31 outubro 2005

CHOQUE

Acabo de ouvir Marques Mendes (na SIC Notícias) dizer que Portugal precisa de um choque de vida. Não sei em que é que essa impactante frase se traduzirá, concretamente, no pensamento de MM. Mas sei que, por mim e por ora, o que eu queria era não ter tantos motivos para entrar em estado de choque quase de cada vez que leio/ouço as notícias diárias cá do burgo...!
E destas, sobretudo as que se referem àquele mundo que eu gostava de poder continuar a acreditar ser um reduto de honorabilidade - as do mundo da Justiça!
Mas como se já não bastassem todas as muitas que se vão lendo e ouvindo, uma pequena parte das quais também glosadas aqui no Incursões (v.g. nos comentários a este postal), eis que o Público de hoje e depois a Lusa proporcionam uma autêntica terapia de choque... em várias frentes - a menor das quais não foi a de ficar a saber o teor de conversas entre o ex-marido de Fátima Felgueiras e um Juiz Conselheiro, objecto de arquivamento liminar pelo Vice-Procurador Geral da República.

Que mais será ainda preciso (para além, também, do que bem referiram MST(*) no Público de 6ª feira e António Barreto no Público de Domingo) para que os sindicatos das magistraturas percebam que o seu discurso de revolta jamais será compreendido pelos demais cidadãos enquanto não visar, para além das más condições de trabalho, questões realmente estruturantes para a efectiva (re)credibilização da justiça (para a qual a falta de tapetes e afins, que me desculpem, não me parece empecilho) ??? Até quando continuarão, autistas, a esconder a cabeça na areia?

Compreendam que me continue a não apetecer escrever muito sobre estes temas (devo ter esgotado a "verve" em comentários a posts, quando começaram as "hostilidades", logo após o anúncio da intenção governamental de encurtar as férias judiciais). E fiquem em melhor companhia com o Compadre e o que vem escrevendo, designadamente nos mais recentes comentários ao tal postalito do carteiro que, apesar de estar em dia de pouca inspiração (ou por isso mesmo...) deu aso a interessante debate.

(*) MST desta vez, para variar no que aos temas de justiça respeita, acertou em cheio.

12 comentários:

Primo de Amarante disse...

Carissima Comadre:

O compadre só pode ser boa companhia, na medida em que usa a sinceridade e, pretendendo ser uma pessoa normal, diz o que pensa uma boa generalidade de cidadãos e mais nada.

Penso que o esforço da kamikase para colocar neste debate a racionalidade indispensável a uma análise construtiva tem sido relevante e, por isso, a minha homenagem sincera e os votos para que permaneça a produzir as suas considerações, indispensáveis ao enriquecimento do blog.

Perderiamos muito com o seu silêncio. Mas também penso que o tema já começa a saturar, por se tornar repetitivo e quase em ciclo vicioso, sem avanços. Mesmo as últimas noticias, nomeadamente a que vêm hoje no "Público", só acabam por sublinhar que não se pode tapar o sol com uma peneira e, por isso, a inutilidade da estratégia da avestruz.

Pretendi sempre que o meu ponto de vista servisse de contributo para uma reflexão plural dos problemas em questão e serei o último a ter a intenção de chatear quem quer que seja. Calar-me-ia imediatamente, se me dessem a entender que me consideravam uma espécie de "provocador".

Penso que as questões da Justiça são também questões de cidadania e é neste registo que tenho procurado situar-me.

Kamikaze (L.P.) disse...

Já alguém viu os sindicatos dos magistrados preocupados com isto que pode ser lido na íntegra aqui no Mar Inquieto? Cito um parágrafo:
"Não valerá a pena perder algum tempo a pensar nisto? A pensar nas questões referentes à segurança jurídica e à coerência das respostas do sistema de justiça?"
e isto que pode ser lido no Patologia Social, de que cito:
"o cidadão é obrigado a conhecer a lei e não pode escusar-se por não a conhecer. Mas qual lei de entre as triliões de variantes dos biliões de entendimentos dos milhões de artigos?"

Kamikaze (L.P.) disse...

Ou com as perigosas aproximações de vários (demasiados...) magistrado à política?(*) E com a nomeação de magistrados para cargos de confiança governamental e posterior regresso, paulatino, ao exercício nos tribunais?
E com a participação de magistrados em certas futeboladas?

(*)No caso do MP até dirigentes sindicais estão na comissão de honre de um das candidaturas. Tudo legal, claro, ou não fossem os magistrados deste país os campeões dos formalismos interpretativos da lei. Os resultados desastrosos de tudo isto, esses, só não estão à vista para os próprios! E depois queixam-se! E que tal uma volta ao bilhar grande, hem?

