incertezas e dúvidas. Contudo, não posso deixar de lamentar o comportamento da comunicação social, neste como em muitos outros casos, pelo facto de estar sempre pronta para lançar a acusação pública sobre determinados suspeitos, mas ao mesmo tempo ser incapaz de reconhecer que a decisão dos tribunais, aquilo que efectivamente vale num estado de direito, muitas vezes contraria e refuta as teses que foram sendo desenvolvidas nas páginas dos jornais, as quais podem já ter provocado danos pessoais irreparáveis.

18 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Subscrevo. Mas importaria também perceber que responsabilidade tem quem investiga (e depois acompanha já na fase de julgamento) na passagem dessas mensagens para a comunicação social...

josé disse...

També subscrevo em parte.Com uma nuance:

Quando diz "tudo aquilo que se foi sabendo de Cruz Silva revela um carácter e uma forma de estar na política a todos os tipos condenável" está a dar razão à imprensa ,se o juizo de valor tiver fundamento.

Mas é precisamente para evitar esse tipo de juizes de valor que critica o comportamento da imprensa...

Talvez a crítica verdadeira que se pode fazer resida no modo como os jornalistas acompanham a "marcha do processo". Mas esta marcha mais lenta que a longa marcha do falecido Mao, já é por sua vez notícia.

Há coisa por aqui que presisam de ser buriladas, de facto.

Mas para o peditório do jornalismo judiciário, já dei aqui o meu contributo. E houve quem não gostasse. Mas está dado.

Mocho Atento disse...

Repito o que já por aqui fui dizendo.

Ser acusado tem de deixar de ser grave, quer em termos sociais, quer em termos de alarido mediático.

Não compete ao MºPº julgar ninguém. E, por isso, o juízo feito pelo MºPº não pode ser entendido como sequer indício de condenação.

Acresce que o MP não devia invetsigar os crimes, mas sim sindicar a investigação. Mas essa não é a opção política feita, que, aliás, corresponde à vontade unânime dos operadores judiciários. A investigação é função da polícia; o exercício da acção penal é do MP. Em casos como o referido, a culpa não é de ninguém.

A Comunicação Social é um negócio de venda de exemplares, que permite dar emprego a alguns cidadãos. Não se pode exigir muito, porque ela noticia e vende o que o país quer consumir. O resto é treta!...

Gato_Maltez disse...

Caro Mocho Atento

Subscrevo na íntegra o toer do último parágrafo do seu post. É uma realidade dura e crua e já foi aqui abordada aquando da publicação pelo Público relativamente à notícia do parecer do CCPGR e em que esteve envolvida a jornalista Tânia Laranjo...isto sem fulanizar.

Sinto-me no dever acrescentar aos comentários que antecedem um outro aspecto que considero relavante. Tem a ver com o facto de a censurabilidade social nem sempre ter a correspondente tipicidade criminal.

Neste âmbito, é bem certo que um cidadão pode, por exemplo, ser absolvido da prática de um crime devido a um erro meramente formal - v.g. anulação de escutas telefónicas. Mas este facto, não nos inibe a nós cidadãos de condenarmos a conduta de alguém que efectivamente teve um comportamento censurável só que não criminalmente relevante...

Talvez seja esta a apreciação do jornalismo judiciário que, como se sabe, se apresenta ainda tecnicamente muito pobre.

Rui do Carmo disse...

A meu ver, é pertinente e importante a questão agora suscitada pelo Gato Maltez.

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Caro José, disse aquilo que disse porque entretanto fui sabendo de algumas "estórias" através de conterrâneos e conhecidos do dito Cruz Silva, ex-deputado da Nação.

josé disse...

OS media têm um papel insubstituível na apresentação de casos de interesse público. Tudo o que diga respeito a fenómenos que envolvem pessoas e isntituições que representam os cidadãos, devem ser susceptíveis de escrutínio público.

Vejamos o caso concreto de Águeda ( que só conheço dos media):

Fala-se em contratos com empresas locais e dinheiros ( 50 mil contos) que circularam por onde não deviam.
Fala-se em peculatos, em falsificações de documentos ( para esconder o peculato ou a corrupção).

Estes factos foram denunciados às instâncias judiciárias que começaram os processos de investigação habituais.
O problema é que a partir daqui ergue-se um muro de silêncio legal, com o famigerado segredo de justiça que deveria servir para proteger a eficácia dessa investigação acima de tudo.

