05 janeiro 2006

Morreu ANTÓNIO GANCHO


“Só quando te beijo sinto o nome do teu corpo
Um dia parto sem ti e morrerei”


Escreveu António Ganchoo em Poemas Digitais (Jan. / Jul. 89).

Morreu na noite da passagem de ano, na Casa de Saúde do Telhal, onde vivia desde 1967 - leio agora no jornal

Para homenagear um poeta, que já não é novidade neste espaço, que dizia “escrevo-te para te ver outra vez”, aqui deixo

CLEÓPATRA QUE SAUDADES!

Um dia possuí Cleópatra na cama
a mulher que neste momento se ri de mim
julga que é mentira.
Um dia possuí Cleópatra na cama
coisas com que Cleópatra delira
Dois corpos afinal num só
Negámos nessa noite (tempestade ...)
a lei física da impenetrabilidade dos corpos.
O meu corpo no dela arde que arde
até ficarmos como mortos
Mas Cleópatra era bela.
Ela era mais que uma mulher
ela era de certeza a noite ela era de
certeza a estrela
ela era de certeza um segredo qualquer
Nunca mais me esquece
Agora canto “Um dia possuí Cleópatra
na cama”
a mulher que neste momento se ri de mim
julga que é mentira
Ai que coisa tão boa, coisa tão boazona
ai que coisa com que Cleópatra ai tanto
delira
Agora canto “Na cama” Agora canto”Na cama”
Cleópatra que Saudades!


O Ar da Manhã (1960/1967)

3 comentários:

Primo de Amarante disse...

Só conhecia a sua história, mas tinha uma grande admiração por ele.Não sei quem foi que disse que «o louco é aquele que perdeu tudo menos a razão». Ele espelhava isso mesmo até as últimas consequências. Era genuíno e os seus poemas traduziam isso.

Vivemos num mundo de gente muito certinha e por isso andamos sempre a ser "tramados".

Silvia Chueire disse...

Um surpreendente poema para um homem por tanto tempo internado num hospital psiquiátrico. Eu li dois outros dele, dos tempos de internação.
Sabem? Uma internação num hospital destes por tanto tempo em geral leva a um extremo empobrecimento intelectivo e criativo.

Silvia Chueire

M.C.R. disse...

Devemos a esse gigantesco Herberto Helder o conhecimento do António Gancho que ele antologiou em "Edoi Lelia Doura". Este livro, por sinal, figura no meu ficheiro com o nº de entrada 7544. Fui hoje por ele e... nada. Ou anda perdido pelas estantes (o que é sempre possível) ou está na mão de alguém que o levou "emprestado" e se esqueceu (?) de o devolver.
O Gancho viveu num hospital psiquiátrico quase toda a sua vida. Está morto e isso portanto já o não afecta. Relembro contudo que um outro excelente escritor português vive há anos num lar de terceira idade: Chama-se Luis Pacheco e a ele devemos a revelação atempada de quase todos os nossos surrealistas, através das suas "Edições Contraponto".
O Luis tem um enfizema, está quase cego, continua pobre mas todos os livros que ele publicou (seus ou dos amigos) valem hoje fortunas no mercado de livros raros.
Ponho isto apenas como aviso à navegação: já nem sequer me apetece protestar.
Quanto ao Helder, que eu julgo ser o maior poeta da 2ª metade do século XX em Portugal, vive também com um reduzido subsídio do ministério da cultura num lar para artistas idosos ao que me consta. Também é verdade que por princípio recusou o Premio Pessoa e o correspondente "cacauzinho". Como de costume os seus livros esgotam com uma impressionante rapidez, o mesmo sucedendo às traduções noutras línguas. O autor porém não deve ver muito dinheiro daquilo.