No turbilhão do debate sobre a vinda a Portugal do barco da Women on Waves, corre-se o risco de perder de vista a questão essencial. É esse o medo do médico e deputado do PSD Salvador Massano Cardoso. Este considera que, muito mais importante que discutir o problema do aborto a 12 milhas da costa é ter presente que milhares de portuguesas passam a outra fronteira do país para ir abortar a clínicas espanholas , que funcionam sob uma legislação idêntica à portuguesa. E pergunta: «Por que razão é que uma lei, sendo igual em Espanha e Portugal, tem consequências práticas tão distintas? Esse é o ponto nobre desta matéria, o ponto fulcral da discussão sobre o aborto».
Para este social democrata, só há duas hipóteses. «Ou são os espanhóis que estão a abusar, ou é a nossa lei que não está a ser utilizada em toda a sua latitude. Não têm sido invocados os direitos que ela permite.» Porque, frisa, trata-se de saber se «a legislação em vigor em Portugal permite cobrir outras situações diferentes das que estão a ser cobertas». E não tem dúvidas sobre a resposta. «Pode! E uma das razões por que isso não sucede é a forma esporádica como isto é discutido.»
O deputado lamenta que «sempre que se fala deste assunto se entre em ebulição, e em ebulição as pessoas não conseguem ser sensatas». Sensatez seria, para este clínico de Coimbra, fazer o que fazem os espanhóis, ou seja, admitir o aborto por motivos relacionados com o perigo para a saúde psíquica da mulher, o que naquele país correspondeu, na prática, a permitir o aborto «a pedido». «Há uma diferente interpretação: também podemos fazer recurso a esses aspectos, a nossa lei também o permite. A uma mulher que esteja grávida contrariada, isso pode causar-lhe danos psíquicos irreversíveis! Porque a saúde não é só a saúde física, há saúde psíquica e social!»
Os motivos de uma tão radical diferença entre as interpretações portuguesa e espanhola da mesma lei prender-se-ão, para o médico, com «falta de coragem». Dos «sucessivos governos e principais partidos», incluindo o seu, dos médicos e da sociedade em geral. «Há uma certa passividade das pessoas: dá trabalho lutar...» Exemplifica com o facto de nunca se ter assistido, no País, a qualquer batalha legal sobre o assunto.
«Que aconteceria se abrisse uma clínica de interrupção da gravidez, a funcionar como as espanholas, em Portugal? Numa primeira fase, uma espécie de terramoto. Teria de se recorrer aos tribunais, claro. Mas se isso sucedesse em meia dúzia de casos, acabar-se-ia por chegar à conclusão de que se estava dentro da legalidade».
Certo é que ainda ninguém a tal se atreveu. Massano Cardoso imputa o facto «ao nível cultural dos portugueses». Também a «cultura médica» lhe merece reparo, a começar pela existência de um código deontológico que, ao «proibir o aborto», entra em contradição com a lei da República.
O bastonário dos médicos, Germano de Sousa, admite que «o entendimento restritivo da lei é em grande parte imputável aos clínicos». E não nega ser a tal disposição do código - que já anunciou, no início do ano, dever ser alterada - a consubstanciação desse entendimento: «Nunca houve dentro da classe uma grande pressão para a modificação.» Alega até que «grande parte é objectora de consciência» mesmo se, no seu caso pessoal, frisa ser «completamente a favor das excepções previstas na lei».
Mas a interpretação espanhola, mais lata na alegação de «ameaça à saúde psíquica» parece-lhe complicada: «é muito difícil demonstrar problemas de saúde psíquica.»
Para Germano de Sousa, trata-se de perceber que «os médicos portugueses foram educados para respeitar a vida». Os espanhóis não? «Claro que sim... Mas eles são mais permissivos.»
31 agosto 2004
a lei, a sua interpretação e a prática
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Au suivant
(...)
Se a escusa for aceite, a discussão sobre a pronúncia de Pedroso voltará então para Carlos Almeida, o desembargador da 3ª secção a quem o processo tinha sido sorteado, mas que, curiosamente, já tinha sido o autor do acórdão que libertou o deputado socialista. Apenas passou para Vargas Gomes, porque o processo foi considerado urgente e o juiz estava de turno.
In JN
Nota, à atenção de Tânia Laranjo - trata-se de um requerimento de recusa do juiz ( levantamento de um incidente de suspeição) e não de um pedido de escusa (que só pode ser pedido pelo próprio) constando, até, as disposições legais atinentes aqui no Incursões...
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Alguém explica?
Filipa Macedo, juíza do Tribunal da Boa Hora, emitiu mandados de captura, mas PJ e MP opuseram-se à pretensão. Juiz que ontem estava de turno revogou decisão da colega. A juíza tentou fazer com que CalosCruz e os restantes arguidos regressassem à prisão e só o Ministério Publico evitou concretização de mandados.
Seis dos oito arguidos do processo Casa Pia estiveram na iminência de ser presos, nos últimos cinco dias. Filipa Macedo, juíza do Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, emitiu mandados de captura contra Carlos Cruz, Ferreira Diniz, Hugo Marçal, Manuel Abrantes, Jorge Ritto e Gertrudes Nunes, alegando que só com os arguidos na prisão é que as alegadas e até as potenciais vítimas estariam sossegadas. No entanto, acabou por ser o procurador do Ministério Público (MP), a quem o processo estava distribuído, a requerer ao juiz que ontem estava de turno, Jorge Raposo, que a situação fosse revista. Segundo o JN apurou, o magistrado do MP alegou que não fazia qualquer sentido a alteração das medidas de coacção, tanto mais que foram impostas quer pelo Tribunal da Relação de Lisboa, quer pela juíza Ana Teixeira e Silva, que presidiu à instrução.
Decisão ideológica
Filipa Macedo não invocou qualquer novo facto para requerer a prisão dos arguidos. Os mandados, divididos por três páginas, tecem apenas considerações ideológicas. A juíza, que não é titular do processo e estava apenas de turno no dia em que emitiu os mandados, começou por enumerar os crimes pelos quais os arguidos estavam indiciados, dizendo depois que os abusos prolongaram-se durante anos e é "conhecida a compulsividade patológica de tais atitudes".
Acrescentou ainda diversas considerações pessoais sobre a forma como hoje os adolescentes vivem. Assegurou que têm uma "liberdade desmedida", "passam os dias sozinhos, saindo à noite até altas horas da madrugada", "podem ser considerados apelativos e presas fáceis" pelas "indumentárias que usam", "descontracção que actuam e bronze e penteados que exibem". Lembrou ainda que muitos deles começam a consumir droga muito cedo, aos 11/12 anos, e normalmente não têm posses para as "solicitações da sociedade de consumo".Tudo isto para justificar, na sua óptica, a necessidade de voltar a prender os arguidos. Algo que a magistrada justificou, dizendo que os juízes "não podem ser amorfos, alheados ou despreocupados" e por isso não deve estar dependente de requerimentos de sujeitos processuais.
Dezenas de volumes
Os motivos que levaram Filipa Macedo a pronunciar-se no processo são uma incógnita. Não sendo a magistrada a juíza que iria fazer o julgamento, que já foi distribuído à 8.ª Vara, também não parece ser provável que no único dia em que esteve de turno tenha tido hipótese de ler as dezenas de volumes do inquérito.Por explicar fica também a razão para que a juíza tenha já marcado a data do julgamento. No caso, Filipa Macedo, que não irá compor o colectivo que assistirá às audiências, designou ao dia 26 de Outubro para o início das sessões, não sabendo no entanto se, nessa altura, o colectivo o poderá fazer.
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30 agosto 2004
Branquinho sempre a subir
Uma notícia do JN da passada semana dava conta que Santana Lopes estaria já a constituir gabinete no Porto. E adiantava-se que Agostinho Branquinho - eterno companheiro de estrada de Rui Rio e de José Pedro Aguiar-Branco e que já desempenha alguns cargos importantes na cidade -, estaria bem colocado para assumir o cargo de chefe de gabinete do PM, coisa que o próprio, segundo o jornal, não confirma. Rui Rio continua a colocar perdas no xadrez político. Luís Filipe Menezes é que não parece ter ganho muito com a mudança de governo.
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Valentim elogia Sócrates
Valentim Loureiro, inopinadamente (ou talvez não...), aproveitou ontem a presença da Comunicação Social num qualquer "número" no seu concelho, para desatar a disparar elogios a José Sócrates, considerando-o (cito de cor) com grande perfil para primeiro-ministro, num quadro de alternância democrática. Vindo donde vêm, elogios destes nunca são inocentes...
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No melhor pano...
Manuel Alegre, ao mesmo tempo que denunciava os podres dos aparelhismos partidários (gostei!), ressuscitava uma "reivindicação" de uns poucos algarvios, quiçá até por estes já esquecida: a da criação de uma "região administrativa".
Alegre aroveitou para desenterrar a regionalização (antiga reivindicação de muitos perdida há anos em referendo), ao defender que seja «desbloqueada a cláusula» na Constituição que obriga à criação simultânea das regiões administrativas. Com «ponderação», o candidato quer ver a «experiência da região do Algarve».
Tratar-se-á apenas de um "episódio" delirante, talvez efeito das altas temperaturas que ainda se fazem sentir por terras algarvias, ou Manuel Alegre irá levantar esta bandeira? Ainda que fosse apenas para captar as simpatias dos socialistas algarvios, já era mau sinal.
Será caso para (eu) dizer: no melhor pano cai a nódoa...
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29 agosto 2004
Sunshine, de Edward Potthast
Edward Henry Potthast (American, 1857-1927)
Sunshine (1889)
Cincinnati Museum of Art
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Recusar o espírito aparelhista
É o tema da crónica do nosso mestre João Baptista Magalhães no JN de hoje:
Mais de metade da riqueza que os portugueses produzem vai para os impostos. Por isso, seria de esperar que este esforço fosse compensado por políticas de serviço público. Mas não é isso que acontece. O Estado não só está fragmentado por interesses particulares (como bem demonstra o conceito de deslocação, importado da lógica das empresas para as secretarias de Estado), como também vai privando de bens públicos essenciais as classes sociais mais desfavorecidas. A justiça, pilar fundamental de um Estado de Direito, é, hoje, um bem caro e banalizado por uma profunda crise de credibilidade. O ensino tornou-se numa máquina desmoralizadora dos professores, de desapontamento dos pais e de insucesso dos alunos. A saúde, sujeita à lógica fria da contabilidade empresarial, perdeu humanismo e tornou-se num negócio como outro qualquer. Faltam ao país líderes que saibam galvanizar as energias cívicas necessárias a um desígnio nacional. Os sistemas partidários, detentores do monopólio da representação política, fecharam-se em lógicas de grupos de interesse. Por alguma razão, as mulheres socialistas parecem estar mais preocupadas com a cota da sua representação num futuro governo do que com as políticas da boa governação. E para ganhar os seus votos já há quem lhes dê ouvidos, esquecendo que, por analogia, também se pode promover os deficientes ou outros grupos sociais, (mais marginalizados que as mulheres) a semelhante categoria de identidade e reivindicar para tais grupos o mesmo critério de representatividade por cotas. Mas este não parece ser o caminho que leve a uma boa governação. Sempre que se procura satisfazer interesses de grupos, como é próprio do espírito aparelhista, quem sai prejudicado é o interesse comum. O PS, se quer ser a alternativa, tem de combater a degradação da vida política. A candidatura de Manuel Alegre manifesta esta preocupação. É impossível harmonizar o melhor que há nos partidos com o melhor que há na sociedade através de lógicas aparelhistas. Só a afirmação do carácter ideológico de um partido pode gerar confiança nos eleitores e isso é incompatível com as prebendas do poder exigidas pelos activistas dos aparelhos partidários.