Seria necessário saber se era esse o caso. Se o náo era e o problema que se punha era apenas o da presunção da inocências dos arguidos, parece-me que será impossível fechar o cofre do segredo de investigação e então cai-se num impasse e numa problema maior do que aquele que o segredo quer proteger: subtrai-se á opinião pública a informação sobre assuntos que são públicos e afectam a legitimidade do exercício do poder.
Anda-se nisto anos e anos a fio e vêm eleições de 4 em 4 anos, sem que a questão se resolva e anda tudo a marinar em águas chocas.

OS media recebem informações de vãrias fontes, uma delas podendo( mas não devendo, claro) ser a própria investigação, incluindo, claro, a PJ (É bom que se diga que é mais fácil uma informação sair da PJ do que do MP). E fazem dessa informação pão para a boca das tiragens.
Às vezes, como a informação é fragmentada e imprecisa, sai asneira grossa que acaba por enlamear mais os arguidos do que deveria ser permitido.
De quem é a culpa?
À partida, da voracidade dos media. Mas não só.
Se o segredo de justiça fosse muito mais limitado do que é e permitisse que este tipo de factos fosse discutido como por exemplo o é na América, estas coisas não aconteciam.

AS pessoas andavam melhor informadas. Os arguidos podiam defender-se melhor, porque poderiam falar livremente e serem confrontados com o poder dos factos concretos.

E toda a gente ganhava.
Assim só ganham os pescadores de águas turvas.

Como bem diz o caro jcp, soube de certas coisas por outras vias.

São estas vias que deveriam servir de fonte para os jornais. Assim, também não haveria violação de segredo de justiça, pois este limita-se ao facto do relato de assuntos do processo concreto.

Mas a ser assim, deveríamos então ter um bom jornalismo de investigação em Portugal. Simplesmente, não existe.
O que existe, são jornalistas de secretária e telefone. Perguntar na rua, às pessoas certas; indagar, pensar, pedir e obter lelentos disponíveis, isso, dá muito trabalho.
É muito melhor ter uma fontinha na PJ ou no MP, tipo Salvado ou..., que dê uma ajudinha ao palpite.
COmo se tem visto, sai asneira...

Carlos Rodrigues Lima disse...

Ao contrário do José, considero que para este peditório vale sempre dar qualquer coisinha. Discordo totalmente da linha de argumentação do post do camarada (no sentido do trato jornalístico do termo)JCP. E explico porquê:

1 - Se pensarem um pouco, o jornalismo sobre casos concretos que correm nos tribunais reflecte a estrutura do Código do Processo Penal: se um indíviduo é detido hoje e presente a um juiz, o qual, espera-se, o vai confrontar com indícios, fortes indícios, mais ou menos indícios é "natural" que os jornais no dia seguinte façam eco das suspeitas, ou seja dos indícios com que o indivíduo foi confrontado. Como sabem - bem melhor que eu, graças da Deus! - na fase de inquérito do processo, o arguido anda nadar, mais nada. Por isso, ou conhece o processo antecipadamente e, em primeiro interrogatório judicial, refuta os indícios (e aí os jornais podem fazer eco da defesa, equilibrando as coisas) ou remete-se ao silêncio à espera de poder saber algo mais para pronunciar-se, ou dá umas respostas que não convencem o juiz que lhe aplica uma medida de coacção acima do TIR (logo temos um juiz a caucionar os indícios recolhidos pelo MP). Portanto, perante este quadro, o que faz a imprensa:

- Assobia para o lado e regressámos ao Portugal sereno e tranquilo da outra senhora?

- Ou apresenta aos seus leitores (no fundo, o tal "povo" que confere legitimidade aos tribunais para administrar a justiça em seu nome)informação o mais rigorosa possível sobre o que está a acontecer?

Pois....

No que diz respeito aos primeiros interrogatórios judiciais, é preciso alguma coragem para saber o que eles são de facto: um acto de investigação ou um momento de defesa do arguido contra quem corre um inquérito? É que se for um momemto de defesa do arguido, penso que a imprensa deveria ter acesso a maior informação possível. Só assim se equilibrava no mesmo texto suspeitasVSdefesa. Prejudicava a investigação? Não me parece. Prejudicava o direito ao bom nome do arguido? Muito pelo contrário, apresentava-se publicamente a sua defesa. Há vntade para pensar a sério nestas questões? Claro que não há....Perdoem-me a franqueza, mas em pleno sec. XXI, numa sociedade cada vez mais aberta, continuámos a pensar a justiça com conceitos dos sec. XIX.


