16 julho 2004

Caro Carteiro

Não podendo, naturalmente, questioná-lo sobre as alegadas razões pessoais que invoca para nos deixar à míngua, que só me resta respeitar, há-de compreender que estranhe a solenidade desta sua declaração pública de cessação de colaboração activa no Incursões.
Falta de motivação - falta de assunto, falta de tempo, simples preguiça ou até falta de pachorra - são boas razões para não se escrever hoje, amanhã ou depois. Mas porque não depois de depois - se lhe apetecer? Para quê fazer uma declaração de princípio quanto a continuar ou não a colaborar activamente?

Eu, que não conheço o Carteiro para além do muito que aqui nos tem dado de si, arrisco algumas explicações:

De um contributor como o Carteiro, que nos tem iluminado com o seu conhecimento da vida e da alma humana, no seu tom só aparentemente singelo e tantas vezes sublimemente irónico, não pode aceitar-se que nos apresente como motivação para o seu statement o não ter nada para dar!
A não ser que se trate de um carteiro inseguro e com pouca auto-estima, a precisar de incentivo e mimo...
Se assim for (e há razões para o presumir: relembre-se que em tempos até pediu desculpa por "escrever demais" ), desde já apelo a uma onda de solidariedade para com o “nosso” carteiro: mime-se o homem, que nestes tempos em que a caixa do correio só nos brinda com publicidade, extractos bancários e facturas, receber, de tempos a tempos, uma verdadeira CARTA é privilégio de que certamente não estamos dispostos a abdicar com facilidade!

Mas Marinquieto intuiu, tal como eu, que esta declaração do Carteiro poderia estar relacionada com a Sugestão e Pergunta de L.C.
O que reforça a legitimidade da minha incursão psicológica acima ousada... (cfr. comentário do Carteiro ao post em referência).
Se assim é, trata-se de um total equívoco, aliás partilhado por Marinquieto - ainda que numa interpretação diversa - como decorre do seu próprio comentário ao mesmo post.
Tal como L.C., penso que a Instância de Retemperação só começou verdadeiramente a sê-lo a partir do momento em que colaboradores como o Carteiro e o Compadre Esteves passaram a colaborar mais activamente, contribuindo para abrir horizontes temáticos e reflexivos mais alargados e estimulantes. O que desde logo se reflectiu, também, num acréscimo de comentadores e, presumivelmente, leitores.
Começava, pois, finalmente, a trilhar-se o caminho sempre perspectivado para o Incursões por L.C..
Por isso mesmo - e tendo em conta que muitos dos posts estritamente jurídicos são, em regra, bastante longos e, para muitos, quiçá maçudos - L.C. questionou-se sobre a conveniência de abrir uma "filial" onde tais posts poderiam ficar arquivados e disponíveis para leitura atenta por aqueles a quem as respectivas temáticas interessassem especialmente, dando assim mais visibilidade aos demais contributos.
Na "casa mãe" postar-se-ia apenas uma versão mais sintética, com link para o dito arquivo.
A ideia parecia-me boa. Mas, do teor de alguns comentários à Sugestão e Pergunta de L.C. conclui-se, no entanto, que o seu propósito não foi claramente entendido por alguns colaboradores e leitores. Ou foi e, no entanto, não concordam com a ideia, receando que a discussão sobre esses temas, que se pensava interessarem quase só aos juristas - era engano e ainda bem! - se torne numa hermética discussão entre especialistas.
São bem capazes de ter razão.

Caro Carteiro: espero que não leve a mal a ousadia desta minha incursão psicológica.
E ainda que a sua motivação seja só uma agudização do desencanto que nestes últimos tempos grassa, lembre-se que contamos consigo mas, acima de tudo, estamos consigo.

2 comentários:

Primo de Amarante disse...

Para kamikaze:
Em homenagem ao humanismo do seu post.

"O verde, a relva fria, o antigo dia,
Esse jardim sonâmbulo da infância,
A bruma amarelada, a ave tardia,
O apesar de silêncio, o tempo da ânsia

E segrêdo a sonhá-lo, a melodia
Tôda ela de água e fôlha em queda suave,
O vago pensamento, a solidão que havia
Na grade de ouro, do anjo o riso grava

A invejá-lo, a visão, o rosto em pranto
Ante a rosa do nunca, e dura e lenta
Uma tristeza mansa avança enquanto

Ele pensa, desolado e menino,
O encontro adivinhado, e o desalenta
O desencando de não ser divino

Marcos Konder Reis

Gomez disse...

Apoiado!
Estimado Carteiro: já temos demasiadas desistências. Não renuncie a resistir. Espero que brevemente nos brinde com o próximo post.