22 outubro 2004

Legitimidade e (ir)responsabilidade

Da legitimidade da indigitação, pelo Ministro da Justiça, de Anabela Rodrigues para Directora do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), não podem restar dúvidas, face ao actual quadro normativo do CEJ. E não me parece despiciendo salientar que tal quadro não foi objecto, nesse particular, de qualquer proposta de alteração por parte quer do Conselho Superior da Magistratura (que – de facto - liderou o processo que levou à elaboração de proposta de alteração da Lei do CEJ entregue, ainda este ano, à então Ministra da Justiça Celeste Cardona) quer da ASJP; desconheço, aliás, quaisquer propostas nesse sentido por banda de entidades e personalidade que, publicamente, se tenham pronunciado sobre o tema Formação de Magistrados.
Acresce que o Conselho de Gestão do CEJ, onde têm assento, designadamente, o Presidente do STJ e um magistrado designado pelo CSM, deu parecer unânime à referida nomeação.

A posição de frontal discordância assumida pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) parece-me, assim, um novo sketch dos lamentáveis episódios protagonizados pelo CSM no que respeita à não renovação da comissão de serviço do então Director, Juiz Desembargador Mário Tavares Mendes, em Setembro passado, a dois dias do início das actividades de formação no CEJ e nos tribunais.

Recordo que as razões então invocadas pelo CSM para a não renovação de tal comissão não podiam deixar de ser há muito conhecidas daquele órgão (desde logo quando da nomeação de MTM, três anos antes…) e que, quando pela primeira vez (antes de férias judiciais) se debruçou sobre o pedido de renovação efectuado ainda pela Ministra da Justiça Celeste Cardona, o CSM decidiu sobrestar na sua decisão invocando, para tanto, a entretanto ocorrida queda do governo…
Tão frontal discordância afigura-se, assim, mais uma investida de sectores da judicatura que procuram, há muito, reforçar a sua influência no CEJ, desta feita colocando o Ministro da Justiça perante a necessidade de resolver urgentemente (30 dias, foi o prazo concedido…) a situação de crise assim gerada, na expectativa de que este fosse “forçado” a aceitar o nome que, de bandeja, o CSM lhe apresentasse(apresentou) para novo Director do CEJ.
Gorada a estratégia, eis tais sectores da magistratura judicial - que nunca viram com bons olhos o exercício, por parte de um magistrado do MP da função de Director de Estudos do CEJ (o que, aliás, sucedeu poucas vezes), quanto mais a de Director - a namorar a direcção do Sindicato dos Magistrados do MP (SMMP) para, em conjunto, verberarem a nomeação de Anabela Rodrigues, por não se tratar de um magistrado/a

A posição do SMMP, veiculada ontem pelo seu Presidente, em sintonia com a já anteriormente transmitida pelo Secretário-geral, tem sido referida, em comentários aqui no Incursões, como tão ou mais corporativa que a da ASJP, por assumir que a nomeação de um magistrado do MP teria sido bem vinda, por questões de “alternância” na direcção do CEJ.

