17 novembro 2006

Au Bonheur des Dames 39

Variações sobre a culpa

Descansem as leitoras e demais peonagem que, apesar dum meritório, ainda que curto, período de dedicação às ciências jurídicas, não venho aqui definir os limites da culpa mas apenas dedicar duas linhas por via de uma secretariante criatura (ou sub-secretariante, nem sei) que terá dito que a culpa do clamoroso deficit da EDP e das possíveis, eventuais futuras concorrentes, recai nos cidadãos contribuintes. Parece durante uns tempos a lusitana gente pagou menos do que devia pelo fornecimento de energia eléctrica.
Um estrangeiro, ao ouvir uma destas, caída com a necessária ênfase que soi ser a das governamentais figurinhas, poderia pensar que em Portugal subsistiriam restos de um abrilismo temível, revolucionário, que teria conseguido vergar a empresa e governo de tal modo e com tão inaudita violência que ambos, governo e empresa, para salvarem o coiro, teriam aceitado ser esbulhados de uma quantia gorda sob ameaças inomináveis que iriam desde o corte dos postos eléctricos até atentados contra a vida dos pais e mães da pátria.
Portanto, a secretariante ou subsecretariante criatura, uma vez, passado o perigo teria resolvido admoestar os súbditos e, ao mesmo tempo, avisá-los de um pequeno aumento no preço da energia, que eles durante anos se tinham recusado a pagar. Ai vocês cantaram? Pois agora vão dançar.
Todavia, as coisas não se passaram assim: as turbamultas portuguesas pagaram e não bufaram tudo o que lhes foi pedido em matéria de electricidade. Se alguém entendeu não pagar, rapidamente lhe cortaram o pio e a luz. Até no Teatro Rivoli a luz foi cortada para escarmento dos seus ocupantes.
A EDP e os organismos que a tutelam, directa ou indirectamente, definiu os preços dos seus serviços, todos os anos aumentados segundo critérios que noventa e nove virgula noventa e nove por cento dos portugueses desconhecem. A peonagem, nestas coisas, não tuge nem muge: paga, roga pragas, diz mal da sua vida mas paga. Porque sabe que se não pagar vem aí "os da electricidade" e cortam.
No entanto, dado que os aumentos da EDP não cobriam os custos da mesma, é o que eles dizem, há um buraco do tamanho do buraco do ozono mas mais feio, mais próximo e mais ameaçador. E foi por isso que a secretariante criatura (ou sub, tanto faz) veio agora dizer que se tinha acabado o recreio e que havia que pagar o deficit, tanto mais que se espera que venham os privados fornecer electricidade e que esses não se podem condoer com a aflição malévola dos actuais pagantes.
E pouca treta porquanto a culpa dos aumentos era, como não podia deixar de ser dos pagantes, isto é de nós todos. A culpa, reparem bem.
Não podia, uma vez sem exemplo, estar mais de acordo com a robusta e inteligente tese da secretariante (ou qualquer coisa do mesmo jaez) criatura. A culpa é nossa. Não é do capital, da imperícia dos estrategos governamentais, do populismo de que agora, e sempre, se têm revestido os pais e mães da pátria imortal, nobre povo e nação valente. Também não é de quem na EDP faz contas, gere aquilo, e manda as facturas para nossa casa. A culpa é nossa. E não adianta dizer que desconhecíamos estar a pagar menos do que devíamos. A ignorância desta lei não aproveita a ninguém.
Isto fez-me lembrar os índios das pradarias, esses selvagens que não faziam mais senão caçar bisontes, fumar o cachimbo da paz, viver em tipis e passar a vida a atacar caravanas inocentes de pioneiros, ululando como possessos. Agora já há não índios, claro, mas a culpa disso não é das tropas americanas, do 7º de Cavalaria, do John Waine ou do general Custer. Também não é de Manitu, por razões bem simples: Manitu não era Deus, logo não podia proteger aqueles bandos de facínoras que infestavam o Oeste, e destruíam a natureza, sobretudo os pássaros para lhes roubar as penas que punham na cabeça. A culpa foi mesmo deles: não tinham nada que estar ali, feitos parvos, a caçar o bisonte e a pescar os salmões. O agora chamado extermínio dos índios foi culpa deles e só deles. Eram pagãos, tinham uma cor esquisita, falavam uma língua de trapos e andavam semi-nus. Não cultivavam a terra nem a deixavam cultivar. Eram inúteis e a mão de Deus armou a dos homens que os puniram por um tão largo rol de culpas.