Kamikaze (L.P.) disse...

E continuando a abusar da vossa paciência, permitam-me que relembre um post (e respectivos comentários e links)que escrevi nos idos de Junho 2004:

"Ei-lo, mais uma vez nas bocas do mundo:o sistema. A funcionar, claro. Em todo o seu esplendor."

Primo de Amarante disse...

A melhor sintese sobre o que a maioria dos portugueses pensa da JUSTIÇA está num artigo de José Vitor Malheiros "História de Terror" que vem, hoje, no Público.

O espirito corporativo que tem dominado os aplicadores da justiça tornou-os cegos ao que se passa à sua volta e fazem lembrar aquela estória de uma senhora da época colonial: sempre que dava um "traque" acusava a negrinha que lhe estava mais próxima de ser uma porca.

josé disse...

Compadre:
Ainda não li o escrito do Vítor Malheiros que é um dos poucos que ainda vou lendo.
Mas posso desde já dizer o seguinte:
Imagine que todos os "operadores judiciários" se decidem a resolver os problemas que dependem exclusivamente deles mesmos.
O que teríamos seria o trabalho diário desses mesmos operadores, em exposição geral.
Assim, teríamos, no caso penal que é muito visível e se torna paradigmático para os restantes, as polícias a actuar no terreno como deve ser. E como deve ser?! Investigarem todos os crimes que lhes são comunicados e que sejam da sua competência. Poderíamis já, aqui e só neste tópico encalhar durante horas e horas de discussão. Por um motivo: as polícias não investigam bem esses crimes.

Agora passemos ao tribunal:
O MP recebe as denúncias e queixas e deverá em tempo útil fazer diligências complementares e acusar. Tudo em 8 meses ou 6 se houver presos.
Para ver se isto se cumpre, estão aí os inspectores e posso assegurar-lhe que não é por aqui que o gato vais às filhozes, embora muito se deixe a desejar por motivos que nada têm a ver com os profissionais.
Por exemplo, a formação profissional dos funcionários e magistrados.
A culpa é deles?! Não é.
Depois poderíamos falar sobre organização interna dos funcionários e dos magistrados.
COmo se colocam pessoas e como se gere a máquina das colocações e da escolha de pessoas para os lugares de responsabilidade.
Por aqui, poderíamos ter muita coisa a apontar e que depende efectivamente dos responsáveis de topo e da...lei.
Aqui talvez haja alguma razão para a s críticas.
Será que está aqui o busílis da questão?
Mesmo que não esteja, reside aqui um aspecto importante do problema.
Mas atenção: a rotina e a lei de organização que temos se calhar, não permite todas as mudanças que poderia ser feitas e atirar para os profissionais todas as culpas, neste campo, é muito redutor e injusto.
E o Compadre não quereria ser injusto, pois não?

Assim fico aqui, quase à porta do TRibunal propriamente dito.
Se a trasnpor, vai ver que os probelamas aumentam à medida que percorro os corredores.
Se tiver tempo, pachorra e houver disposição conto fazer a viagem virtual.

josé disse...

Então temos um belo processo de inquérito a anomalias denunciadas nas "Câmaras"!
Que faz o encarregado de o dirigir?

Vai ele próprio investigar ou encarrega outros?
A lei o diz: deve encarregar outros se o não pretender fazer. Leia-se, se não tiver arcaboiço logístico para tal! E não tem, caro compadre! Porquê?
Porque a lei não o deu! Em 1988 prometeu, mas não deu. Ficou tudo em águas de bacalhau e permanece lá, ma lei processual a incumbência da tal direcção a cargo do MP.
Mas como, se tem que entregar o processo à incumbência da PJ?
Há um meio termo: solicitar diligências concretas a esta entidade e ficar com o processo. Ou requisitar elementos desta polícia par ajudar. Aqui, já começam os problemas graves como aliás sáo comuns em todos os processos mediáticos importantes. A PJ quer fazer como está habituada, pelas rotinas de anos a fio e sem controlo directo de quem tem o dever legal de controlar! Já viu a contradição?

O que vai dar isto? Vai dar que a investigação é feita pelos inspectores que têm também eles inúmeras dificuldades logísticas de de pessoal.
O processo de Felgueiras, é público, em certa altura tinha quantos inspectores da PJ de Braga?! DOis?! Seriam tantos?!