Compreendendo tais críticas não posso, contudo, deixar de referir que, ao contrário de outros comentários aqui também efectuados, não me parece ambígua a posição do SMMP e que dizer-se que se dá “o benefício da dúvida” a Anabela Rodrigues não é uma posição descabida e/ou arrogante, uma vez que, a meu ver, o facto de ser reconhecido o mérito académico da indigitada, não faz dela, automaticamente, uma escolha razoável para o cargo e, muito menos, uma escolha inquestionável. Afinal, que se sabe do pensamento de Anabela Rodrigues sobre formação de magistrados? (e que experiência judiciária tem? ou será tal factor irrelevante numa escola profissionalizante que vem, de há muito, a ser "acusada" de proporcionar aos futuros magistrados uma formação excessivamente académica?)
Presumo que Aguiar Branco terá resposta a esta e outras questões que justificarão, do seu ponto de vista, a adequação da nomeação, não obstante a existência de várias outras personalidades com currículo, a priori, mais adequado ao cargo. E admito e espero que Anabela Rodrigues se venha a revelar uma solução em prol do aperfeiçoamento da formação de magistrados (note-se que vai actuar, ao menos nos próximos tempos, no actual quadro legal).
Para tanto será determinante, desde logo, as escolhas que fizer para preenchimento dos lugares de Director-adjunto (quatro, todos vagos, sendo um deles o de director para a fase inicial de formação no CEJ e na formação permanente; dois para a formação nos tribunais e a formação complementar, a preencher obrigatoriamente por um juiz e por um magistrado do MP; e um outro, por preencher há 3 anos (!), para o departamento de estudos jurídico-sociais).
E a capacidade que tiver para obter de Aguiar Branco condições de trabalho, de há muito em permanente degradação e já quase inexistentes, mormente no que respeita à contratação de pessoal administrativo qualificado e maior desafogo financeiro.
Bem como, last but not the least, a sua capacidade de motivação/liderança.

Sendo legítima a escolha de Aguiar Branco (e, reitero, igualmente legítimas as críticas à escolha efectuada), mas antevendo-se facilmente forte contestação por sectores influentes da magistratura judicial, será de concluir que a decisão de Aguiar Branco foi politicamente canhestra?
Tenho para mim que qualquer ministro da Justiça que quisesse dar-se ao respeito, nas circunstâncias acima referidas não poderia, neste momento, nomear um juiz para Director do CEJ e que, ainda que a nomeação recaísse sobre um magistrado do MP, sempre haveria reacções de oposição corporativa por banda dos costumeiros sectores daquela magistratura, ainda que de forma menos óbvia para a opinião pública mas, ainda assim, perturbadoras da actividade da escola de formação de magistrados.
Creio que, neste contexto, o Ministro pretendeu, com a nomeação de Anabela Rodrigues (para além do mais que decorrerá do conhecimento, que presumo terá, de especiais capacidades da mesma para o exercíco, com mais valia, do cargo) fugir à lógica corporativa da “alternância”, no intuito - pelos vistos gorado - de apaziguar tenções inter-corporativas, com o que me parece ter mostrado capacidade de decisão e sentido de Estado.
Poder-se-á, contudo, argumentar que, na medida em que não foi capaz (?) de prever a extensão da reacção corporativa dos juízes, lhe faltou sensibilidade política e, nessa medida, foi irresponsável, pois as recentes demissões no CEJ, mais as que se adivinham (demais juízes formadores, nos distritos judiciais de Évora e Porto), podem paralisar a instituição por um período de tempo que será sempre excessivo, no que respeita à formação que é feita nos tribunais (formação inicial e estágio).

Mas, pergunto, seria expectável que as previsíveis reacções corporativas pudessem ir tão longe?
Que a directora-adjunta para a magistratura judicial, juíza desembargadora Assunção Raimundo (de nomeação ministerial e oportunamente sugerida para o cargo por sectores afectos aos ora “descontentes”) se demitisse face a discordância com a nomeação, ainda se entende e, muito provavelmente, foi previsto.
Mas seria expectável que juízes que foram formalmente nomeados pelo CSM como seus representantes no CEJ (os directores distritais) se demitissem sem que deste órgão tivesse sido dado qualquer sinal de discordância com aquela nomeação (antes tendo os seus membros com assento no C. de Gestão do CEJ dado parecer positivo)?
E seria expectável que, na sequência daquelas demissões e à cadência da realização de encontros funcionais já anteriormente agendados com a referida directora-adjunta, se demitissem, em bloco, magistrados formalmente nomeados pelo CSM como formadores para os Cursos actualmente em formação nos tribunais?

E, segundo creio saber, “a partir de 2 de Novembro”, quando exactamente nesse dia se inicia um novo período de formação de auditores (com duração até final de Março) e a formação dos estagiários mal começou? (8 meses, iniciados em 15 de Setembro passado)?

