A manhã nublada do domingo e suas ruas quietas. A casa descansa um descanso que não é meu. Azaléas caladas na varanda, um latido ao longe, a obra na rua parada ao meio. Tudo parece ainda no resto de sono matinal.
Olho detalhadamente as coisas - casa, rua, jardim, árvores, varanda, montanhas ao longe, cão perambulando - à procura do reconforto da visão pacífica de tudo. Sorrio da minha própria ingenuidade. Pacíficas as coisas, inquieta a pessoa. Não me movo, distendendo o entendimento da inevitabilidade dos fatos. Ainda assim sem paz. Ainda assim pergunto sempre.
Jazer ali, talvez, feito coisa, apenas um objeto impensante a mais na natureza passageira de tudo.
Ou feito gato que vai passando em passos lentos; esguio, todo atenção. Essa atenção esquiva, própria, enigmática, que não pergunta, mas tem propósitos. Jazer, nem um pensamento a atormentar-me com porquês.
Reunir-me à buganvília , toda silêncio e espinhos, a usufruir o sol.
E nem uma palavra.
Silvia Chueire
30 junho 2006
Manhã de domingo
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Cunha Rodrigues hoje no Porto
O Instituto da Conferência realiza hoje, pelas 21,30H, no Auditório do Museu Soares dos Reis, no Porto a conferência “As Novas Fonteiras do Direito” em que é Conferencista o Sr. Dr. José Narciso Cunha Rodrigues. (fonte: portal da OA)
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28 junho 2006
Au Bonheur des Dames nº 28
ou
El cumpleaños del señor Manolito
ou
Le baccio le manni Don Emmanellino
ou
o Senhor Manuelzinho faz anos
poiché tutti per fotter nati siamo”
Aretino, "Sonetti lussuriosi"
“cetera lascivis donavit poma puellis
mentula custodis luxuriosa dei.”
Marco Valerio Marcial, a Juvenal
acompanhando umas nozes pelas Saturnais
Mimosa e desprevenida leitora que percorres saltitante estas pobres páginas ao som das concertinas que animam as fogueiras dos Santos populares e te afogueias mais com os olhares atrevidos do rapazio do que com o calor do brasido, acaso, alguma vez, te perguntaste da razão de ser destas duas semanas quase ininterruptas de festa?
E se porventura o fizeste será que te responderam com a habitual balivérnia dos três santos, António, João e Pedro? E tu acreditaste que um sábio franciscano, Doutor da Igreja, um severo profeta que não cedeu ao lascivo apelo de Salomé e um pescador que de Shimon passou a Pedro, príncipe dos Apóstolos e primeira pedra da Igreja poderiam, mesmo juntos, criar à sua volta um frenesi tão carnal, tão mundano que transformasse os seus dias de culto numa longa rusga de enredos e suspiros, brandos queixumes à beira mar e à beira pecado, numa festa de corpos (por um único e irrepetível momento) em flor?
Ou disseram-te do solstício antiquíssimo, dos dias que se alongam perfumados e quentes, das noites que não conseguem, pesem embora as orvalhadas, adormecer os corpos e baixar a maré alta do coração? E tu, veias a latejar, riso a explodir do ventre até à boca, acreditaste?
Não? Pois fizeste bem que a história verdadeira desta súbita e doce convulsão que nos chega, pelos idos de Junho, com as últimas cerejas, é outra e diversa.
Tudo isto, este brando mas prolongado incêndio de aromas e olhos brilhantes, esta dúzia de "dias de vinho e rosas" vem de outras paragens mais próximas e terrenas embora, como o cometa de Halley, se venha repetindo desde os dias iniciais. Terá começado no dia em que o poderoso Zeus se converteu em fina chuva de ouro para cobrir Danae?
Ou nesse outro carregado de glória em que, pela manhã, a Sulamita levou o amado à vinha para ver "se florescem as vides se se abre a flor, se já brotam as romeiras?"
Ou, mais certamente, como narra nosso comum mestre Alcofibras, abstractor de quinta essência, em "La vie trés horrifique du grand Gargantua père de Pantagruel" quando, aos cinco anos feitos, ce petit paillard pelotait toujours ses gouvernantes, sens dessus dessous, sens devant derrière, hardi bourricot. Et il commençait déjà à essayer sa braguette E elas, descaradas, passavam o seu tempo a la faire revenir entre leur doigts comme un bâtonet d'emplâtre, et puis elles s'esclaffaient quand elle dressait les oreilles comme si le jeu leur avait plu ?