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Música de Domingo
(especialmente dedicada aos Compadres Esteves)
Tomaso Albinoni (1671-1751)
Sonata em sol menor (1740) - Adágio
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O assessor quase-sem-cabeça
... é o título deste imperdível post de Gomez, na Grande Loja...
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28 agosto 2004
Ondas no mar, mulheres em terra
No barco que traz a Portugal é possível ministrar a pílula abortiva a quem queira interromper a gravidez até às seis semanas e meia (há três anos que a associação espera licença para alargar a interrupção voluntária da gravidez a bordo do barco para doze semanas), desde que as mulheres em causa preencham os requisitos médicos e legais.
"Em países nos quais o aborto é ilegal, a legislação nacional aplica-se apenas dentro das águas territoriais. Fora das doze milhas aplica-se a lei holandesa a bordo do navio", explica a organização, acrescentando que "em 2002, o ministro da Saúde holandês confirmou por escrito que a Women on Waves pode disponibilizar legalmente a pílula abortiva a bordo do navio".
Ontem, a Women On Waves pediu autorização formal para entrar e permanecer no porto da Figueira da Foz, tendo realçado que tal pedido era apenas uma formalidade dentro do espaço da União Europeia. O barco que a associação holandesa trouxe a Portugal, chamado "Borndiep", está oficialmente registado como uma embarcação comercial, respondendo directamente às autoridades marítimas holandesas. Antes de sair da Holanda, o barco foi inspeccionado e obteve permissão de partida. De acordo com a regulamentação nacional e internacional, todas as embarcações comerciais têm livre passagem e entrada em portos.
O secretário de Estado para os Assuntos do Mar anunciou ontem que as autoridades portuárias e de tráfego marítimo tinham comunicado ao barco, através do seu capitão, ao armador e ao cônsul da Holanda "que este não deverá passar em mar territorial português". Para Nuno Fernandes Thomaz, o Governo não deve ser "cínico" e fazer de conta que não sabe ao que vem o barco.
Um dos motivos apresentados pelo Governo foi a protecção da saúde pública, uma vez que o navio pretende utilizar e distribuir medicamentos proibidos pelas autoridades portuguesas. O barco holandês, com clínica ginecológica a bordo, pretende fornecer, às mulheres interessadas em interromper a gravidez até às seis semanas e meia, a pílula abortiva, que será ministrada em águas internacionais.
De acordo com o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (Infarmed), a RU-486 não é comercializada em Portugal, mas, neste caso, compete exclusivamente às autoridades de saúde holandesas o controlo do transporte e distribuição do fármaco. Segundo a directiva 92/29/CEE, já transposta para o Direito português, "o estabelecimento de regras sobre o aprovisionamento de medicamentos nos navios que arvorem pavilhão de qualquer Estado-membro, bem como a fiscalização do respectivo cumprimento, é da responsabilidade do país do respectivo pavilhão", ou seja, neste caso, da Holanda, explicou fonte do Infarmed à Lusa.
A directiva em questão determina que "cada Estado-Membro deverá tomar as medidas necessárias" para que, em "qualquer navio que arvore o seu pavilhão", as "quantidades de medicamentos e material médico a embarcar sejam determinadas em função das características da viagem ou dos tipos de trabalho a efectuar durante essa viagem".
Como o medicamento é fornecido às mulheres fora das águas territoriais portuguesas, a sua toma não é abrangida pela legislação nacional, não podendo, por isso, ser sancionada, realçou a fonte do Infarmed.
O advogado que representa a organização holandesa pró-legalização do aborto Women On Waves, que se encontra a caminho de Portugal via marítima e cujo pedido para atracar no porto da Figueira da Foz foi rejeitado pelo Governo, considera que a proibição do Executivo não tem fundamento jurídico. A associação prepara-se para apresentar queixa contra o Estado português por violação dos acordos da União Europeia.
(excertos editados de várias notícias desta madrugada e de hoje, no Público)
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À espera...
Foi aqui (ou, pelo menos, também aqui) que se aludiu à questão de o desembargador-relator-de-turno que vai elaborar o projecto relativo ao recurso que envolve Paulo Pedroso ter ligações, pessoais e por interposta pessoa próxima, ao PS. Curiosamente, desta vez, a Tânia estava distraída - talvez de férias -, e foi o António Arnaldo Mesquita que aproveitou para fazer manchete, no Público de ontem. Curiosamente, também, ainda não vi aqui nenhum comentário sobre o assunto, um assunto que deve merecer a atenção especial do MP, que é o autor do recurso em causa. Senhores Procuradores, fico à espera. É assim que se faz um blog...
Postado por Anónimo 17 comentários
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Aparelhismo partidário
Tornou-se hoje evidente que é no interior dos sistemas partidários, na forma como estes organizam as suas escolhas, que podemos encontrar explicações para a crise geral do sistema político. Se temos políticos medíocres e sem qualquer credibilidade é porque os sistemas partidários deixaram de produzir lideranças de mérito e estas só se promovem com o debate ideológico.
Recentemente, de uma forma naïf, apareceu quem tecesse elogios aos aparelhos partidários e não foi por acaso que tais elogios foram feitos por quem tem o aparelho ao serviço da sua candidatura a secretário-geral do PS. Mas, os elogios de conveniência são sempre pouco rigorosos e quase sempre demagógicos.
Convém recordar, a propósito dos aparelhos partidários, o que disse Max Weber. O Sociólogo da época kaiseriana identificou dois tipos diferentes de partidos: partidos de patrocinato que se caracterizavam pela ausência de compromissos morais e objectivos claros; e partidos de princípios que se organizavam em torno de ideais e projectos, recusando talhar a sua intervenção política pelo capricho do eleitorado. Entendia que nestes, o aparelho traduzia-se numa organização com regras, orientada por valores e fins próprios. Possuía um ethos que estimulava a coerência, censurava o oportunismo e promovia lideranças responsáveis e dignas de mérito. O aparelho era, assim, a casa da ideologia, onde se desenvolvia a ética da responsabilidade, avaliando as consequências de militar em torno de ideais e valores. Nos partidos de patrocinato, o aparelho é um mero instrumento de interesses pessoais. Por detrás do clamor pelos nobres ideais do partido, o que os seus activistas realmente procuram são as prebendas do poder.
Esta última situação caracteriza, no meu modo de ver, o que acontece, hoje, na vida política partidária. A política espectáculo e o pragmatismo político foram esvaziando os partidos das ideologias e isso teve como consequência o desaparecimento da cultura democrática e dos mecanismos que promoviam o sentido de serviço público e as lideranças de mérito. O que temos, hoje, são sindicatos de voto e aparelhistas que inscrevem na sua estrutura partidária o maior número de pessoas, familiares e amigas, que possam controlar. Depois, é só preciso um telemóvel e encher os bolsos de talões de cotas para arrebanhar votantes e forçar a vitória que se pretende.
Os aparelhistas constituem o virus que corrói, por dentro, os partidos.
Tecer louvores ao aparelhismo é, por isso, nada compreender sobre as causas do descrédito dos partidos e da profunda crise que atravessa o próprio sistema político.
Se os partidos não estabelecem mediações entre a sociedade e politicas de serviço público, deixam de promover a esperança de um mundo mais justo, mais generoso e mais humano e abrem as portas ao populismo e à demagogia.
Provavelmente, Manuel Alegre não ganhará as eleições para secretário-geral do seu partido. Mas a sua preocupação em situar a campanha no debate ideológico já funciona como um sobressalto cívico. E, por isso, bem haja por se ter candidatado!
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27 agosto 2004
Santana e Moura
Excerto da entrevista de Santana Lopes à Visão de ontem:
(...)
Quanto à questão suscitada pela eventualidade da violação do segredo de Justiça por organismos encarregues de o preservar e aos pedidos para que o Procurador-Geral da República fosse demitido, o Primeiro-Ministro afirmou que «não tenho razões para ter alguma dúvida sobre a integridade do senhor Procurador-Geral. Num Estado democrático de direito não posso decidir por suspeitas. E o senhor PGR, em relação à pessoa da sua equipa relativamente à qual havia dúvidas nessa matéria, para não usar a palavra suspeitas, tomou uma atitude.»
Por outro lado, «considero a estabilidade importante num sistema que está numa situação muito difícil como é o caso da justiça, e que teve situações que são conhecidas antes, nomeadamente com o director da PJ (...). Mas mesmo que não tivessem existido, da minha parte não tive nenhuma razão para lhe retirar a confiança desde que entrei em funções. Só procurei certificar-me com o senhor PGR que todos os actos que considerava indispensáveis iriam concretizar-se, nomeadamente as investigações por parte das entidades competentes. Foi-me assegurado.»
Afirmando «não falo sobre a confiança que tenho nas pessoas. Se estão em funções, a confiança não está em causa» acrescentou que «quando o senhor Presidente da República e eu mantemos a confiança é porque entendemos que o mais adequado ao interessa nacional é não estar a pôr em causa o PGR».
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MAS PORQUÊ UM PSEUDÓNIMO?
primeira dúvida após o desenjoo informático
Os pseudónimos servem, ou para esconder a identidade civil, ou para revelar a(s) outra(s) - era a minha ideia, primária.
Mas com Kurt Tucholsky aprendi outras explicações, mais reflectidas.
Tucholsky, escritor satírico alemão (1890-1935) a quem o nacional-socialismo retirou a nacionalidade alemã e cujos livros mandou queimar. Escreveu com o próprio nome e com quatro pseudónimos (Ignaz Wrobel, Peter Panter, Theobald Tiger e Kaspar Hauser) poesia, canções, relatos de experiências e sentimentos pessoais, declarações políticas, crítica de teatro e de livros, críticas ao aparelho judicial (1) e aos poderes administrativos e militares. Guardava a sua identidade civil para os artigos em que se comprometia pessoalmente com programas e posições políticos.
