Eles tremem mas não caem. Às vezes o escândalo público fá-los vacilar mas eles sabem que isto de jornais é sol de pouca dura, uma notícia abafa a outra e isso conforta-os. Escondem a cabeça por um momento mas apenas para a voltar a erguer logo que a trovoada passa.
Refiro-me, obviamente aos do “eduquês”, aos do Rousseau mal entendido e pior praticado, aos desculpabilizadores, aos “todo o poder ao povo bom e inocente”. Enfim a uma seita que tem desgraçado este pobre país que já não sabe a que santo se votar.
A história, claro, é a da “escola” Carolina Michaelis (pobre senhora, se ela soubesse...). Depois de, por um momento, se terem calado, entupidos, pela bestialidade do filme risível que se viu, eis que voltam com passos de lã.
Um cavalheiro do Público, Pacheco de seu nome, vem opinar que as queixas na Procuradoria da professora agredida fazem o processo entrar numa espiral de violência que poderá ter terríveis consequências. Pacheco, deveria ser obrigado a dar umas aulas, receber os competentes tabefes, as correspondentes humilhações, a acusação gratuita e canalha de poderes públicos, de pais extremosos e de criancinhas apenas um pouco traquinas para saber o que é bom. Mas Pacheco, com uma conselheiral prosa vem dizer que assim também não, que é demais, que as criancinhas... enfim o habitual chorrilho de uma pseudo esquerda de baratas tontas que não percebeu nada, não aprendeu nada e quer perpetuar esse feliz estado de cretinismo agudo no país que a atura.
A senhora directora da DREN esforçou as meninges. Agiu, que remédio, mandando a aluna telefonista para outra escola que vai ter de a aturar. Prometeu rigor, pudera!, e para coroar esse ingente esforço intelectual, mandou que na “escola” (raio de nome!) professores e alunos meditassem no ocorrido entre cinco minutos ou uma inteira hora. Já estou a ver os coleguinhas da criatura agressiva, à semelhança de Pacheco, a entenderem que o mundo está a ser demasiado duro com eles. E os professores a terem de “dialogar” sobre um Estatuto do Aluno que é não apenas aberrante mas imbecil. E criminoso.
Corre, entre os palermas como eu, que ninguém está verdadeiramente interessado em apurar responsabilidades, verificar a razão que nos fez chegar a estes extremos que vêem sendo denunciados há anos.
Há anos!
Alguém daí viu os pais da turbamulta filmadora e gozadora, dizer uma palavra? Por exemplo: “desculpem lá qualquer coisinha?” Viram? Viram os pais da menina agressora a dizer que estão aborrecidos pelo que a filha fez? Que lhe vão tirar o telelé ou deixar de lhe pagar as chamadas e as mensagens e as músicas que descarrega? Alguém viu a inexistente Ministra da Inducação dizer duas a abater à professora? Alguém viu aquela subsecretariante criatura, Valter não sei quê, dizer coisa que se ouvisse e, uma vez sem exemplo, defender a verdadeira parte fraca nesta história de faca e alguidar, perdão de telemóvel e encontrão?
Alguém acredita, visto isto que se vê, e visto sobretudo o que se não vê, porque os professores calam, as escolas escondem, as Direcções de Educação ignoram e o Ministério olímpico não avalia, que as crianças, os adolescentes saem das “escolas” a saber qualquer coisa que valha a pena, que os ajude a ser cidadãos, pais e educadores?
Todos os anos em chegando as tais provas de aferição ou lá como se chamam o discurso é aterrador. Cada vez sabem menos, cada vez as coisas estão piores, cada vez se gasta mais dinheiro e cada vez os resultados são mais tristes.
Quando os jornais publicam as listas de escolas é um ai Jesus! Que as privadas isto, as privadas aquilo. Só se esquecem que as privadas são caras. Sendo caras não estão para brincadeiras. Menino mal comportado sai logo. O pai extremoso que pagou um balúrdio, sente-se onde lhe dói: na carteira! E nesse caso age, é mesmo capaz de enfiar um par de estalos no abencerragem esparvoado. Que obviamente não repete a graça. Esse é o primeiro segredo das escolas privadas. Não estão pelo eduquês, ignoram educadamente o Rousseau traduzido em calão nacional e ministerial, e dão ao demo as digressões alcoólicas por Lloret de Mar.