Depois, vamos ser claros: o tempo dos media não é, acho que nunca será paralelo ao tempo da justiça. É óbvio que a Comunicação Social não deu o destaque devido à absolvição do senhor Cruz Silva e Ca. Pois não. Mas vamos ver pq:

- Quando é que o presidnete da câmara de Águeda foi detido pela 1ª vez e presente a tribunal?

- Desde aí, quanto tempo andou o MP para ouvir o senhor Cruz Silva, que aguardava serenamente o passar dos dias nas cadeiras da AR.

- Quantos meses decorreram na fase de instrução? E em julgamento?

Façam as contas e digam-me se o caso, em Agosto de 2005, tem "actualidade" para um jornal diário. Acredito que tenha para um semanário: que pode recuperar o caso, consultar o processo, ler a sentença e contar a história aos leitores.

Só mais uma nota, serena, sobre o tema: Nos EUA, no fim de um julgamento que motivou interesse da opinião pública, Michal Jackson, as partes "utilizaram" os media para prestarem contas ao povo. Os jurados justificaram a sua decisão, o procurador do MP tb explicou por que se bateu por determinada decisão. Será possível um dia destes isto acontecer em Portugal?

É mais ou menos isto.....É importante fazer este debate numa altura em que uma unidade de missão prepara a reforma do CPP e do CP.

Um abraço

Carlos Rodrigues Lima

Gato_Maltez disse...

Apesar de a discussão já ir longa, ouso acrescentar algo que, sendo geralmente omitido, constitui um elemento relevante para a apreciação dos factos. Estou a falar do fundamento das absolvições em sede de julgamento.

A absolvição ocorre quando não resultam provados os factos constantes da pronúncia.

Essa não prova ocorre por duas vias: Ou realmente tais factos de natureza ilícita pura e sinmplesmente não ocorreram, ou então, tendo ocorrido, não foi possível a sua prova em julgamento.

É esta última parte que considero importante no caso em apreço.

Efectivamente, estou certo de que neste tipo de julgamentos será frequente não se conseguir provar a prática dos ilícitos...pese embora o facto de eles terem acontecido...

Acresce que as duas magistraturas acabam por, de algum modo, serem co-responsáveis neste "não êxito" da pronúncia.

O MP porque, por vezes, empenha grandes meios na investigação - ainda que realizada pela PJ - e "desinveste" na audiência de julgamento, o qual, por vezes, é realizado por magistrado diferente daquele que acompanhou a investigação e deduziu acusação.

O Juiz porque, tendo existido despacho de pronúncia, faz "tábua rasa" - até por imperativo legal - da prova já constante dos Autos.

Esta questão poderá conduzir-nos a uma outra muito mais profunda e que tem a ver com a estrutura da prova em Processo Penal.

Efectivamente, sendo a prova recolhida em sede de inquérito sancionada pelo magistrado do MP e confirmada pelo Juiz na pronúncia, mal se entende que a mesma tenha de ser "repetida" - em sentido literal, desculpem o termo - em julgamento...

O julgamento deveria, antes de mais, servir para contraditar essa prova, dando ao arguido ainda mais uma hipótese de se defender...

Mas isto são outros aspectos, outras histórias e que acabam por sair já do tema do post.

Certo é que decididamente muitos arguidos são absolvidos, apesar de terem cometido factos criminalmente ilícitos, porque não foi possível fazer-se a prova de que foram os autores desses crimes.

Desculpem, mas alonguei-me.

Um bom dia.

josé disse...

Mais uma vez bato no ceguinho:

Uma lei processual penal que em nome de princípios abstractos de defesa de direitos liberdades e garantias (e utilizo esta expressão porque ninguém ousa pôr em questão os termos da mesma e analisar o que são verdadeiramente direitos liberdades e garantias), contribui activa e eficazmente para que em inúmeros casos ( quase todos os mediáticos) para que a justiça não apareça visível aos olhos de todos, NÃO SERVE!

E não serve, digam lá o que disserem os catedráticos todos do direito e mais os juristas e mais os magistrados.
Às vezes sabe bem ser d.quijote, quando se percebe que por exemplo, o caso da Joana do Algarve pode muito vir a ser o exemplo mais flagrante deste estado de coisas, se se cumprirem todas as regras dos tais direitos liberdades e garantias.

Vamos a ver.

COncordo entretanto, com o que escreveu o Carlos Lima.

josé disse...

O Basófias bate entretanto no ponto certo:

Os nossos juizes, acompanhados pelo código de processo penal que neste ponto lhes presta uma grande ajuda, têm sempre imensas dúvidas.
Tantas que começamos a duvidar...deles e da sua aptidão para aplicar justiça.