Dizia ele num texto autobiográfico de 1927:
"Somos cinco dedos duma mão.Pertinente! Mais ainda neste ambiente de hiperfulanização!
(...)
Estes pseudónimos emergiram da escuridão, imaginados por brincadeira, inventados por brincadeira - na altura em que os meus primeiros trabalhos surgiram na Wewltbühne. Uma pequena revista semanal não está disposta a apresentar no mesmo número quatro vezes a mesma pessoa, e assim surgiram, por graça, estes homúnculos. Viram-se impressos quando ainda tropeçavam, uns nos outros; mas começaram a sentar-se direitos, ganharam segurança, cada vez mais segurança, ousadia - e começaram a levar uma vida própria. Os pseudónimos são como homenzinhos; é perigoso inventar nomes, fazer-se passar por outrem, vestir nomes - um nome tem vida. E o que começou como brincadeira acabou em alegre esquizofrenia.
Gosto de nós (...).
E também era útil existir cinco vezes - pois quem é que, na Alemanha, acredita no humor de um escritor político; ou na seriedade de um escritor satírico; ou nos conhecimentos de Código Penal de um brincalhão; ou nos versos divertidos de um cronista de cidades? O humor desacredita.
Nós não queríamos deixar-nos desacreditar e, por isso, cada um fazia a sua parte (...)" (2).
marinquieto
(O berço de uma ilhoa atlântica e a lembrança do ralho carinhorgulhoso de minha mãe - "está sossegada, Maria irrequieta". Se revelasse os apelidos que acompanham esta Maria e a distinguiram precocemente das outras, ficariam a conhecer-me ainda pior)
(1) O crítico do aparelho judicial era Ignaz Wrobel, cujo texto chamado "Memorando para Jurados" vos propunha que fosse reproduzido neste blog, pedido que é, de resto, feito expressamente pelo autor.
(2) Kurt Tucholsky, Hoje entre ontem e amanhã, p. 39 - Livraria Almedina, 1978.
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Vítimas
Por EDUARDO PRADO COELHO, professor universitário, no Público de hoje:
O acontecimento teve uma enorme repercussão. Uma mulher jovem, judia, transportando no metro parisiense o seu bebé, é vítima de um atentado, mais concretamente, de uma violação colectiva, por um grupo de negros e muçulmanos, perante a indiferença de outros passageiros que se encontravam no outro extremo da carruagem. Tendo tido a coragem de denunciar este crime anti-semita, a mulher, que os "media" designaram como Marie L., foi considerada um caso exemplar da violência racista crescente em França. O próprio Presidente Chirac se emocionou e defendeu que se criassem medidas para evitar esta vaga inquietante. Pouco tempo depois, veio a descobrir-se que todo o depoimento era completamente falso. Marie L. inventara tudo. Talvez, como tantas vezes sucede nestes casos de mitomania, ela tenha acabado por acreditar naquilo que contava. Talvez de tanto mentir, ela se tenha sentido verdadeiramente violada. Mas ela apostou sobretudo na repercussão mediática do que ia ficcionalmente construindo: ela tornou-se verdadeiramente heroína da sociedade, exemplo de uma evolução em vários planos: a lógica racista, a dimensão sexual da agressividade; o perigo dos negros e árabes, os riscos de sair à rua, a indiferença egoísta daqueles que assistem e não reagem.
O caso levou diversos sociólogos a apontarem uma tendência contemporânea: se as vítimas provocam tanta emoção é porque a sociedade está ansiosa por encontrar vítimas. O seu sentido progressivo da compaixão alimenta-se disso. Por outras palavras, vivemos numa situação em que as vítimas se transformam em heróis mediáticos.
Se isto sucede, é porque não é hoje fácil ser herói. A forma de ser herói tem a ver com o crescimento do individualismo, que deixa o indivíduo entregue à sua própria solidão. Como declara Lucien Karpik, o próprio processo judicial se alterou. Anteriormente, julgava-se em nome do interesse geral. "Agora passou-se a um processo organizado como uma espécie de terapêutica da vítima, com a ideia implícita de que esta é a única maneira de apagar o trauma. Hoje tudo está preparado para que a vítima se transforme no centro do processo. Assiste-se assim a um privatização da justiça que, sem que haja debate, se põe ao serviço de uma causa privada."
Se o leitor vir com atenção um telejornal, verifica que se trata de encontrar vítimas da sociedade e que essas vítimas pretendem designar um nome que represente o rosto da culpa. Na ideologia antipoder que de certo modo substitui a clivagem esquerda/direita, a designação de um culpado é a grande tarefa. Quando podemos dizer que a culpa é de X ou de Y, podemos dormir descansados. A sociedade contemporânea ama a compaixão. E as vítimas encontram no processo que as vitimiza o momento de glória que procuram ao longo de uma vida sem grandeza.
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Uma carta sem letras
Estou sem "onda" - alguém me disse que o mar está chão. Ou que esteve chão, quando eu deixei o mar. Entretanto, enquanto a vida dança, segundo Munch, eu estou parado a olhar a dança, com o olhar petrificado - a inestética de quem não dança... - de quem nem sequer tem vontade de se mover.
Leio livros até de manhã, leio Sidney Sheldon, que é fácil e é coerente. Pelo meio, vejo telenovelas portuguesas, enquanto tento perceber se a ficção é mais ou menos real do que a realidade. Por momentos, retomo a velha ideia de fugir para longe, onde tudo começa de novo e há guerras, ou a não menos velha ideia de fugir para perto, para um sítio escondido da planura alentejana, onde tudo também pode começar de novo, mas não é suficientemente longe para garantir a paz. Longe de quê? Perto de quem?
Vou olhando as janelas para o mundo. Com uma atenção dispersa. Por cá, parece que as coisas não correm bem. Quem é Adelino Salvado? Quem é Souto Moura? E o abutre, ou os abutres? E o que é a teoria das cabalas? E quem são os pedófilos? E quem sãs as crianças abusadas pelos pedófilos? E alguma coisa disto existe? Não será tudo isto uma urdidura, um ponto de encontro casual - ou nem tanto!-, onde convergem várias vontades para destruir alvos específicos? Mas que alvos? Os putos abusados? Os fdp dos abusadores? O chefe dos investigadores? O titular da acção penal? Os jornalistas com ética ou os jornalistas nem tanto?
Leio o Incursões à procura de respostas. Não encontro. Nem era suposto encontrar. Porque ninguém tem respostas, a não ser respostas à medida de quem as dá, conforme o sítio de onde responde.
Aliás, o Incursões é cada vez menos um sítio de perguntas e de respostas. Parece ter-se transformado em pouco mais do que um quarto de queijo limiano. É óbvio que não tenho nada contra o Queijo Limiano. Mas não sei bem o que é a Grande Loja, coisa que, porventura, também não é para se saber.
Com esta coisa do Sidney Sheldon e das novelas devo ter perdido a ligação à realidade. Por isso, não liguem muito. Não tem importância...
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26 agosto 2004
O Pacto de Regime
Na sequência do denominado “caso das cassetes roubadas” (que, pelos vistos, nem foram roubadas, nem furtadas, mas tão-só copiadas, total ou parcialmente, ao longo do tempo), o Primeiro-Ministro Santana Lopes considerou, em 8 de Agosto corrente, «ter chegado a hora de o Governo, maioria parlamentar e oposição trabalharem formalmente na celebração de um Acordo de Regime em torno das grandes questões da Justiça em Portugal», e prometeu que até à abertura do Ano Parlamentar seriam «desenvolvidas as diligências necessárias à apresentação de propostas que concretizem estes propósitos, designadamente em matéria de Código Penal e Código de Processo Penal». Acrescentou assim um desígnio que não constava do Programa do Governo, poucos dias antes anunciado.
O Diário de Notícias de hoje dá conta da ocorrência de algumas dessas diligências, anunciando que o PSD e o PS estão sintonizados em relação ao “pacto de regime”. Segundo este diário, «PS e PSD defendem que o pacto de regime deverá ser amplo, incluindo reformas que vão além das alterações à legislação penal e processual penal - em que se incluem matérias como a prisão preventiva, as escutas telefónicas e o segredo de justiça, que saltaram para a ordem do dia com o processo Casa Pia». Essa amplidão estender-se-á a temas como «a clarificação do regime de financiamento da Justiça, a revisão do estatuto judiciário, a reorganização dos tribunais e a revisão do regime de formação dos magistrados». E as pedras-de-toque da “Reforma” assentariam na “eficácia”, na “segurança” e na “celeridade da Justiça”.
Já não é a primeira vez que se fala em “pacto de regime” para a área da Justiça. Trata-se de tema recorrente de vários governos e grupos parlamentares. A originalidade, desta vez, decorre do pretexto escolhido – um caso de polícia, a condenação sumária pela comunicação social de pessoas escolhidas a dedo para subirem ao cadafalso, sem qualquer respeito pela presunção de inocência dos visados, e a utilização, nessa condenação, de provas obtidas e divulgadas ilicitamente, ou seja, de provas proibidas, como se estivéssemos na selva ou no mais feroz dos regimes ditatoriais. O que, por si, é mais do que suficiente para se duvidar da seriedade do pacto anunciado.
Pacto para a realização da Justiça, em condições de plena igualdade, ou pacto para amordaçar e paralisar a Justiça em relação a alguns intocáveis?
Pelo andar da carruagem, parece ser este último o pacto pretendido – uma reforminha acordada a dois, o eterno Guilherme Silva e o inefável Jorge Lacão, e destinada a enfraquecer ainda mais a independência do poder judiciário e, sobretudo, a autonomia do Ministério Público.
Nada leva a crer que se trate de uma reforma séria e profunda. Uma reforma com base científica, em que haja a humildade de pedir o conselho e o projecto desinteressados dos académicos e especialistas. Uma reforma eficiente, em que sejam tidas em conta as sugestões dos práticos e aplicadores da lei e do direito. Uma reforma que assente na confiança dos magistrados que temos e aposte na sua formação permanente. Uma reforma que ponha termo ao caos e ineficácia do sistema de recursos actualmente vigente. Uma reforma que ponha cobro ao desbaratamento de recursos financeiros com transcrições inúteis de gravações e com a subsidiação de um sistema de acesso ao direito que não sirva apenas para garantir a sobrevivência de candidatos à advocacia. Uma reforma para servir toda a sociedade, visando verdadeiramente a Justiça, e não interesses conjunturais de algumas personalidades e grupos.
Uma reforma como a que se anuncia, combinada nos bastidores dos directórios partidários à luz dos traumas causados pelo processo Casa Pia e à revelia de quem a há-de aplicar, estará, como muitas outras, votada ao insucesso. Haverá sempre maneiras de dar a volta ao texto.