Ora, há uma maneira muito simples de entender coisas que só uma vigilância e um empenho mais profundos permitiria: fazer escutas aos visados, a fim de os surpreender a contarem as maroscas.
Quem autoriza estas escutas: o MP e o JIC!
A lei que as regulamente estará bem feita? Já se viu que não! E se os problemas vierem exactamente daí, como se verificou no caso concreto? De quem é a responsabilidade? Do MP? DO JIC? Ou da PJ que não levou o processo em colaboração que deveria ter para quem dirige efectica e legalmente a investigação?!

Ora, diz agora a desembragadora da TRG que houve negligência nessa matéria e que o JIC deveria ter verificado as conversas. E anulou tudo isso. Acontece que houve já decisões do TC a dizer o contrário e que os PJ podem levar apenas ao JIC a transcrição das conversas que interessam.
Veja lá este problema! COmo é possível que isto funcione assim?

Quer a resposta?
Para mim, funciona assim porque funciona e sempre funcionou! Há falta de meios materiais e humanos; a organização não é a melhor e depois as leis permitem estas faenas.
Está então o caldo entornado.

Para perceber isto, é preciso entrar na prática da investigação! Não basta ler a notícia a dizer o que dis o acórdão da Relação. Só por si induz em erro, embora possa estar certo.
O que diz o Vítor Malheiros sobre isto ( já li, entretanto)?
Diz que a decisão do TRG "é talvez irrepreensível em termos formais, mas os cidadãos precisam de saber ( e têm o direito de saber) se ela é razoável, justa e eficaz em termos sociais. E tem o direito de saber, porque, caso se imponha mudar as leis, cabe-lhes a eles (através do seu voto) faser isso"
Ora bolas!
Saberá então o JVM que a decisão do TRG foi tomada por três juizes que s
ao independentes e interpretaram a lei de acordo com a consciência que têm e que engloba o saber jurídico?

O mesmo JVM atira para os magistradeos em geral as culpas por esta situação e chega a dizer que em vez de estarem a discutir questões sindicais deveriam discutir estas!
Ora bolas, outra vez!

Então, a decisão concreta de três juizes da Relação merece que seja atirada ao poder judicial em abstrato?

Os juizes ( e também os magistrados do MP, já agora) têm de ser responsabilizados em conjunto, por essa decisão que segundo o articulista não dignifica a justiça?

Se não dignifica que o digam aos juizes conretos! Que o digam à relatora do acórdão, à drª Augusta! Que a chamem à responsabilidade pública!
Mas cuidado! Porque se eu estivesse no lugar dela, saberia muito bem como defender-me! Diria tão simplesmente: esta nossa decisão que pessoalmente relatei, tem apoio legal e jurisprudencial.
Quem disser que erramos, terá que o demonstrar juridicamente.

E terá toda a razão meu caro compadre.
E nós continuaremos perplexos. E a Justiça nas ruas da amargura.

Assim, como se sai deste impasse?
Quanto a mim, só percebendo bem como as coisas acontecem.
E o que li da crónica do JVM nesse aspecto particular ( porque tem outros com os quais concordo totalmente que são os relativos ao escrutínio da justiça) falha ao não apontar certo. Mais uma ves é apenas uma crónica que escolhe um alvo e atira a matar.
Os outros entretanto já fugiram do alcance da mira técnica.
Assim, não vale.
COmo escrevi acima resumidamente, para demonstrar o problema da investigação, deveria começar-se por aí: perceber o que se faz e como se faz.
E para isso, só mesmo quem faz é que pode dizer. Um articulista de jornal só vê a obra feita e pode muito bem acontecer que esteja a lançar culpas aos operários quando o defeito pode bem residir no arquitecto ou no engenheiro que fez os cálculos ou no empreteiro ou até, realmente nos operadores...
Quem é que sabe da poda? Os podadores, claro.

Primo de Amarante disse...

As questões da Justiça não podem ser questões formais. A justiça tem de ter um sentido: o ser justa. E só o é, quando não se prende com formalismos para se orientar unicamente pela promoção do bem (o bem sempre se identificou com o justo e, por isso, há uma diferença entre o legal e o legitimo)e se isso não acontece não pode ser compreendida pelos cidadãos. O resto é retórica.

Primo de Amarante disse...

Por alguma razão a justiça foi, no plano moral, sempre considerada uma virtude e não uma virtude qualquer, mas A VIRTUDE SUPERIOR, pois idenificava-se com o próprio BEM.

Primo de Amarante disse...

E já agora, plagiando Abel Salazar, poderiamos dizer que aquele que só sabe podar e não sabe de mais nada (p.ex., para que serve a poda, o interesse social da poda), nem de poda pode saber.