Gato_Maltez disse...

Sem querer lançar mais lenha para esta fogueira e tentando sempre fugir da crítica fácil, devo referir que é muito mais fácil - desculpem a crueza da linguagem - proferir uma sentença absolutória do que condenatória...

Todos sabemos que os Inspectores judiciais são ávidos por estatísticas, em especial de Acções Ordinárias, Sentenças de Colectivo, etc...

Toda a gente sabe que por vezes, havendo separação de culpas, num andar do tribunal é-se absolvido e noutro condenado - isto versando as sentenças sobre os mesmos factos.

Os Tribunais, na sua generalidade, estão "afundados", sendo que a pendência processual é, por regra, cada vez maior...

Por razões várias, nunca foi implementado o sistema de contigentação processual, o que obrigaria a um rigor de trabalho que actualmente parece não existir.

Assim sendo, com todo este cenário, estão criadas as condições para o surgimento de casos como aquele que é referido no post original.

Finalmente, direi que, por vezes, a juventude dos magistrados, em especial os juízes, aliada à "necessidade" de protagonismo poderão "ajudar" em todo este processo.

josé disse...

Absolutamente de acordo com o que escreve José C. no que se refere a uma nova metodologia das inspecções judiciais.

Novos inspectores que não sejam os sempiternos juizes, indicados pelos sempiternos inspectores.
Outro modo de ver as coisas! Renovação do ar bafiento de certos gabinetes.

Enfim, vou ver os Beach Boys a Lisboa, mesmo que sejam apenas Bruce Johnston e Mike Love.
Para descontrair.

Gato_Maltez disse...

Caro Cerqueira

Não podia estar mais de acordo consigo.

Se há coisas que detesto é dizer mal de nós, os Portugueses.

Mas...neste país ninguém se interessa - pelo menos parece - em agarrar em casos paradigmáticos, como este agora em "análise", e transformá-lo num "study case".

É a nossa crónica falta de organização.

Também neste caso, como alguém cantava "Seja bem-vindo quem vier por bem".

O meu olhar disse...

Li atentamente todos os comentários a este post, porque o assunto me interessa pela sua importância na sociedade portuguesa. De facto, tenho para mim que a justiça é, a par da educação, dois dos seus mais fortes pilares. Se chegamos a este pântano de corrupção completamente insustentável, é porque os sistemas fiscalizadores e de punição não funcionam.
Se estava já um pouco descrente sobre a qualidade da justiça que temos, a leitura dos comentários deixou-me ainda mais receosa. Todavia, vislumbram-se vontades de fazer melhor e sabem como fazê-lo. Porque não fazem? Dir-me-ão: porque as leis…, porque o governo…, porque as condições… A minha resposta é: não acredito que, mesmo no enquadramento actual, não seja possível fazer melhor. Com pessoas de bem, bons profissionais, é sempre possível fazer melhor.
È lamentável que, por questões processuais, ás vezes de aproveitamento duvidoso, se continue a deixar que um bando de parasitas, sem qualidades para gerir dinheiros públicos, se aproveite do seu cargo para enriquecimento indevido. Todos nós os conhecemos, uns melhor, outros pior, e no entanto, o banquete continua, interminável, sem que os profissionais do sistema judiciário, cumpram o seu dever, sempre. Mude-se o que está mal nas leis mas, entretanto, aproveite-se a imprecisão destas, não para se esquivar de responsabilidades mas sim para fazer justiça.

Carlos Rodrigues Lima disse...

O comentário do Basófias tem dois pontos certeiros

- para quando o debate sobre o aproveitamento da prova reoclhida em inquérito na fase do julgamento?

Por que é que só em determinados casos, o magistrado do MP que conduziu a fase de inquérito representa o MP em julgamento??

Carlos Rodrigues Lima disse...

Só mais uma nota e prometo não incomodar mais:

Tudo aquilo que disse no primeiro comentário que publiquei não prejudica, como é óbvio, uma leitura crítica dos jornais e dos textos publicados, como é um direito de qualquer leitor.

E cabe ao jornalista aceitar o direito de critica e se entender refutá-a dentro de uma sã convivência

Gato_Maltez disse...

Devo dizer que gostei deste post e, acima de tudo, das várias reacções que aqui foram surgindo e que serenamente expusemos.

Apesar da avidez em fazer Justiça, deverá sempre imperar a serenidade e respeito pelos outros.

Uma boa noite.