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PRA FRENTE
Por Alberto Pinto Nogueira, hoje, na Grande Loja do Queijo Limiano:
O país tem vivido num estado doentio de geral esquizofrenia. São cassetes, são violações disto e daquilo, são exageros de toda a ordem, são pedidos de demissões.
O país, meu Deus, não pode continuar assim, dependente, em forma de depressão quase geral, de um processo que deveria agitar as consciências e não resvalar o colectivo para o lugar esconso de um quase manicómio onde, aparentemente, todos vamos sobrevivendo.
Tempo é de finar com isto.
De andar pra frente.
Conta-me um amigo e colega que, há uns tempos, um Promotor de Justiça dos USA visitou Portugal. Um dos objectivos era analisar e conhecer o processo penal português e como, na prática judiciária, funcionava.
O meu amigo, então docente do CEJ, lá se esforçou por lhe fornecer o maior número de dados que pôde, seja em textos, seja proporcionando ao visitante o contacto com várias actuações no terreno na base do nosso processo penal.
Já no fim, o promotor dos USA comentou que Portugal era um país rico e que, na América, não havia orçamento para se fazer o que cá se fazia, em termos de processo penal.
Não sei bem o que tal entidade pretendia dizer.
Sei, todavia, que, com quase 600 artigos, o CPP tem tantas artimanhas, tantos incidentes, tantas regrinhas que, mesmo decorridos dezasseis anos, nem o jurista mais apetrechado é conhecedor de tudo quanto lá está. É um código complexo, pensado para um tempo que não é o de hoje, pensado para ser aplicado a alguns milhares de inquéritos e nunca para 500 mil inquéritos anuais.
O resultado está à vista.
De 1994 a 2000, prescreveram, que se saiba, cerca de 50.000 processos. Os restantes não se sabe nunca quando terminam.
A simplificação, garantindo, por um lado, os direitos e garantias do cidadão e, por outro, o dever do estado de perseguir e prevenir o crime, impõe-se rapidamente. Toda a gente sabe ou sente isso e é tempo de o fazer, com coragem, visão, estudo e ousadia.
O poder político, que é quem legisla, tem padecido de uma maleita bipolar, concentrando-se, doentiamente, em pontos muito restritos do processo penal: o segredo de justiça, a prisão preventiva, as escutas telefónicas, assim sujeitando, de modo redutor, a actualização de um código que devia ser, a meu ver, pura e simplesmente revogado, na sua quase totalidade, a meras operações impostas por certa conjuntura.
Não faz nenhum sentido que as provas recolhidas em inquérito não valham em julgamento, que tudo se repita, que tudo seja objecto de recursos e mais recursos.
Carece de senso que uma mera contra-ordenação possa ser causa de recurso para um juiz, depois para a Relação e até para o STJ.
Os julgamentos de matéria de facto nas relações são, como toda a gente sabe, uma farsa sem nenhum sentido. Julgar por cassetes.......
Ninguém entende tantas formas de processo, o comum, o acelerado, etc, etc...
Garantindo-se sempre o direito ao recurso, o STJ deveria ter competência para decidir, liminarmente, os recursos a conhecer e a não conhecer.
Etc, etc,etc..
O código de processo penal que temos assenta, entre muito mais, num fundamento claro: o legislador teceu tudo, regulou tudo, criou normas e norminhas que só se entendem na base de desconfiança política nos magistrados. A acção destes está apertada numa teia que lhes restringe a legitimidade democrática. Não se trata de princípios constitucionais a ter em conta a cada momento processual, mas antes de regulamentações administrativas , quando adiam e quando não adiam, como ouvem e como não ouvem, o que transcrevem e não transcrevem, o que fundamentam e como e o que não fundamentam, em que prazos e sem prazos, o que certificam e não certificam, as provas que valem e as que não valem, quem fala primeiro e quem fala no fim.
A acrescer a tudo, como tenho dito neste local, uma jurisprudência repleta de citações, de notas e notinhas, de rodapés, infindável. Tão infindável e tão esotéria que, ao ler-se, nem se sabe se é uma tese de mestrado ou doutoramento ou se se está a resolver um caso concreto da vida real, se se tem um drama humano ou uma feira de vaidades onde cada magistrado procura ser mais "sabedor" que o anterior.
É óbvio que tudo está ligado ainda com a formação dos magistrados, com a sua formação contínua, onde nada se tem investido.
Para o Ministério Público, tem ainda a ver com alguns aspectos do seu estatuto, com a reorganização das Distritais, dos DIAPs, do DCIAP, do Conselho Superior do mesmo, o que será matéria para outra ocasião se a tanto "me ajudar o engenho e a arte", como diria o poeta.
Vamos mas é pra frente e deixemo-nos de alimentar guerras e guerrinhas, quem disse e quem não disse e como disse ou não disse.
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As nossas cidades
Entretanto, Luís Filipe Menezes inaugurou já e em força, o coro de protestos previsíveis, com imediato sucesso.
Tratar-se-á apenas do jogo de forças do costume ou o autarca estava, até, cheio de razão? Não conhecendo suficientemente o tema para poder opinar, deixo aqui um convite ao debate (talvez Gomez, por exemplo, possa iluminar-nos com as suas sempre esclarecidas opiniões).
Os Polis (Traumatizados)...
(...) O programa POLIS- Viver as Cidades, criado em 2000 pelo governo português na altura governado pelo Engº Guterres, tinha como principal meta a modernização e requalificação das cidades abrangidas. No início foram 18 , as localidades escolhidas, sendo as intervenções eram geridas pelo Estado e pelas autarquias e as restantes intervenções foram alvo de contratos-programa por ajuste directo.
(...)Ora o programa POLIS, com recurso a financiamento comunitário e financiamento directo via orçamento geral do Estado Português, decidiu investir , fazendo assim cumprir a lei das finanças locais, no que diz respeito ao endividamento das mesmas e , colocar o ónus do investimento e modernização das cidades para o Estado. Mas nem tudo correu bem e hoje passados 4 anos é legítimo questionar se os investimentos modernizaram de facto as cidades em causa ou se porventura tal modernização não se ficou por rotundas , umas pinceladas nas paredes e pouco mais ?
O Estado já contempla no PIDDAC, fundos para as autarquias, as autarquias fruto dos impostos municipais de imóveis complementam os seus orçamentos, mas a verdade e quer se queira quer não, as autarquias são autênticos mestres na arte de esbanjar dinheiro.
O verdadeiro problema é de facto na forma como se pensa o ordenamento do território em Portugal, pois chega a ser demagógico o Estado gastar dinheiro para a reaqualificação urbana colocando esses fundos nas autarquias e depois as mesmas autarquias aprovarem empreendimentos que ou constituem verdadeiros atentados ao PDM ou as mesmas autarquias procederem a alterações do PDM para aprovação de empreendimentos urbanísticos, cujas receitas irão providenciar importantes receitas autárquicas.
Por outras palavras, nenhum presidente de câmara contemplada com o POLIS, pode afirmar a pés juntos, que ao mesmo tempo que beneficiava do POLIS , não autorizava a construção de autênticos atentados ao ordenamento do território.
Atente-se assim aos seguintes dois exemplos do que o POLIS faz pelo país fora...Gaia - Desenvolvimento de operações de ordenamento de áreas edificadas, ou ainda por edificar, com o objectivo de promover a sua integração urbana e paisagística na frente ribeirinha.Leiria - Requalificação das margens do rio LisPara estes dois casos, são obviamente necessárias demolições de edifícios, mas alguém ouviu falar nelas ? Não, obviamente que não, e quem se quiser aventurar a consultar os sites do programa polis das diversas autarquias, verá que para além de jardins, rotundas, pouco mais foi feito.
Ou seja, o estado criou assim um instrumento que permite que as autarquias cumpram os seus programas pré-eleitorais - pois não é por acaso que o POLIS é criado em 2000 com eleições à porta em 2001 - sem ultrapassarem ainda mais os limites de endividamento.Por uma questão de responsabilidade política, se uma autarquia como Almada, permitiu a construção da forma que permitiu na Costa da Caparica, porque razão deve agora o Estado gastar no POLIS da Caparica, 48 Milhões de Euros, para a mesma autarquia de Almada, a seguir aprovar ao lado da face visível do POLIS na Caparica, um jardim de cravos de Abril, um prédio em condomínio fechado com 20 andares em frente ao mar ? É este o conceito de ordenamento ? Há ainda a forte suspeita que as autarquias utilizem o POLIS como forma de se financiarem de forma directa com as empresas que forem contratadas por ajuste directo. Ou seja nos projectos, os mesmos são sobreavaliados, e as autarquias contraem crédito junto das empresas locais para futuras obras. Será por isto que os autarcas se encontrem politraumatizados ?(...)
No DN -
Menezes ameaça e Governo recua
O Governo já começou a ceder na intenção de cortar verbas no programa Polis. Depois de uma maratona de reuniões e contactos com as autarquias afectadas, o Ministério das Cidades colocou água na fervura e diminuiu os protestos. O ministro José Luís Arnaut telefonou a Luís Filipe Menezes e garantiu os financiamentos previstos para a orla fluvial de Gaia. "Foi uma atitude sensata", disse, ao JN, o autarca.
Após a notícia de ontem do Diário Económico, de que o Governo projectava a reprogramação financeira do Polis, Luís Filipe Menezes ameaçou bater com porta e entregar as chaves da Câmara de Gaia. E como as intenções governamentais consistem em adiar para o próximo Quadro Comunitário de Apoio o financiamento dos programas em 13 das 39 cidades abrangidas (o que totaliza cerca de 118. 3 milhões de euros) outras reacções são ainda de esperar.
Entre os projectos de reconversão urbana que deixam de figurar no mapa das intenções a curto prazo, sobressai o Polis da Costa da Caparica, uma vez que, segundo os dados do Diário Económico, 33,2 milhões de euros dos 48,2 milhões de euros previstos na fase inicial para a concretização de vários projectos, foram riscados do mapa. Em 2006 se verá.
Para além do Polis da Costa da Caparica, existem outros cidades cujos projectos poderão ficar amputados, caso as ameaças governamentais se concretizem. Por exemplo, o Polis de Viseu, os financiamentos estimados em cerca de 12,6 milhões de euros, poderão ser transferidos para o próximo QCA e o mesmo sucedendo em Leiria (9,9 milhões de euros), Guarda (5,5 milhões de euros) e Gondomar (6,8 milhões de euros).
(...)
Em tempo recorde-se o que todos já sabiam: ao longo dos anos, os diferentes programas Polis sempre tiveram problemas financeiros, ameaças de cortes, sucessivas reprogramações. Os autarcas sabiam das alterações, mas andavam a tapar o sol com uma peneira. Estavam calados. As autárquicas falam mais alto. Desta vez, Menezes ergueu a voz e ganhou.
