26 novembro 2008

Au Bonheur des Dames 151


Sebastião


Sebastião come tudo, tudo,
come tudo sem colher
come tudo, tudo, tudo
e depois bate na mulher.


Lembrei-me destes versinhos infantis, oh há quantos anos isso foi...., a propósito do que se vai passando na pátria madrasta. Obviamente, começando pelo fim, e isso é a parte mais séria, já nem vale a pena falar na cobarde infâmia que é a violência de género. Eu, não querendo desculpá-los pelo silêncio, atrevo-me a pensar que esses homens além de desprezíveis, são bem pouco homens. Aquelas virilidades devem andar por baixo, ao nível da sarjeta ou ainda menos.

Mas deixemos esse grupo de sevandijas (que hão de ter morto pelo menos quarenta mulheres, no ano que corre!!!...) e dediquemo-nos aos Sebastiões. Os que comem tudo e os que  são varados por setas ignominiosas. De vez em quando são os mesmos, graças a Deus.
Refiro-me a essa rapaziada que passou os últimos anos a ganhar rios de dinheiro e que agora, quando a roda desandou, ai Jesus!, e recorrem ao Estado, ao Estado que eles abominaram, ao Estado castrador, ao Estado que não deixava a vida económica fluir harmoniosamente, como eles diziam.
A América abana, atascada como está nos sub-primes, outra gorda negociata, mas já lá iremos, e o resto do mundo, põe-se a estertorar (bonito verbo!). E os reis da finança, os magos das contas, os artistas do investimento reprodutivo, os audaciosos da banca, corre que corre ao Banco de Portugal (presidido por um S Sebastião varadinho de setas horríveis) por um aval, coisa pouca, quinhentos milhões, mil milhões, enfim uma dessas somas que nem eu nem vocês, leitorinhas estouvadas, sabemos o que significa. Eu, se calhar, nem a um milhão dava destino rápido, quanto mais a esses balúrdios estonteantes.
Sei, contudo, que a quadra pré-natalícia aconselharia uns arroubos de misericórdia e generosidade face ao drama dos banqueiros em perda, dos seus (já não tão) ricos clientes que perdem euros à pazada por cada dia que passa. Mas nasci canhoto, um anjo torto (o de Drummond) mandou-me por esse mundo chatear essas vítimas dos acasos da Fortuna, deusa volúvel e esperpêntica que faz negaças a todos, audazes incluídos.
Por isso, desculpem lá, camaradas ricos, mas desta vez, por mim, são vocês quem pagará parte (uma pequena parte) da crise. É para saberem como a malta se sente quando falta o cacau, quando o desemprego ameaça, quando as contas aumentam, quando os preços disparam.
O Banco Privado está a tinir? Bon débarras! Que vá buscar o que lhe falta aos sumptuosos lucros de anos anteriores. Não há? Quem não tem competência não se estabelece!
Um outro Sebastião apresentou-se nas televisões com o ar e o gesto de quem ia pôr a boca no trombone. Ia contar tudo. Mostrar tudo. Que desde os não tão longínquos tempos de Coimbra, onde remava como nós, com fraca maré, até aos rosados domingos dos últimos anos, ele, apesar de cavalgar as ondas da sofisticação banqueira, continuava na mesma. Que os anos ministeriais, meia dúzia, pouco mais, apenas lhe tinham aberto uma porta (eu diria uns portões...) mas que ele até viera, sans peur et sans reproche, falar do banco a que estava ocasionalmente ligado por via de uma sociedade e pimba, repimba, toma lá que já bebes. Patético. Patético no momento e, mais ainda, depois. Ninguém corroborou as suas palavras testemunhais. Pior: negaram-nas. Negaram-nas mesmo antes do galo cantar. Parecia um remake do filme “quem quer tramar Roger Rabbit?” Aqui o título seria “quem quer tramar o dr Marta?”
Agora os jornais, sempre eles, contam que o dr Loureiro esteve até há muito pouco tempo como vogal da sociedade que de certo modo controla o banco. É assim? E se assim for, então como é que se explica a rotunda negativa do dr. Loureiro sobre o mesmo ponto?
Convenhamos. O dr. Loureiro interessa-me pouco, muito pouco. Como governante pareceu-me medíocre, como pessoa tem falta de graça e é tonitruante, com um vago toque de caspa no bigode e, definitivamente, veste-se como um parvenu (que, aliás, é.). Foi, porém, deputado, ministro, é Conselheiro de Estado. Provavelmente trará na lapela uma condecoração das boas, das honrosas, e tudo isso faz com ele me embarace. Que diabo sou português, vivo aqui e não gosto deste faduncho mal cantado e pior acompanhado.
O dr Loureiro pensa que o queremos cravejar de flechas. Porque é bonito, rico, alto e loiro. Ou porque é inteligente e bom conversador. Ou porque tem sorte e trabalha muito, tanto que ganhou uma fortuna. E que por isso estamos invejosos.
Está enganado. De inveja nicles, raspas de nada. E do resto, as leitoras julgarão. Conviria entretanto, parar e pensar. Olhar, parar e escutar, como se faz nas passagens de nível. Ou por outras palavras: só se deve ir à televisão se houver algo para dizer. Algo credível. Algo que se possa provar. Algo que não corra o risco de ser desmentido.
É por isso que ele tem a incómoda sensação que anda por aí alguém a querer zagunchá-lo. Não anda. é a imaginação dele a trabalhar. Que belo romance teríamos aqui se ao dr Loureiro, em vez de negócios, lhe desse para as belas letras.
O último Sebastião enganou-se. Vítima como se sente, faz mas é jus ao seu nome. Vejamos: dois ou três papas, mártires, uma vintena de outros do mesmo nome e igualmente mártires e o patrono de Marselha, também ele mártir. Com um carregamento destes, o dr Vítor Constâncio não precisa de se travestir. De resto, sebastiões, entre santos e beatos, só há oito enquanto os S. Vítor são, precisamente 42, sem contar com os Vitorinos que são, ao todo, quinze. Sem flechas mas mártires na maioria. como ele, claro...


o S Sebastião aí em cima é do Grão Vasco. E não passa de uma pintura. De uma grande pintura. Mas apenas de uma pintura.

3 comentários:

O meu olhar disse...

Por tudo o que referiu acho que Cavaco Silva fez mal em testemunhar publicamente pela honestidade desse personagem.

M.C.R. disse...

Eu ás vezes penso que Cavaco se engana repetidamente... E que ou é demasiado pueril ou então será muito menos inteligente do que anteriores actos dele pareciam comprovar.
Ou então ... está a dar a Loureiro uma estocada e a abrir-lhe a porta para uma saída airosa:
apesar da confiança de S.E o sr Presidente, e confortado com ela, eu, Loureiro, entendo dever demitir-me para lhe deixar as mãos livres e poder combater os meus opositores em terreno aberto e não escondido atrás da função de CE.
Se for assim, chapeau, monsieur le President!

MFerrer disse...

MCR, A igenuidade tem também os seus limites. O ridículo não está ausente desses.
O que é evidente é que Cavaco o segurou não fosse ele ficar sem as imunidades ligadas ao seu estatuto conselhio...
Agora, se ele abandonasse o barco, depois de ter sido repescado das águas revoltas, o capitão teria que se deixar afogar! Como nos grandes dramas.