Não, não creio que fosse expectável, pois tais atitudes ultrapassam em tudo a “dose digerível” de corporativismo e configuram-se como posições totalmente irresponsáveis face à situação dos formandos (aqui na posição de “terceiros e boa fé”), meros joguetes neste braço de ferro com o poder político. É que se a nomeação como formador pressupõe o acordo do próprio, certamente revogável devido a circunstancialismos pessoais ou profissionais supervenientes, também é de pressupor que a aceitação de tal nomeação é feita com sentido de serviço e no intuito de contribuir para o regular desenvolvimento das actividades formativas dos futuros magistrados .


« "Estamos a acompanhar a situação e sentimo-nos naturalmente preocupados", disse ao Público, António Bernardino, vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura, o órgão máximo de gestão e de disciplina dos juízes. Para debater o assunto, no mais curto prazo de tempo, o Conselho está a preparar-se para marcar uma reunião de "carácter extraordinário", adiantou António Bernardino. »
Eis pois (mais) uma boa ocasião para o CSM demonstrar que pode ser mais do que um veículo de interesses corporativos ou de grupos dentro da corporação. Espera-se, sinceramente, que a aproveite.

7 comentários:

Primo de Amarante disse...

Não tendo nada a ver o post que coloquei com o seu, no entanto retirei-o para evitar confusões desnecessárias.

Primo de Amarante disse...

Para quem não saiba, o post que tinha colocado era uma citação de Alberto Pimenta.

Kamikaze (L.P.) disse...

Ó Compadre, volte a colocar o post! Eu ainda o vi e achei que a citação vem SEMPRE a propósito...

Anónimo disse...

Continuo a achar que se está a enfatizar a questão da nomeação da Directora do CEJ, quando a questão deve ser analisada em termos da composição de toda a direcção.
A posição do SMMP não deveria ter sido colocada apenas nesta perspectiva, mas avançar também para a pessoa a nomear para o cargo de Director de Estudos.
Seria de prever que sendo a Directora do CEJ uma professora universitária, tal cargo passaria a ter um importância acrescida.
Tal será a forma que o CSM vai encontrar para, de forma indirecta, continuar a ter um juiz como...director.

Kamikaze (L.P.) disse...

Caro anónimo, também é essa a minha perspectiva, que tentei transmitir, para além do mais, no post. Pelos vistos não fui suficientemente clara.

Kamikaze (L.P.) disse...

É evidente, para quem conhece minimamente o funcionamento do CEJ, que o lugar de Director de Estudos (aliás, o substituto legal do Director) é fundamental na concepção e organização da formação. Quanto a prognósticos sobre se será um magistrado, mormente um juiz, a ocupar o lugar, não é preciso ser mediúnico para se adivinhar que a resposta é... SIM. Aliás, o nome até já é conhecido e representa uma solução de continuidade com o tipo de formação efectuada há uns poucos anos (mas já na vigência da actual lei), pois trata-se de um juiz "repetente" no cargo.
Assim, também não é preciso ser mediúnico para antecipar que, na sequência da anunciada reunião extraordinária do CSM, tudo no CEJ voltará rapidamente à normalidade.
Se Anabela Rodrigues não se encostar demasiado ao know how do seu nº 2 e à sua intrínseca propensão para aguentar com o mundo às costas, sem "piar" (ou seja, descodificando, se exigir mesmo as condições de trabalho que gritantemente faltam ao CEJ), se tiver capacidade de liderança e passar a instituir no CEJ o trabalho em equipa, com base em objectivos e responsabilidades repartidas, então talvez ainda se consiga algo mais que mera continuidade.

Kamikaze (L.P.) disse...

Caro Nicodemos, às vezes pode não parecer, mas não aprecio bebidas àcidas e de limonada só gosto com açúcar...:)

Quanto aos formadores do CEJ(nenhum docente se demitiu),pelo que referi e também pelas razões que expõe, creio que deviam assegurar funções, pelo menos, até à sua substituição. Mas palpita-me que tudo se resolverá em breve. Aguardemos a reunião do CSM.