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Ainda as cassetes
por Artur Costa, juiz conselheiro, no JN de hoje:
O que acho surpreendente em todo este imbróglio das "cassetes roubadas" é a forma como certos comentadores têm tratado os acontecimentos. Em primeiro lugar, tem-se passado uma esponja (não foi o caso de Vital Moreira, de José António Lima e de alguns mais) sobre a violação de regras deontológicas que tocam a essência do jornalismo. Para esses comentadores, este aspecto da questão pura e simplesmente não existe, o que denuncia, logo à partida, o ponto de vista tendencioso em que se colocam. Em segundo lugar, essa tendenciosa posição, levada ao extremo, vem a desembocar numa montagem dos acontecimentos que é no mínimo chocante pelo seu carácter abominável: pessoas altamente colocadas nas instituições judiciárias, como o procurador-geral da República, queriam fazer passar determinadas informações com intuitos manipulatórios. Para tal, serviam-se de assessores de Imprensa e de jornalistas, como instrumentos veiculadores dessas maldosas intenções. E vão ao ponto (esses comentadores) de passar um atestado de inimputabilidade a tais jornalistas, considerando-os uns papalvos (ou uns anjinhos) ao serviço de desígnios que os ultrapassavam. Bonita concepção de jornalismo, ao mesmo tempo tocada de angelismo e de ingenuidade. Em terceiro lugar, é de registar o conceito elástico de violação de segredo de Justiça, umas vezes esticado e outras encurtado até ao limite. Pelos vistos, toda a informação que vem dos meios judiciais (em sentido amplo) é violação do segredo de Justiça, independentemente de se saber se a informação teve origem num rumor, num boato, numa conversa ouvida à mesa do café, entre colegas, ou escutada num corredor, ou se proveio de fonte caracterizadamente processual.
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A admirável globalização e o Olimpo dos excluídos
É, também, uma nova forma de permuta e oportunidade de materializar projectos de pessoas. Se o fenómeno de imigração ilegal do Sul (pobre e excluído) para o Norte (rico e integrado) embaraça os poderes constituídos, é bem certo que um acontecimento como o da conquista do 2.º lugar na prova de 100 metros dos Jogos Olímpicos por Francis Obikwelu é um bálsamo para consciências comprometidas.
Qual seria o destino previsível, em Portugal, de um jovem negro nigeriano, só, isolado e que quase não falava português (mesmo que esse jovem tivesse já um excepcional currículo como atleta)?
O destino que esse mesmo jovem experimentou: trabalhar na construção civil.
Quis o destino que uma boa alma (professora inglesa do Algarve) tivesse atentado nas aparentes capacidades do jovem e o tivesse encaminhado para um clube secundário (Belenenses), onde o aceitaram para praticar atletismo.
Uma vez aí, perante o infortúnio da solidão, mais uma vez, o destino levou esse jovem a «adoptar» uma família portuguesa que o apoiou, até entrar para um clube mais promissor com outros pergaminhos (Sporting).
Há cerca de dois anos, perante o ar incrédulo (mesmo escandalizado) da jornalista que lhe fez a pergunta, o jovem afirmou que tinha um objectivo: ganhar uma medalha nos Jogos Olímpicos de 2004.
No domingo passado (22/08/04) o jovem concretizou esse objectivo: ganhou a medalha de prata numa das provas rainhas das Olimpíadas (pelo caminho, acumulou os records nacional e europeu): o segundo lugar nos 100 metros, ombreando com as super-estrelas do firmamento das potências desportivas.
Esta história revela o poder da determinação de alguém que teve de abandonar o seu país para procurar cumprir o seu desígnio no Norte. Acidentalmente, em Portugal.
Para culminar, a candura da dedicatória dos louros (num português encontrado a custo, para outro sector de excluídos): os deficientes.
Obikwelu é bem o exemplo do que pode fazer uma determinação exigente e bem orientada.
Conjugando a identificação do talento por uma inglesa, a afectividade da família portuguesa e a orientação técnica de uma treinadora espanhola, Obikwelu triunfou.
Deixou-nos mais contentes. Deixou-nos mais felizes, por ele, e pelo que ele representa, afinal. O (merecido) Olimpo dos excluídos.
Para ele, o nosso reconhecimento, lembrando uns versos de Manu Chao
Solo voy com mi pena
Mangadalpaca©
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25 agosto 2004
"A quem interessa um Ministério Público que não incomode?"
Crónica de uma silly season (que ameaça eternizar-se).
A delirante espiral em que se converteu o «pedido (exigência, para alguns) da cabeça» do Procurador-Geral da República está, obviamente, em estreita conexão com a agenda do Processo Casa Pia (com julgamento marcado para breve e a iminente decisão sobre a situação processual de Paulo Pedroso).
Aparentemente sob o pretexto da divulgação do teor de conversas gravadas em que se surpreenderam, entre outros, o inenarrável Adelino Salvado (a confirmar tudo o que se temia a seu respeito) até à assessora da PGR, Sara Pina (que, afinal, não transpõe, a ajuizar pelos excertos publicados, o limite do segredo de justiça; que pena, para alguns, não ter sido o próprio PGR!!!).
Desde as delirantes e soezes opiniões de Luís Delgado (é inconcebível como este indivíduo tem um cargo numa empresa pública, paga por todos nós) até à final e completa futebolização do caso, pelo inefável José M. Meirim que, durante um quarto de século (segundo ele próprio, como é possível? Também foi avençado a recibo verde?) foi assessor na PGR, constata-se que o desespero é patente.
Desde a opinião expressa de conselheiros de Estado (João Cravinho, Mário Soares) até aos habituais escribas da praça (M. Sousa Tavares, A. J. Teixeira, José M. Fernandes, Vital Moreira, inter alia), ao aliciamento de órgãos da comunicação social, parece que todo o mundo se uniu para tramar o PGR.
Com efeito, vale tudo para que certos acusados no referido processo não possam vir a ser julgados.
A tudo tem resistido o PGR, Souto Moura. E ainda bem.
Com um único objectivo, estamos em crer: servir a Justiça. E, nesse contexto, assegurar que prevaleça o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a Lei.
Decerto que Souto Moura não se mantém no cargo por vaidade ou por interesses pessoais. Estou persuadido que qualquer pessoa medianamente consciente dos riscos e que tal acarretava, aos primeiros sinais do que se adivinhava vir a poder ser o Processo Casa Pia, desertaria do cargo, se pudesse.
E, perante o clamor do que tem sido a (bem) orquestrada campanha (com um sabor requentado, diga-se) que visa descredibilizar a investigação e estilhaçar o processo, o PR e o PM entenderam, contra a main stream dos opinion makers da paróquia – acertadamente, neste caso – manter a confiança na pessoa que desempenha o cargo de PGR.
Convém, agora, apreciar o que tem sido o desvario completo dos «senadores» do regime.
É patético ver os artífices do actual sistema político-judiciário virem a público
insinuar que a pessoa que ocupa o cargo de PGR «está fragilizado» (Almeida Santos), «não tem condições para nele se manter» ou que «já não tem a confiança do país» (Mário Soares).
Esta gente edificou um modelo que, agora, renega pelo simples facto de o PGR fazer o que lhe está constitucionalmente cometido: assegurar que prevaleça o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a Lei.
Se é certo que o escrutínio do desempenho dos cargos públicos, nomeadamente dos que exercem poderes de soberania (de aplicação da Justiça), é um princípio salutar em qualquer Estado de Direito, a verdade é que não foi apresentada uma única razão válida para questionar a continuidade do PGR no cargo.
Louve-se, portanto, a sua atitude, ao dizer que «não se demite porque não se arrepende de nada que tenha feito» ou que «não pôs o cargo à disposição porque ele está sempre à disposição».
Parece ser o único a interpretar bem os seus poderes e competências.
Pode ser que a PGR e o próprio Ministério Público careçam de aperfeiçoamentos e de outra organização. Não é, porém, esta a melhor forma de os encontrar.
Mais do que nunca, importa fazer a pergunta: a quem interessa um Ministério Público que não incomode?
Mangadalpaca©
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Promoções do dia
Do post de hoje, A mulher de César, da autoria do incontornável lojista José:
Segundo estas indicações Do Portugal Profundo, o desembargador em causa, terá fortes ligações ao Partido Socialista. Sendo verdadeiras aquelas indicações no sentido de o desembargador em causa ter desempenhado cargo importante numa Fundação ligada a um governo socialista e tendo familiares directos ( a própria mulher!) a desempenhar funções importantes na estrutura partidária do PS de Portimão, impõe-se, a meu ver, ponderar o seguinte:
A decisão que lhe foi apresentada para relatar , tem a ver com a posição de um arguido que é um elemento importante de um partido político- precisamente o PS. Ninguém ignora o que os elementos notáveis deste partido, importante para a democracia portuguesa, têm publicamente assumido em relação à eventual responsabilidade criminal do arguido que é deputado e membro importante da direcção do mesmo partido.
Ninguém, em boa fé, pode achar que alguém , desse modo ligado a tal partido político, possa decidir tal matéria, com plena isenção, independência e imparcialidade.
Mesmo que objectiva e abstractamente tal se pudesse defender, não é sensato admitir que tais circunstâncias pessoais, inerentes àquele desembargador e a serem verdadeiros os factos noticiados no jornal e no blog apontados, sejam irrelevantes para o caso.
Comentário por Alberto Pinto Nogueira:
Custa-me muito aceitar o "post". Não estaremos a construir um mundo em que todos desconfiamos de todos? Não colocaria em dúvidas a imparcialidade de um juiz porque é membro de um partido interessado num processo. A ser assim, teremos de "escolher" os magistrados caso a caso, conforme sejam ou não adeptos desta ou daquela organização partidária.
Comentário de Gomez:
(...) não é a simples simpatia partidária que parece estar em causa neste post.
Que diabo, os magistrados podem e devem ter convicções políticas/partidárias, não são cidadãos de segunda. De preferência até convicções assumidas para que eventuais conflitos de interesses sejam transparentes. A sua formação e o seu rigor ético permitir-lhes-ão, em regra, não se deixar influenciar por preferências partidárias, religiosas, ou outras. E isso é patente na pratica diária das magistraturas. Aliás, mesmo que as preferências do magistrado acabem por influenciar a decisão, não é líquido que a influência se exerça no sentido mais favorável às ditas. Os pruridos éticos do decisor podem até levá-lo, inconscientemente, a prejudicar injustificadamente os interesses que lhe são queridos, na busca da imparcialidade.
Uma eventual suspeição terá sempre de ter motivos especialmente ponderosos e de ser aferida casuísticamente.