Estás confusa leitora paciente e gentil? Estás confusa mas demasiadamente curiosa para abandonares este dificultoso périplo pela ciência complexa do tempo e dos seus efeitos. Não consegues escolher, dentre as três oferecidas, a hipótese verdadeira como se todas, finalmente, fossem, como canta o poeta escamas de cristal (...da) cebolla, luminosa redoma...redonda rosa de agua/sobre/ la mesa/de las pobres gentes. Algo na descrição das travessuras do jovem gigante despertou em ti memórias antigas e pouco inocentes desse varão piedoso, pilar da instituição familiar, baluarte dos direitos civil, penal e canónico, exemplar chefe de família, pai extremoso e marido amantíssimo que, no século, é conhecido por Senhor Manuelzinho. E reforça-se essa tua íntima convicção ao saberes que o impoluto cavalheiro viu a duvidosa luz do dia num já longínquo dia 29 de Junho em que se festejam além de Pedro outros santos também muito úteis e milagreiros a saber S Marcelo (tinha que ser!...), mártir, S Ciro e S Cásio, bispos conforme reza o Calendário Zaragozano o el firmamento para toda España el calendario de mayor circulacion, dirigido por don Mariano Castillo y Ocsiero pedidos Egartorre - Mirlo, 23 (campamento) 28024 Madrid, 100 pesetas.
E a verdade mostra-se resplendente sobre a cíclica visita deste amável desvario que soe aparecer-nos nesta época em que uma primavera demasiado opulenta se rompe em primeira espuma de verão. E, por um momento miraculoso, a fadiga esquece-nos e a velhice também.
E eis que o mistério se desfaz como se desfaziam as bolas de sabão que o Johnny Mikter caçava à pazada pela cozinha da casa velha de Moledo nos dias raríssimos em que a água nos era concedida pelo senhor José da dita, o Matraquilho gemia amores, mágoas, e excertos de Strangers in the night, bidubidu bidu, a Laurindinha varria e arrumava o irremediável e o inarrumável e o cronista filósofo comparava o lento passar dos dias à rapidez com que desaparecia o chouriço "Revilla" para já não falar do "Valor almendrado especial" o único chocolate espanhol que não sabia a mofo (sic). Deus era grande e a noite menina.
Bebamos pois ó velidas soo aquestas avelaneiras frolidas em honra do aniversariante e de todos os seus e isso inclui-nos a nós também pois que bebemos do seu vinho e comemos do seu pão o número de vezes suficiente para, acabando em catalão que é língua de gente, dizer
Diverses són les parles i diversos els homes
i convindran molt noms a un sol amor
E é disso que se trata.
29 de Junho de1995
Vai esta barcarola até ao robusto talento jurídico, seu final porto de atracação, cumprindo uma singular rota que conta com Vila do Conde por primeira aguada. Não é a ilha da voluptuosa que Camões terá cantado e onde, como nas epígrafes fartamente se sugere (no fundo vai a tradução que esta gente de italiano niente e de latim menos) mas consta que por estes tempos também por lá o cometa de Eros tem passado disparando já não só flechas amáveis, mas dardos orgásticos, zagaias erotómanas enfim uma pandemia de objectos de arremesso lúbrico que até terá feito nascer cabelo ao edil local.
Aí será abastecida pelo Manuel local, carenada como se deve, cheia até à coberta de víveres frescos e, por este prático de navegação costeira, pilotada até à Calecut do samorim Manuel Monguinho. Não a envia o rei Manuel o venturoso mas um pobre plebeu que ousou em livro próximo futuro assinar-se Manuel Heinzelmann, o que também pode ser uma homenagem .
* façamos amor, alma minha, façamo-lo já
que todos para o fazer nascidos fomos
**as outras frutas dei-as às raparigas
que o deus lascivo descarou
obviamente este texto antigo que, consta, nunca chegou ao destinatário pretende celebrar o aniversário do nosso confrade Simas Santos que, valha a verdade, se esquece muito de publicar aqui qualquer coisinha. De todo o modo, parabéns, Manel!
antes que me esqueça: os textos em citação e não identificados por autor são, respectivamente, de Rabelais, Neruda, Airas Nunes e Salvador Espriu, uma boa companhia para o aniversariante.
