Foi pelas razões acima aduzidas que tenho mantido silêncio sobre o estridente caso do sargento pai adoptivo e respectivo oponente. Primeiro, sabendo pouco ou nada do caso, achei que o sargento era um herói. Vejamos:
1. uma infeliz mãe solteira, vendo o fruto do seu pecado repudiado pelo presumível pai, entrega a criança para adopção
2. obrigado pelo MP a reconhecer a criatura, o pai biológico perfilha a criatura e
3. jura vingança. Assim
4. reivindica a criança
5. arrancando-a aos cuidados estremosos do casal que a queria adoptar.
6. o dito casal resolve num imenso acto de amor não entregar a criança.
7 . a mulher esconde-se com a criancinha e o homem arrosta sereno e altivo a prisão.
Contado assim, e foi assim que a imprensa contou o caso, eu, como a Dr.ª Maria Barroso, umas senhoras juristas e uns milhares de cidadãos conspurcámos o nome dos juízes que tinham decidido a favor de um pai biológico ausente e desinteressado.
Todavia, um amigo meu, zangado e vindicativo, veio informar-me que as coisas eram diferentes.
a. o pai biológico antes mesmo de ser convencido da paternidade, anunciou que assumiria integralmente o seu papel de pai no caso de se provar que a criança era filha dele
b. e de facto, no exacto momento, em que viu provada a sua paternidade imediatamente perfilhou a criatura
c. entretanto o casal “adoptante” que se fora “esquecendo” de desencadear o processo de adopção, logo que a vê perfilhada avança com o seu pedido, notoriamente inepto visto que havia pai, perfilhante e garante da educação da criança
d. tudo isto se passa durante o primeiro ano da criança
e. o que significa que se esta tivesse sido como se ordenava no primeiro de vários processos desencadeados pelo pai biológico entregue a este nada de grave ocorreria para o equilíbrio psicológico da bebé.
f. todavia os “adoptantes” recusaram entregar a criança e criaram toda a espécie de dificuldades ao pai biológico que nem sequer pode ver a criatura
g. o caso arrastou-se durante 3 ou 4 penosos anos e terminaram
h. com a condenação do sargento Gomes a um largo par de anos por sequestro.
Ponhamos que esta segunda versão é a mais conforme com a verdade. Estaríamos, assim, perante uma campanha histérica e imbecil, outra mais, contra a Justiça. Pior, estaríamos perante a manipulação descarada da opinião pública, coisa que poderia ser mesmo criminalizada se se verificasse ser comanditada pelo advogado do réu, por personalidades ligadas à protecção de menores e similares. Porque esses sabem bem o que passa.
Sempre esperando que o caso seja assim, a que vem agora um encontro entre as partes promovido pelo Ministério Público para transferência “gradual” da posse da criança? A que vem, se é que é verdade, a promessa de excarcerar o individuo justamente preso por sequestro? Que é que se prepara? Voltaremos a ver juízes contra procuradoria disputando por interpostos pais biológico e “pseudo-adoptante” a carninha frágil de uma criança de cinco anos? Pretender-se-á transformar uma sentença clara numa mascarada que, traduzindo em miúdos, devolva a propriedade da criaturinha aos pseudo-adoptantes fortalecidos por um apoio mediático e histérico que acabará por premiar o sequestro e desfavorecer o pai biológico, que tem contra ele a terra, o facto de ser pobre, de ser mulherengo e não sei que mais?
Sempre dentro da mesma ideia, que os factos relatados no acordão do tribunal são verdadeiros, parece-me meridiano de que foi a teimosia dos pseudo adoptantes que levou a este estúpido e trágico desfecho que não acaba na prisão do sargento mas continua na saga tonta de uma clandestinidade de mãe adoptante e criança que qualquer cabo de esquadra resolveria num par de horas, na reviravolta da mãe biológica que afinal também quer entrar na fotografia e na exposição canalha que se faz do pai biológico que, queira ou não, está definitivamente convertido num ogro se calhar pedófilo.
As leitoras terão verificado que ainda não me pronunciei sobre o aborto. São várias as minhas razões. E uma delas está já nesta história. Uma mulher engravidou. Engravidou sem possibilidades de criar a nova vida que trazia na barriga. Porque era muito religiosa manteve a gravidez. Talvez houvesse alguma alma caridosa que tomasse conta da criança. Depois foi o que se viu. Para a entregar mentiu sobre a paternidade. Os adoptantes foram-se distraindo e só deram o passo decisivo quando apareceu um pai. Ou quando acharam que a criança era perfeitinha e adoptável...
As razões seguintes basta ver o que a campanha vai trazendo ao de cima. Estas famosas questões fracturantes herdadas da falecida juventude socialista distinguiram-se pela estridência e pelo facto comezinho de com o barulho das luzes se evitarem temas bem mais graves e urgentes. Depois ainda não houve uma alminha gentil que me explicasse porque é que um tema deste género não foi debatido no seu local: o parlamento. Transferir a discussão para a população através do expediente do referendo é não só amesquinhar os pais da pátria mas sobretudo permitir que o populismo mais canalha, a argumentação mais miserável apareçam sob a luz forte da verdade sem sequer a protecção de um diáfano manto de inteligência. A única virtude, triste consolação, é mostrar, urbi et orbe, a nossa verdadeira face.
Como de certeza vou apanhar nas orelhas pelo meu tom tristonho convém dizer em minha defesa que ando com um pertinaz resfriado, alguns momentos de febre, a boca a saber a papel de música, dores no corpo, e a restante parafrenália própria da época. A culpa deste longo estádio semi-febril deve-se ao facto de ter interrompido a convalescença do primeiro resfriado para com mais uma centena de amigos celebrar os primeiros cinquenta anos da Regina Valente. Valeu a pena, apesar de tudo. Rever amigos de que não tinha notícias há dez ou quinze anos (e vivemos todos na mesma pequena cidade). Olhem companheiras e companheiros, podíamos todos estar bem pior. Atrevo-me mesmo a dizer que estamos muito melhor do que esperava. Então o mulherio está que ferve!
A latere: depois do último boletim sobre o meu peso, tenho a grata notícia de relatar que com o resfriado e respectiva dieta perdi mais dois quilos. Ou seja: faltam quatro quilos para me converter num modelo.
A latere de novo: O Público apresenta a história do blues. Oito dvd imperdíveis que há mais de um ano a farmácia de serviço noticiava em primeira mão. Demorou a chegar a um preço popular mas a partir de agora não há desculpas.