No caso vertente estamos perante um processo que foi exponencialmente politizado / partidarizado. Envolve um dirigente de primeira linha de um partido de poder. Desde o início que o processo foi considerado uma "cabala" contra o partido e contra a direcção partidária de que um dos arguidos fazia parte. Todas as figuras públicas do partido alimentaram a politização do processo. A própria AR serviu de palco a manifestações de desagravo... Num processo com estes contornos convirá que os decisores não incorram objectivamente em suspeita de especial simpatia ou antipatia, política e partidária, com os interesses, inevitavelmente também partidários, em presença. As ligações políticas do relator referidas no post, a serem confirmadas, ultrapassariam claramente a simples simpatia (ou militância que fosse...) por um determinado partido. Parece ser mais do que isso. Indicia-se forte envolvimento pessoal em actividades ligadas ao partido em causa ao mais alto nível, designadamente a uma iniciativa, emblemática e polémica, gizada no núcleo restrito de um ex-membro de um Governo desse partido. Ao nível familiar (cônjuge), caso os factos relatados se confirmem, aparece igualmente indiciado um forte envolvimento na vida e na estrutura dirigente do mesmo partido, a um nível de responsabilidade significativo. Num processo com estes contornos e com este melindre, estas circunstâncias não podem ser equiparadas a uma mera simpatia partidária. E o raciocínio seria igualmente aplicável a um magistrado que tivesse um envolvimento semelhante num partido com interesses conflituantes com o do arguido em causa, que fique claro.
As suspeições, impedimentos e outras "inibições" estão previstas na lei, porque estas situações existem e é consensual que a Justiça não pode estar sujeita a dúvidas quanto à imparcialidade objectiva ou subjectiva dos julgadores. Seja a eventual parcialidade favorável ou desfavorável aos interesses que geram a dúvida (o que neste caso até nem se sabe, pois de desconhece o projecto de decisão).
Felizmente estes casos são a excepção e não a regra. Mas o futuro dá que pensar. Se os poderosos continuarem a ser escrutinados pela Justiça em igualdade com os demais cidadãos (como se deseja) e a crescente promiscuidade de alguma magistratura com alguns poderes não fôr atalhada pelos respectivos Estatutos e Conselhos Superiores, qualquer dia será difícil assegurar a imparcialidade dos magistrados e a credibilidade da Justiça, neste tipo de casos. Um dos principais e mais complexos debates sobre a reforma da Justiça portuguesa também passa por aqui.
Ainda de Gomez, comentário a post de ontem - As rãs que pediam um rei - também do venerável José
Souto Moura poderá não corresponder ao perfil "ideal" de um PGR para os tempos que vivemos (existirá um tal semi-Deus?). Porém, a sua idoneidade, seriedade e imunidade às pressões políticas e outras, são qualidades raras e absolutamente imprescindíveis ao exercício do cargo, muito particularmente num momento em que os poderes fácticos cavalgam o Estado dito de Direito e em que o lodaçal da morte da ética alastra, não poupando sequer as magistraturas.
Neste cenário, as insuficiências e inabilidades que agora se apontam ao actual PGR, serão claramente males menores, que podem até eventualmente ser supridos e que não põem em causa o cabal exercício das suas funções - como até aqui não puseram.
Pedir o seu afastamento, neste momento e pelos fundamentos que se alegam, serve apenas e só - objectivamente - a estratégia dos que querem desestabilizar e enfraquecer a PGR - cuja actual isenção preocupa muita gente... - ou dos que querem empossar um novo PGR, mais "político" e permeável à conciliação com os interesses que nos querem continuar a governar.
Se, pelo tipo de "gaffes" ou insuficiências que agora se imputam a Souto Moura, devessem rolar as cabeças dos mais altos responsáveis da res publica, nenhum dos actuais estaria em funções, a começar por Sua Exa. o PR...
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Os cães
"Quem está a apreciar o recurso de não-pronúncia do socialista Paulo Pedroso no processo da Casa Pia é o desembargador Mário Manuel Varges Gomes, juiz de turno, no Tribunal da Relação de Lisboa, onde pertence à 3.ª Secção. Se este juiz não der razão ao recurso da decisão da juíza Ana Teixeira e Silva de não pronunciar Paulo Pedroso, este nem sequer irá a julgamento.
O desembargador Varges Gomes foi membro-fundador e presidente do conselho fiscal da FPS - Fundação para a Prevenção e Segurança, desde a sua constituição em 1999 até à sua extinção em 2001, criada pelo secretário de Estado, e depois Ministro da Administração Interna, Armando Vara. Esta Fundação PS foi objecto, em Junho de 2001 de um relatório de auditoria do Tribunal de Contas, de um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República em Janeiro de 2001 e, ainda, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia da República (na qual foi ouvida a Inspecção-Geral da Administração Interna em Maio de 2001)." (post de 24/8)
Aditamento, 14h53: O juiz desembargador Mário Manuel Varges Gomes é casado com a vice-presidente socialista da Câmara Municipal de Portimão, Isilda Maria Gomes, que é também presidente da Comissão Política Concelhia do PS/Portimão e apoiante de José Sócrates.
Rectificação de 27/8: "Armando Vara não foi ministro da Administração Interna, mas da Juventude e Desporto. Mas, como tinha dito, foi enquanto secretário de Estado da Administração Interna que criou a Fundação PS."
Lembrei-me do comentário do José, em post na GLQL (sublinhado meu):
(...) "A segurança jurídica e a sua previsibilidade, como valores importantes das leis, para que não se esteja sempre em dúvida quanto ao desfecho dos litígios, em Portugal, é cada vez mais uma miragem. À medida que se consolida o sentimento comum de que a cada cabeça corresponde uma sentença, o que é da sabedoria popular aplicada a .
A coisa fica pior se as sentenças vem sarapintadas de ideologia, mesmo daquela rasteira e que se cola às preferências político-partidárias.
Este sentimento cada vez assume maior importância na minha hermenêutica particular. Explicando: a cada decisão polémica, actualmente, tendo a perguntar quem a proferiu; de onde veio e para onde quer ir.
Não gosto disto." (...)
Lembrei-me ainda dos tempos em que o atraente Comissário Cattani, et pour cause, o sinistro Polvo, me faziam antecipar o gosto de um serão televisivo, saboreado com a leveza de quem pensa descortinar o mundo tenebroso das forças ocultas do poder que actuam por aí, algures, mas não muito no nosso pacato jardinzinho atlântico e nada mesmo nas nossas casas da justiça, feitas à medida dos portugueses - pobrezinhos mas honrados.
Seria já uma ilusão? Ou sê-lo-á agora que o poder passou a ser visita assídua das casas da justiça?
Souto Moura, por muitas gafes comunicacionais e falta de jeito para a liderança interna que eventualmente tenha demonstrado, tem protagonizado a garantia de que não chegou ainda o tempo de derrubar todas as ilusões. Não será tudo o que se deverá esperar de um PGR mas, nestes momentos em que se agitam tão poderosas forças tentaculares, é o mais importante. Disparar agora contra Souto Moura por "falta de jeito" não é mais do que fazer coro com os que o querem derrubar por bem diversas razões, nenhuma das quais reforçar a liderança e organização interna do MP com vista a um melhor exercício das suas funções na direcção da investigação criminal, em especial na de certos interesses "centrais", que vêm minando a nossa sociedade e a sua capacidade de progresso democrático.
Lembrei-me, também, do pequeno azulejo desde sempre pendurado num anexo da casa de meus pais, que há bem poucos dias me voltava a atrair o olhar, pela ininterrupta presença, pelo kitsh e pela mensagem: "Os cães ladram mas a caravana passa". Oxalá.
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The Dance of Life
Edvard Munch (1863-1944)
The Dance of Life, 1900
Oil on canvas
125.5 x 190.5 cm
Postado por Anónimo 3 comentários
Marcadores: L.C.
24 agosto 2004
Até Quando Souto Moura?
É o título da crónica de JOSÉ MANUEL MEIRIM no Público de hoje:
1. O Conselheiro Souto Moura encontra-se em férias. A sua assessora de imprensa (a "jornalista" no dizer subliminar do procurador-geral da República) apresentou a sua demissão. E pronto.
Assegure-se o leitor de que não tive a oportunidade de ter conhecimento, mesmo que parcial, do conteúdo das cassetes.
Assegure-se ainda que sempre fui contrário à existência de assessor de imprensa - à semelhança dos gabinetes ministeriais e de outros órgãos e entidades públicas - no órgão superior do Ministério Público, a Procuradoria-Geral da República (PGR).
A sua existência suporta-se na peregrina tese de que, no contacto com a imprensa, determinadas situações havia em que, não sendo possível a um magistrado pronunciar-se, o mesmo não aconteceria com um assessor de imprensa.
2. Para quem, como eu, trabalhou na PGR durante um quarto de século, é muito triste constatar a progressiva deterioração dessa casa e, por via disso, consequentemente, do Ministério Público, não obstante - estou certo disso - o esforço de muitos funcionários e magistrados.
A Procuradoria-Geral da República é hoje em dia - todos o dizem em voz baixa e todos o sabem - uma casa sem alma. O Ministério Público, por seu turno, está - todos o dizem em surdina e também todos o sabem - há muito tempo órfão de liderança.
Prova cabal do que se afirma é que, ao contrário do que sempre sucedeu no passado em momentos graves da vida do Ministério Público, nenhuma acção de solidariedade e de apoio ao procurador-geral da República (encontro, almoço, jantar ou algo de semelhante), nem uma única voz - em comunicado, artigo de opinião, etc. - proveniente do Ministério Público se fez ouvir aquando das notícias acerca da possibilidade da sua exoneração. Pelo Ministério Público ecoa um silêncio ensurdecedor, misto de expectativa e de esperança.
O "episódio" das cassetes não é mais do que um pormenor - grave é certo -, um indicador a juntar a tantos outros que, infelizmente para todos nós, se têm sucedido a um ritmo bem acelerado, durante o mandato do actual procurador-geral. Não está em causa - e disso não curamos - a capacidade intelectual, a honestidade e honra do Conselheiro Souto Moura. O que se encontra em crise é que não tem - nunca teve - perfil para liderar uma instituição e uma magistratura com tão importantes incumbências constitucionais e legais. O procurador-geral da República tem que possuir, desde logo, capacidades de liderança acima da média. Ora tal, como é patente, não se vê no Conselheiro Souto Moura.
3. Temos para nós como bem provável que o Presidente da República, bem pondera - de tempos a tempos, quando sucedem as gafes e tudo o resto - a exoneração do procurador-geral. Só que esse acto representaria, em certa medida, a confissão de um erro próprio, sempre difícil de assumir, e seria além do mais um acto inédito na democracia portuguesa. O Presidente trata a doença com paracetamol e anti-inflamatórios, quando o paciente necessita urgentemente de uma intervenção cirúrgica. Agora, para de novo nada se resolver, adiantam-se argumentos de duvidosa relevância e claramente reversíveis.