Olhe caro amigo: podemos no nosso debate argumentar até ao infinito, mas não resolveremos a questão central: a da confiança e da credibilidade da Justiça. E esta questão é que é preciso resolver.

Eu penso que já começamos a sentir uma certa saturação deste tipo de argumentação em que, naturalmente, me incluo

josé disse...

Pois é verdade, compadre.
Outros assuntos, então.
Isto, de facto, é chover no molhado e quem quer não pode, sendo que quem pode não quer...

blábláblá disse...

ALGUÉM POR FAVOR EXPLICA A ESTE SENHOR QUE NÃO FAZ SENTIDO ISOLAR-SE ALI, ONDE QUASE NINGUÉM O OUVE?
Ele há cada prima dona bem pensante!!!

DEPOIS DA GREVE. CONTRIBUTO PARA A REFLEXÃO

1. A forte adesão à greve realizada por juízes e magistrados do Ministério Público nos dias 24 a 27 de Outubro foi, na minha leitura, um importante sinal de protesto contra uma política de afrontamento indiscriminado dos profissionais que exercem funções nos tribunais, podendo ter contribuído para a abertura do caminho à compreensão de que só pelo diálogo se podem mobilizar aqueles de quem depende o funcionamento do sistema de justiça para as profundas reformas de que necessita.
2. Contudo, no processo que acabou por conduzir à convocação da greve foram cometidos erros que não seria bom varrer para debaixo do tapete, até porque só identificando-os e debatendo-os será possível encarar o futuro de forma diferente.
3. Na minha perspectiva, foram quatro os erros cometidos pelo movimento associativo de magistrados: ter-se deixado fazer refém da agenda política do Governo, respondendo sempre e da forma por este esperada a cada nova acha que era lançada para alimentar o discurso do “combate aos privilégios”; a opção, desde início, por formas de reacção que sublinham o estatuto de funcionário dos magistrados; o menosprezo pela necessidade de esclarecimento dos cidadãos, tendo a comunicação sido desenvolvida quase exclusivamente para o ”interior do conflito”; e a secundarização da reflexão, debate e divulgação sobre o diagnóstico e as necessárias reformas da justiça.
4. Penso que, neste momento, há que continuar a procurar, pela via da negociação, o reequilíbrio possível entre estatuto sócio-profissional e deveres e incompatibilidades estatutários. Quanto ao Governo, seria a altura de, nesta matéria, avançar no cumprimento do seu programa, abrindo o debate sobre “a consagração do princípio da carreira plana dos magistrados judiciais e do Ministério Público, permitindo uma progressão profissional não condicionada pelo grau hierárquico dos tribunais e conferindo maior liberdade de escolha dos magistrados segundo critérios de competência e vocação profissional” (do programa do Governo para a área da justiça).
5. Mas o combate central deverá ser o da implementação das medidas necessárias à resolução dos problemas de funcionamento do sistema de justiça do ponto de vista da satisfação dos direitos dos cidadãos, que terá de ser também um exercício de autocrítica.
6. E parecem-me pertinentes os seguintes alertas: a crítica pública à prática judiciária não nos pode inibir de participar de pleno direito no debate sobre a justiça, nem a autocrítica deve transformar-se num auto-flagelo; a tentação de enfatizar factos marginais à actual política para o sector da justiça para a desacreditar pode ter efeitos contrários aos esperados; o enquistamento nas questões sócio-profissionais distrai as atenções da política de justiça propriamente dita e subestima a urgência da participação nesse debate.
7. Olhando para o sistema de justiça como cidadão e como magistrado do Ministério Público, entendo serem questões centrais que devem merecer atenção:
- O(s) processos(s) de ingresso na magistratura, o plano de formação desenvolvido pelo Centro de Estudos Judiciários, a formação contínua, a formação especializada e sua relação com a carreira profissional;
- A modernização do processo e dos métodos de trabalho e condições de funcionamento dos tribunais, associada a uma reorganização da estrutura judiciária e à qualificação e transparente gestão de recursos humanos;
- O funcionamento dos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público e o cabal cumprimento das suas atribuições constitucionais e legais;
- A lei de definição da política criminal e todas as questões respeitantes à sua filosofia e execução;
- A ponderação sobre as condições existentes e as necessárias para uma efectiva afirmação do interesse público na actividade judiciária, representado pelo Ministério Público, particularmente nas áreas penal e administrativa.

Este é o meu contributo para o debate que, após a greve, tem de ser organizado de forma ampla e participada.

posted by Rui do Carmo