Críticas aos corporativismos vindas de Noronha do Nascimento não estou na disposição de comentar.
Mas, a propósito de algumas opiniões pelo mesmo expressas sobre Formação de Magistrados aproveito para tecer algumas considerações
Diz Noronha do Nascimento:
“Invocar a formação conjunta para solucionar busílis que provêm de outros genes seria tapar o sol com uma peneira quando este queima em demasia”.
Entendo que há, efectivamente, demasiados busílis na aplicação da justiça pelos nossos magistrados… designadamente os provindos dos genes de uma cultura endémica a certa magistratura judicial, que a formação conjunta não tem conseguido debelar (é certo que muitos não passaram por ela…).
Mas não será, do meu ponto de vista, eliminando-a ou limitando-a a um curto período de formação teórica (como se propugna no Projecto de alteração à Lei do CEJ já referido no Incursões em post que pode ler aqui) que se contribuirá para debelar o sentimento de insegurança jurídica que, por via dos ditos busílis, grassa na nossa sociedade.
Afirma ainda Noronha do Nascimento que "A formação conjunta leva-nos ou para a superficialidade na formação de todos ou para a dependência da formação de umas profissões em relação a outra(s) que se torna(m) hegemónica(s)".
Não constando que a formação de magistrados do MP tenha, alguma vez, hegemonizado a formação dos juízes já não sendo, no entanto, nada evidente – quer interna, quer externamente - a constatação contrária (aliás, é bom recordar que dos quatro directores do CEJ apenas Laborinho Lúcio era magistrado do MP, mas tendo antes exercido a judicatura), caso o pensamento e a acção do senhor ex-vice presidente do CSM não fossem sobejamente conhecidos, poder-se-ia ficar a pensar que tão ilustre personalidade estava preocupada com a qualidade da formação dos magistrados do M.P!
Quanto ao mais que Noronha do Nascimento refere sobre formação conjunta (que apenas existe, nos actuais moldes, ou seja, com efectividade, desde 1999 e não há 23 anos), subscrevo as palavras de Rui do Carmo proferidas em 28 de Abril, no Colóquio da Medel, que transcrevo, cumprindo parte da promessa aqui deixada em post de 16 de Junho:
Ponto III) – A formação inicial dos magistrados judiciais e do Ministério Público deve ter períodos comuns de formação teórica e prática, bem como períodos de formação específica para cada uma das magistraturas.
Recentemente, em Dezembro de 2003, realizou-se em Portugal a sessão final do Congresso da Justiça, em que participaram as organizações representativas das magistraturas e da advocacia.
O relatório final sobre o tema da Formação das Carreiras Jurídicas concluiu existir um significativo consenso no que respeita à criação,( aproveitando a provável redução da licenciatura em Direito cujo tempo é agora de 5 anos) para 4 anos, resultante da implementação da Declaração de Bolonha, de um período de formação universitária, pós-licenciatura, tendencialmente com a duração de um ano, destinado à preparação conjunta para o ingresso nas profissões forenses, cuja organização teria a intervenção do Centro de Estudos Judiciários e da Comissão Nacional de Formação da Ordem dos Advogados, sendo a sua frequência com aproveitamento requisito da admissão à candidatura à formação profissionalizante.
É, a meu ver, uma opção de aplaudir, que, através de um currículo que tome em conta os principais conhecimentos necessários ao exercício das profissões forenses, não adquiridos durante a licenciatura, e proporcione já uma primeira reflexão sobre as exigências da prática da administração da justiça, aumentará a preparação dos candidatos e contribuirá para a criação de uma cultura judiciária comum.
E a formação profissionalizante, tratando agora apenas das magistraturas, deve ser conjunta ou separada?
Desde 1998 que em Portugal os futuros juízes e procuradores têm períodos de formação conjunta não apenas no Centro de Estudos Judiciários, mas também nos tribunais, junto de magistrados judiciais e do Ministério Público, antes de optarem pela magistratura em que pretendem ingressar.
No ano de 2000 foi efectuado um inquérito aos auditores de justiça que já tinham passado por essa experiência, ao qual responderam 72,8% dos destinatários, em que se pedia que avaliassem esse período de formação comum nos tribunais quanto a três aspectos: opção de magistratura, modo de apreender e abordar as situações práticas de relevo judiciário e compreensão do sistema judiciário. As respostas foram elucidativas: 70,7% considerou que “permitiu uma opção de magistratura mais consciente”; 91,5% considerou que “permitiu uma leitura e compreensão mais abrangente das situações práticas de relevo judiciário, em face dos diversos ângulos de abordagem”; 87,9% considerou que “permitiu uma melhor compreensão do funcionamento do sistema judiciário”.
A formação de futuros juízes e procuradores deve ser organizada conjuntamente e de acordo com um mesmo modelo. Com períodos de formação conjunta, tendo em vista a criação e fortalecimento de uma cultura judiciária comum a quem irá exercer funções de acordo com um paradigma judiciário também comum. Períodos de formação conjunta que devem continuar a englobar actividades no CEJ e nos tribunais, pelas razões que decorrem do modo como já aqui perspectivei a formação inicial, reforçadas por aquelas que foram sufragadas no inquérito cujos resultados acabei de expor.
Claro que é também essencial que, no processo de formação inicial e depois de os auditores de justiça terem feito a sua opção de magistratura, existam espaços de formação específica para futuros juízes e para futuros procuradores, pois as características próprias de cada uma das funções exigem uma formação própria.
As propostas institucionais que hoje se começam a conhecer em Portugal vão no sentido da separação da formação das magistraturas. São tributárias de uma visão técnico-burocrática da actividade judiciária, de um modelo conservador de reprodução de rotinas e de isolamento das magistraturas entre si, e ambas do tecido social. E não reflectem qualquer análise séria dos resultados do actual processo de formação.
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