O procurador-geral da República deve permanecer em funções por razões ligadas ao normal (?) desenvolvimento do "processo Casa Pia", pelas alterações a introduzir - mediante um pacto de regime ? - na legislação penal e processual penal. A Justiça, adita-se, ficaria decapitada.
Como qualquer treinador de futebol não hesitaria em subscrever, é "preciso evitar a desestabilização da equipa".
A meu ver, e julgo não ser difícil que muitos me acompanhem - nem que seja em voz baixa -, a Justiça já não tem cara há muito tempo e bem está por apurar - tendo em conta a praxis até ao momento - o "peso" que terá o actual procurador-geral no futuro andamento do "processo Casa Pia" e nas reformas legislativas que mais uma vez se anunciam como "salvadoras do estado da Justiça". Bem pelo contrário, entendo que o Presidente da República deveria - não fossem as suas próprias razões de consciência (a que não é alheio o ex-ministro da Justiça António Costa) - exonerar o actual procurador-geral, procurando assim dotar a PGR e o Ministério Público de uma liderança forte que pudesse oferecer um capital de esperança para o bom andamento do "processo Casa Pia" e para tudo aquilo que constitui a actividade do Ministério Público.
4. Se o Presidente da República não pode ou não quer assumir o erro da nomeação do Conselheiro Souto Moura para funções para as quais não tem o perfil adequado, poderíamos (ingenuamente, é verdade) esperar que o procurador-geral da República renunciasse voluntariamente ao cargo.
Mas, aqui chegados, surge o argumento de sempre: renunciarei se tiver algo que me pese na consciência (versão actualizada da história do professor que pedia aos seus assistentes para que, quando o achassem velho ou louco, lho dissessem, para ele se afastar).
Há todavia um erro de petição nesta maneira de pensar. Não é a consciência de Souto Moura, que ele próprio ajuíza, que deve ser a medida exclusiva do seu agir. Estando em causa a Justiça e o Estado de direito democrático, é sim a consciência de todos nós que, dia após dia, se sente bem preenchida de legítimas preocupações.
5. Uma última palavra já que, é quase certo, o Conselheiro Souto Moura nos acompanhará até ao final do seu mandato, isto é, Outubro de 2006. Nessa altura, caso não ocorra outro erro de casting, o novo procurador-geral da República terá um desafio ímpar: reconstruir, a partir dos destroços, a Procuradoria-Geral da República e o Ministério Público.
PS: A assessora de imprensa do Conselheiro Souto Moura (agora "a jornalista") já se encontrava em funções, segundo o procurador-geral da República, aquando da sua posse. Quatro anos de trabalho estreito volvidos e o capote do Conselheiro Souto Moura surge, agora, numa postura nada nobre, sem pinga de chuva...
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Contra a corrente
É o título do post de Alberto Pinto Nogueira, de ontem, na GLQL:
Os que perdem tempo a ler os rabiscos que deixo neste sítio sabem que sou contra a corrente. Do contra. Do não. Do avesso. Do paradoxo. Do "nacionalismo" acultural.
Estou particularmente descontraído sobre o tema abaixo. Quem duvidar que leia o JN de 8 de Junho.
Sendo do contra, do tal avesso, fico com a ideia, que é errada, de que, no fervilhar dos acontecimentos, no rebuliço, há perigo desastroso das "análises" frenéticas, sobre a hora, de um qualquer acontecimento de relevo..
Esse é o tempo dos jornais, da TV. É essa a sua função, a sua razão de ser, a sua forma de sobrevivência.
O mercado o exige.
Mas também lhe é exigido, ainda pelo mercado, que tenha rigor, que nos mereça confiança, pois que, afinal, sem nós a Comunicação Social serve para nada.
Quer dizer que também está ao nosso serviço, do interesse público e não só do que lhe vem imposto pelas regras da oferta e procura, se não outras mais recônditas.
Os leitores e ouvintes têm o direito de ser informados com rigor, com a objectividade possível. "Possível" porque, por maior que seja o esforço, na melhor análise, na mais independente narração de um facto é inquestionável e humano que se transmita algo de subjectivismo..
Os destinatários da CS têm de saber o que agrada e não agrada às instituições, o "lixo" não pode ficar debaixo da cama: para que haja denúncia séria e ponderada, para que as instituições melhorem ou se transformem.
É assim em democracia.
Informar com rigor e confiança também tem a ver com o modo como se obtém a informação a que correspondem os "factos" transmitidos.
A um profissional de jornalismo que se preze, que se respeite e respeite o público não se deve admitir, em qualquer circunstância, que "informe" o que recolheu por meios ilícitos ou delituosos. Tratar-se-ia de puro maquiavelismo. Coisa ignóbil.
Cheguei ora onde quis.
O monarca do império, os cônsules da nação, os senadores da República gritam, exuberantemente, e algo hipocritamente, pela demissão do procurador-geral da República..
Numa só palavra: tem a confiança do presidente e do primeiro ministro, mas não a do Povo.
Quem disse aos senhores da monarquia, do império e da república que era assim? Consultaram o Povo legitimamente? Ou a sua voz é a do Povo, por estranho processo de consulta eleitoral, onde um homem é um voto? Já não respeitam o voto, já não respeitam a democracia representativa, o presidente e o primeiro ministro já não o são? O procurador-geral da República não é proposto por um e nomeado por outro? Já não vigora o estado de direito?
Qualquer monarca, qualquer cônsul, qualquer senador com sua opinião não tem mais peso do que a de um qualquer desempregado deste triste rectângulo onde vivemos.
Desde quando é que o director nacional da Polícia Judiciária é da responsabilidade do PGR?
Li, reli e voltei a ler as hipotéticas declarações da assessora do PGR.
Deduzi que "aquilo" não tem nada. E deduzi que muitos dos que falam ora contra o PGR o fazem por saberem que as "suas cassetes" não foram e não serão publicadas.
Mas deduzi sobremodo que, por razões que capto, o crime, nesta terra de Santa Maria, compensa. E certo jornalismo ignóbil também.
Só um ingénuo ou homem de má fé, a acrescer a tudo, vai crer no chamado "roubo". Qual roubo? Comércio, isso sim. As contas bancárias devem constituir, por si, uma só e eloquente prova do "roubo".....
Só por aquilo, nunca teria aceite a demissão ou demitido a assessora em causa.O PGR terá razões que ignoro.
E, como é óbvio, jamais me demitiria, com ou sem apoio de quem manda.
Não se abandonam certos lugares de alta responsabilidade dando a sensação de que se receia a voz e maledicência de certos abutres.
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A(os) postos
O grupo, que na sua maioria apoia José Sócrates, reúne em Fátima a 5 de Setembro para «aprovar uma moção ao congresso sobre de-senvolvimento regional e descentralização». Deve criar ainda uma página na Internet com trabalhos sobre o País (saúde, justiça)."
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Portugal - medalha de lata em poder de compra
O relatório do organismo responsável pelas estatísticas comunitárias indica que o poder de compra dos portugueses passou de 73 por cento da média europeia em 1995 para 75 por cento em 2003.
Em Espanha, o poder de compra passou, no mesmo período, de 87 para 95 por cento e na Grécia, outro país com um grau de desenvolvimento económico idêntico ao português, subiu de 72 para 80 por cento da média europeia.
Contudo, o melhor aluno de Bruxelas foi a Irlanda, que nos últimos dez anos viu o seu poder de compra passar de 99 por cento da média europeia para 131 por cento.
O estudo do departamento de estatística da UE utiliza o PIB (Produto Interno Bruto) em Paridades de Poder de Compra (PPP), uma unidade que permite comparar a capacidade de compra dos cidadãos dos diferentes países apesar das diferenças de preços entre eles.
In Público on line
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Portugal - medalha de prata em incumprimento
Em termos percentuais, falta cumprir qualquer coisa como 95% das directivas totais.
O resultado é divulgado num relatório publicado, este mês, pela Comunidade Europeia, que coloca a Bélgica no topo da tabela dos incumpridores dos prazos de aplicação das directivas.
A contabilidade é,obviamente, feita ainda a "quinze".
Na área em que Portugal é mais faltoso é em matéria de Saúde e Protecção dos Consumidores (ocupando o primeiro lugar), onde em 960 directivas existem 938 por aplicar.
Já na área da Competitividade, regista um resultado menos negativo, ao ter conseguido aplicar 42% das medidas.
No que diz respeito à Energia e Transportes, em 207 directivas, Portugal não cumpriu 192, enquanto em termos de Mercado Interno, das 223 não implementou 218.
Em Informação e Sociedade, Educação e Cultura e Justiça e Assuntos Internos, registou os piores resultados, ao não aplicar qualquer das directivas.
Analisando o número de notificações recebidas por atrasos na aplicação da legislação europeia , Portugal situa-se no nono lugar, e já foi notificado da quase totalidade das medidas por aplicar. Neste capítulo, a vizinha Espanha ocupa o primeiro lugar.
No área do Ambiente, entre os países que mais notificações receberam de Bruxelas estão os nórdicos, entre os quais a Finlândia, a Dinamarca e a Suécia, o que não deixa de ser estranho, pois trata-se de nações habitualmente apontadas como exemplos no que à política ambiental diz respeito.
Curiosamente, neste aspecto, têm mais directivas por cumprir do que Portugal. Em termos de Ambiente, o país com mais advertências é novamente a Espanha.
Ainda relativamente às advertências, a União Europeia já emitiu o total das notificações apenas no que concerne a Educação e Cultura, mas aqui é preciso ter em linha de conta que existem apenas três directivas por cumprir.
O país que reúne os melhores resultados é a Suécia, ainda assim com um valor extremamente baixo: cumpriu apenas 7% do total das directivas."
In JN
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23 agosto 2004
Como se faz um monstro
I
Ele era nesse tempo uma criança loira
Vivendo na abundância agreste da lavoira,
Ao vento, à chuva, ao sol, pastoreando os gados,
Deitando-se ao luar nas pedras dos eirados,
Atravessando à noite os solitários montes,
Dormindo a boa sesta ao pé das claras fontes,
Trepando aos pinheirais, às fragas, aos barrancos,
No rijo e negro pão cravando os dentes brancos,
Radioso como a aurora e bom como a alegria.
Quando no azul do céu cantava a cotovia,
Aos primeiros clarões vibrantes da alvorada
Transportava ao casebre o leite da manada,
Acordando, a assobiar e a rir pelos caminhos,
Os lebréus nos portais e as aves nos seus ninhos.
E à tarde quando o Sol, extraordinário Rubens,
Na fantasmagoria esplêndida das nuvens,
Colorista febril, lança, desfaz, derrama
O topázio, o rubi, a prata, o oiro, a chama,
Ele ia então sozinho, alegre, intemerato,
Conduzindo a beber ao trémulo regato,
A golpes de verdasca e gritos estridentes,
Num ruidoso tropel os grandes bois pacientes.