Convenhamos que em comparação estamos mais bem servidos. A verdade é que não somos pagãos, nem andamos por aí a matar bisontes.
Objectar-me-ão que os iraquianos, que ao que se sabe morrem por atacado, não caçaram nunca bisontes, andam vestidos (de djelabah é verdade, mas vestidos) calçados e adoram um deus um tanto ou quanto estranho, mas um deus, apesar de tudo. Dado que a culpa deles é menor, morrem mais devagar. Ao todo ainda não chegaram ao milhão de vítimas, o que prova o bem fundado da tese que venho defendendo.
O Dr. Santana Lopes escreveu um livro o que prova à saciedade que é um verdadeiro intelectual e não o punching ball dos críticos culturais que, durante anos, o atacaram por causa de uns violinos de Chopin. O dr. Lopes foi uma espécie de antepassado cultural do dr. Rio e como ele presidiu a um par de câmaras municipais, tarefa que só os invejosos atacam. De facto combateu a desertificação plantando um par de palmeiras na praia da Figueira da Foz e brilhou em Lisboa quando mandou fazer um buraco chamado túnel maior ainda que o buraco financeiro da capital. Também presidiu a um conselho de ministros, curto mas cheio de actividade onde terá ganho as esporas de menino guerreiro. Contra este formidável pai da pátria conjuraram-se todos os malfeitores políticos de que há memória e mesmo alguns que estavam esquecidos. Cavaco Silva e Sampaio encontravam-se já noite cerrada na “tendinha do rossio” e entre duas “amêndoas amargas” sistematicamente pagas pelo primeiro conspiravam fartamente enquanto o dr Portas e o eng. Sócrates faziam o mesmo mas á volta de uma pratada de tripas à portuguesa na “Ideal das avenidas”. No resto do país é o que se sabe: o dr. Simas Santos e o escultor Sousa Pereira rosnavam ameaças tremendas enquanto tomavam chá com torradas na explanada do bar “venha cá” ao foco, que eu bem os vi. Do Marco vinha expressamente o senhor JCP com um primo que tem em Amarante para aliciarem um tal “carteiro” para a cruzada anti-Lopes. E não esqueçamos um trio de senhoras de que nem ouso pronunciar o nome que, num blog detestável que não nomearei, juraram eliminar o dr. Santana pelo expediente horrendo de lhe enviarem pasteis de nata do dia anterior com o fito absoluto de o envenenarem ou, pelo menos, de o tornarem de tal modo obeso que as mulheres portuguesas o começariam a detestar.
Tudo isto, e muito mais, se passou nas caves e sub-caves da república para abater o recente e laureado escritor que anda por aí. O nefando intuito foi conseguido e ainda hoje, num grito de alma comovente, o dr. Lopes pergunta ao mundo rendido ao seu talento oratório, porque é que este gigantesco exército de criaturas maldosas não é votado às gemónias. E a resposta cínica e atroz tem sido sempre a mesma: não temos culpa.
Nota: este texto estava a meio no cestinho virtual dos “projectos” e só vê a duvidosa luz do dia graças ao depoimento televisivo do dr. Santana.
E vai dedicado aos doutores José Barata e João Vasconcelos Costa que tentaram defender o dr. Lopes com o famoso argumento “ele cai sozinho sem ajuda!”. Era verdade mas o dr. Sampaio é consabidamente um invejoso e quis ficar na história.

5 comentários:

Dr. Assur disse...

Infelizmente ele tem alguma razão que não abona em nada certa maquinária política. Maquinaria essa que está em pleno funcionamento entretida a manter o "status quo"..

JVC disse...

Não há dúvida, vou ter de mudar de nome.

João Vasconcelos Costa, o outro.

Carlos Sério disse...

Incluí no clçassepolitica um link do inc ursões. Espero que não se importe.

M.C.R. disse...

Por mim tudo bem. Mas diga lá de novo que endereço é esse que o não encontro.

Carlos Sério disse...

basta clicar em ruy. Ou www.classepolitica.blogspot.com