O caso Carolina Michaelis poderia dar azo a uma discussão fecunda. Poderia... Para isso era preciso pôr em questão um par de tretas inauguradas pelo ministro Veiga Simão, ainda no tempo da outra senhora, valha a verdade. Foi com esse pai da pátria, um homem para todos os regimes, desde Salazar e Caetano a Cavaco e Guterres, que tudo isto de facto começou. Não com este aspecto e muito menos com esta gravidade, está bem de ver. Nem o autoritarismo conservador do Estado Novo lho consentiria. Mas de facto foi com ele que a Educação Nacional foi realmente mudada. A pedra de toque foi o ciclo, o famoso ciclo básico e que daí se seguiu. A destruição das Escolas Comerciais e Industriais que não seriam exemplares mas que garantiam um ensino profissional que hoje não existe. E a dos Liceus que eram “elitistas”- Provavelmente é verdade. Hoje, pelo contrario, elites não se enxergam a menos que se tente ir procurar pelas Escolas privadas.
O que estes pobres espíritos tão radicais e tão igualitários não percebem, coitados, é que a rasoira por baixo condena os filhos dos mais desfavorecidos. Os filhos das classes altas vão aprender em escolas exclusivas, rigorosas, caras. E saem daí para as melhores escolas superiores, seja em Portugal seja no estrangeiro. Esta “escola” condena os filhos dos escassos proletários que subsistem, os da pequena burguesia à vulgaridade permissiva e geradora de ignorância que a actual escola pública fomenta.
O Público há dias traçava o retrato de seis professores no topo da carreira, carregados de louvores e apreciados pelos colegas. Vão embora! Estão pelos cabelos! Não aguentam mais! Sabem que vão perder dinheiro, quer porque, mesmo com os 36 anos de serviço, ainda não têm a idade necessária, quer porque já com mais de 60 anos ainda lhes faltam um, dois ou três anos. Perderão 4,5% por ano em falta. A média daqueles seis professores/as, era, se bem recordo, entre 9 e 13,5% de ordenado a menos. Antes isso que endoidecer, dizia um. Antes isso que apanhar porrada, replicava outro. Antes isso do que viver esta vida merdosa, triste, medrosa ser ainda por cima apontado a dedo, dizia um terceiro. Estes seis professores não estão sós. Há muitos mais na calha, dispostos a arriscar, a perder para ganhar. O movimento é aliás geral em boa parte da administração pública. E são os melhores, os mais capazes que se vão que os outros, os tais que a opinião acusa (e com que razão!...) estão na maior. Não chegarão a titulares, o que lhes evita bastante trabalho. Ninguém os vai despedir porque são “uns gajos porreiros”. Não ensinam mas também não agridem os alunos. Muito menos os paisinhos que só querem da escola um lugar onde ter os filhos a salvo das drogas (boa piada, esta...) e dos restantes vícios e perigos da rua(!!!...)
Um último ponto: parece que há pessoas (e entre elas algumas cuja opinião muito prezo mas que, neste caso lamento dizer que não têm razão) que acham que um telemóvel é um bem de tal modo pessoal que o seu confisco temporário pelo professor é além de uma violência uma atentado aos direitos humanos mais elementares. Mesmo que o tal telefone perturbe a aula que é paga pelos impostos de todos, mesmo que isso perturbe o desejo de aprendizagem de um só aluno entre trinta...
Faço parte de uma associação tonta que fornece material escolar para os cafundós africanos. Uma lousa, algum papel, umas bics, dinheiro para um pobre almoço, mais mandioca que outra coisa, enfim tudo muito rudimentar. Os meninos e as meninas andam quilómetros por picadas infames, sob um sol abrasador, ou uma rara chuva diluviana. Não têm sapatos e as carteiras de dois acolhem três e não chegam para todos. Os resultados são notáveis ao que me informam. As aulas são disciplinadas não só porque ninguém tem dinheiro para telefones mas porque eles sabem que a saída da miséria e do subdesenvolvimento passa por aprender a ler, a escrever, a contar, a pensar, a ser cidadão, a ser responsável, a ser adulto. E sabem que a sua permanência ali e não no campo a cuidar das lavras pobre ou do rebanho magro é um privilégio. E que talvez eles, ou os filhos deles, possam viver um pouco melhor, um pouco mais do que os pais.
O cronista insiste que não é professor nem está ligado a qualquer pessoa com tão extravagante profissão