O seu olhar azul de limpidez virtuosa,
Onde brilhava a audácia heróica e valorosa,
A candura infantil e a inteligência rara,
O timbre da sua voz imperiosa e clara,
A linha do seu corpo altivamente recta,
Tudo lhe dava o ar soberbo dum atleta
Em miniatura.
II
Um dia o pai, um bravo aldeão,
Chamou-o ao pé de si, e disse-lhe:«João:
À força de trabalho e à força de canseiras,
A moirejar no monte e a levar gado às feiras,
Consegui ajuntar ao canto do baú
Alguns pintos. Vocês são dois rapazes; tu,
Além de ser mais novo, és mais inteligente.
Vou botar-te ao latim; quero fazer-te gente.
Hás-de me dar ainda um grande pregador.
Hoje padre é melhor talvez que ser doutor.
Aquilo é grande vida; é vida regalada.
Olha, sabes que mais? manda ao diabo a enxada.
Aquilo é que é vidinha! aquilo é que é descanso!
Arrecada-se a côngrua, engrola-se o ripanço,
Arranja-se um sermão aí com quatro tretas,
Vai-se escorropichando o vinho das galhetas,
E a missa seis vinténs e doze os baptizados.
Depois, independente e sem nenhuns cuidados!
Olha, João, vê tu o nosso padre-cura:
É, sem tirar nem pôr, uma cavalgadura,
Vi-o chegar aqui mais roto que os ciganos;
Pois tem feito um casão em meia dúzia d'anos.
Isto é desenganar; padres sabem-na toda...
É o sermão, é a missa, é o enterro, é a boda.
É pinga da melhor, e tudo quanto há!
Quando o abade morrer hás-de vir tu p'ra cá.
Despacha-te o doutor nas cortes; quando não
Votamos contra ele, e foi-se-lhe a eleição.
Mas que é isso, rapaz? Nada de choradeira!
É tratar da merenda, e quinta ou sexta-feira
Toca pró seminário. Eu quero ir para a cova
Só depois de te ouvir cantar a missa nova».
III
Numa tarde d'Outono, a sonolento trote
Um macho conduzia em cima do albardão,
Já coluna da Igreja, o novo sacerdote,
O muitíssimo ilustre e digno padre João.
Ao entrarem na aldeia os dois irracionais,
Dos foguetes ao grande e jubiloso estrépito
Um velho recebeu nos braços paternais,
Em vez do alegre filho, um monstro já decrépito
Que acabava de vir das jaulas clericais.
Que transfiguração! Que radical mudança!
Em lugar da inocente, angélica criança,
Voltava um chimpanzé, estúpido e bisonho,
Com o ar de quem anda alucinadamente
Preso nas espirais diabólicas dum sonho.
Seu corpo juvenil, robusto e florescente,
Vergava para o chão, exausto de cansaço:
Os dogmas são de bronze, e a lã duma batina
Já vai pesando mais que as armaduras d'aço.
A ignorância profunda, a estupidez suína,
A luxúria d'igreja, ardente, clandestina,
O remorso, o terror, o fanatismo inquieto,
Tudo isto perpassava em turbilhão confuso
Na atonia cruel daquele hediondo aspecto,
Na morna fixidez daquele olhar obtuso.
Metida nas prisões escuras de Loiola,
A sua alma infantil, não tendo luz nem ar,
Foi como os rouxinóis, que dentro da gaiola
Perdem toda a alegria e morrem sem cantar.
IV
Como ninguém ignora, os sórdidos palhaços
Compram, roubam às mães as loiras criancinhas,
Torcem-lhes o pescoço, as mãos, os pés, os braços,
Transformam-lhes num junco elástico as espinhas,
E exibem-nas depois nos palcos das barracas,
Dando saltos mortais e devorando facas
Ante o espanto imbecil da ingénua multidão;
E para lhes cobrir a lividez plangente
Costumam-lhes pintar carnavalescamente
Na face de alvaiade, um rir de vermelhão.
Também o jesuitismo hipócrita-romano,
Palhaço clerical, anda pelos caminhos
A comprar, a furtar, assim como um cigano,
As crianças às mães, os rouxinóis aos ninhos.
Vão levá-las depois ao negro seminário,
Às terríveis galés, ao sacro matadoiro,
E escondem-nas da luz, assim como o usurário
Esconde também dela os seus punhados d'oiro.
Dentro da estupidez e da superstição,
Casamata da fé, guardam-lhes a razão,
A análise, esse forte e venenoso fluido,
Que, andando em liberdade, ao mínimo descuido
Poderia estoirar com trágica explosão.
O que o palhaço faz ao corpo da criança,
Fazem-lho à alma, até que dela reste enfim,
Em lugar do histrião que nas barracas dança,
O pobre missionário, o inútil manequim,
O histrião que nos prega a bem-aventurança
A murros de missal e a roncos de latim.
As almas infantis são brandas como a neve,
São pérolas de leite em urnas virginais:
Tudo quanto se grava e quanto ali se escreve,
Cristaliza em seguida e não se apaga mais.
Desta forma, consegue o astucioso clero
Transformar, de repente, uma criança loira
Num pássaro nocturno estúpido e sincero.
É abrir-lhe na cabeça a golpes de tesoira
A marca industrial do fabricante — um zero!
Guerra Junqueiro
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22 agosto 2004
Andrew Wyeth - Leaving (1993)
Andrew Wyeth
Leaving (1993)
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20 agosto 2004
Já?
Bem. Tão poucos dias depois da vinda, estou quase na hora do regresso e não me apetece. Mais não seja, porque acho que ainda tinha por cá algumas coisas para fazer e que não fiz. Devia ter vindo mais cedo ou ter preparado as coisas para poder ir mais tarde. E quando me lembro do tempo em que não estava nem saía, tanto tempo perdido sem nada. Enfim. Estamos sempre a aprender. Até já, companheiros...
(Ah. Ontem vi a Tia Cinha. Está gira, muito plástica, tá a ver...)
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Peter Pan
Peter Pan, o rapaz que não queria tornar-se grande, celebra este ano 100 anos de idade.
O hospital infantil Great Ormond Street, que dispõe dos direitos comerciais sobre a imortal obra de James Barrie, procura um novelista que escreva a segunda parte das aventuras do personagem que encantou milhões de crianças, mais ou menos crescidas.
Não há por aqui quem se queira candidatar?
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Integração de pessoas com deficiênciaO misterioso vai-vem da vontade política
A secretária nacional para a reabilitação e integração das pessoas com deficiência, Cristina Louro, em funções há um ano e meio, não nega que ainda há muito edifícios por adaptar. "Podia-se ter feito mais, talvez não tenha havido essa vontade. No entanto, houve um grande incremento na implementação do diploma o ano passado durante o Ano Europeu da Pessoa com Deficiência", realçou a responsável
Humberto Santos, presidente da APD, apenas subscreve a explicação: "A ausência de vontade política que caracterizou os vários governos só podia ter este resultado. Se algo foi feito, deve-se à sensibilidade e à consciência individual de alguns responsáveis e não devido a uma política concertada".
A falta de financiamento e as deficiência apresentadas pelo decreto-lei 123/97 também ajudam a explicar o falhanço da meta. "Nunca foram inscritas no Orçamento de Estado verbas para a adaptação dos edifícios, nem nunca foram planificadas acções", lamenta Humberto Santos.
Para os incumpridores estão previstas coimas, mas o seu baixo valor (entre 250 euros e 10 000 euros) é considerado pela APD um convite à violação. A ausência de um órgão fiscalizador também dificulta a aplicação das multas.
A Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) deveria ter ficado responsável pela fiscalização, mas uma alteração de última hora passou a atribuir a competência apenas "às entidades licenciadoras", ou seja, as câmaras municipais. No entanto, como os edifícios públicos estão isentos de licenciamento, não são abrangidos pela fiscalização.
É preciso aperfeiçoar a legislação e controlar a sua aplicação. Não faz muito sentido que as autarquias, que são os responsáveis pela aprovação dos projecto que muitas vezes violam esta lei, sejam as entidades fiscalizadoras", admite Cristina Louro. Por isso, mesmo está prevista uma revisão do diploma.
O PNPA é outra das apostas. "Vão ser calendarizadas iniciativas até 2006 abarcando não só às entidades públicas, mas também o sector dos transportes, o das comunicações e os privados", adianta a responsável. Um plano de acessibilidade às praias, a determinação de condições mínimas nas habitações, a criação de sinalética para os transportes são algumas das acções previstas. O plano ainda não está aprovado, mas Cristina Louro assegura que esse momento está para breve: "Ainda não há data, mas há uma grande vontade política deste governo para o aprovar".
Excertos de artigo do Público
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19 agosto 2004
Postalito do Sul
Esta madrugada choveu em Santa Eulália. Não é o melhor que se pede para um verão de férias algarvias, ainda por cima curtas. Fui compensado, pela excelente companhia, pela boa conversa até à alvorada, pelas gargalhadas abertas, pela beleza do sítio. E quando é assim, mesmo uma noite de verão com chuva acaba por fazer todo o sentido.
(do carteiro a banhos, sem sotaque do Porto)
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Silly season?
Grécia
(fotografia: Kamikaze)
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Náusea
«Correio da Manhã destrói originais de cassetes roubadas a jornalista. Decisão foi tomada a conselho do advogado da empresa e pode causar engulhos sérios à investigação. Procuradoria-Geral da República já tomou conhecimento da decisão do jornal e não gostou da medida.»
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A dúvida
(...) "soprar para os jornais" é um hábito das democracias.
À medida que os "sopros" se vão tornando mais insuportáveis, estamos diante de um vendaval de informações desencontradas e com origem incerta e despropositada, cujo único objectivo é o de salvar o "bloco central dos interesses". Isso já foi conseguido. O processo da Casa Pia é um pudim impressionante em que a opinião pública (e o celebrado "interesse público") está esmagada por todo o género, não só de informações contraditórias, mas também de convicções contraditórias.
Neste momento, a principal dúvida reside em saber se a Casa Pia existe mesmo.
A história das cassetes é, provavelmente, o golpe final. Bem podem os defensores do "interesse público" pedir a divulgação, na íntegra, do conteúdo das gravações; não o conseguirão. Os diálogos serão revelados a conta-gotas, parcialmente, omitindo personagens e fragmentos substanciais. O próprio boato que menciona a multiplicação das cópias é perfeitamente compreensível e essa estratégia (e a sua assinatura) é conhecida por qualquer leitor de romances policiais. Desde o início estava escrita a salvação desse "bloco central de interesses" - basta ler os resumos da Imprensa, desde Março do ano passado.
Em síntese: a questão, agora, é a do segredo de Justiça. O país inteiro, cheio de especialistas em processo penal, já esqueceu a Casa Pia.
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