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O figurão
Já diz o povo que pela aragem se vê quem vai na carruagem (das autarquias, neste caso...).
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27 junho 2006
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26 junho 2006
Portugal: do sonho ao fim sem grandeza
“Fomos descobrir o mundo em caravelas e regressámos dele em traineiras. A fanfarronice de uns, a incapacidade de outros e a irresponsabilidade de todos deu este resultado: o fim sem grandeza de uma grande aventura. Metade de Portugal a ser o remorso da outra metade.”
Miguel Torga
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outra rapidinha: à 3ª foi de vez!
Mais importante é o facto de nem sequer no Norte a direita vencer. Perdeu por 47,5% contra 52,5%. Mais ainda: Veneza ou Milão votaram contra a direita, o que não é despiciendo. Claro que nass restantes regiões ( Centro 67%; Sul 77%; Ilhas 71% a favor da esquerda e da frente do Não) a vitória da nova maioria política foi esmagadora. E o caso não era para dadas as propostas insolidárias em jogo.
Conviria finalmente fazer notar que nete referendo houve uma afluência de 53% que é a mior registada nos ultimos anos. Ou seja: os cidadãos mobilizaram-se para enterrar (espera-se que definitivamente) o senhor Berlusconi.
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rapidinha
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Jacques Dutronc
Il est 5 heures, Paris s'éveille
Je suis l'dauphin d'la place Dauphine
Et la place Blanche a mauvaise mine
Les camions sont pleins de lait
Les balayeurs sont pleins d'balais
Il est cinq heures
Paris s'éveille
Paris s'éveille
Les travestis vont se raser
Les stripteaseuses sont rhabillées
Les traversins sont écrasés
Les amoureux sont fatigués
Il est cinq heures
Paris s'éveille
Paris s'éveille
Le café est dans les tasses
Les cafés nettoient leurs glaces
Et sur le boulevard Montparnasse
La gare n'est plus qu'une carcasse
Il est cinq heures
Paris s'éveille
Paris s'éveille
La tour Eiffel a froid aux pieds
L'Arc de Triomphe est ranimé
Et l'Obélisque est bien dressé
Entre la nuit et la journée
Il est cinq heures
Paris s'éveille
Paris s'éveille
Les banlieusards sont dans les gares
A la Villette on tranche le lard
Paris by night, regagne les cars
Les boulangers font des bâtards
Il est cinq heures
Paris s'éveille
Paris s'éveille
Les journaux sont imprimés
Les ouvriers sont déprimés
Les gens se lèvent, ils sont brimés
C'est l'heure où je vais me coucher
Il est cinq heures
Paris se lève
Il est cinq heures
Je n'ai pas sommeil
letra de Jacques Lanzman
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25 junho 2006
Ad perpetuam rei memoriam
Pois bem, aí cheguei, com a minha legítima, via Alfa Pendular, às 19H de Sexta-Feira, dia do Sagrado Coração de Jesus ( não é só aquele que sabe o calendário litúrgico...). Esperava-nos a Teresinha, no seu potente “BM”, preto como convém ao ser ar (falsamente) circunspecto, na estação de Gaia (dá-lhe mais jeito, visto ela ter “casinha” ali na Foz) e lá partimos para um fim-de-semana portuense.
Fomos, com o sol já a cair para o mar, tomar o “ pulso” à casa de chá do Siza, mas rumámos a Matosinhos, que estava uma loucura! Jantar jantar…longas filas! Acabámos por ir a Leça ver “só” a “paisagem”. Lembrei-me do meu querido Amigo Coutinho e das suas incursões precisamente a…Leça!
Telefono, não telefono, convenço-me, de "bona fides", que deve estar com os seus miúdos no Marco (agora constato, pelo seu postal “A Festa” que me enganei. Estou, pois, deveras contrito. Então não poderia ter jantado com ele na Ribeira? Ora bolas!).
Acabei, pois, por jantar em Leça, numa casinha despretensiosa, o “Alves”, ali na Combatentes da Grande Guerra. Peixinho como convém…
Demos, a minha dona e a Teresinha, uma volta pela “marginal”, ali na Foz, que fervilhava de gente, e onde uma (atrevida) rapariga me “meteu” na cara um alho-porro! Não sei se este “meu olhar” tinha, involuntariamente, recaído na sua graciosidade…
Bem, Sábado de manhã, bem cedinho, saí de casa, deixando as acima mencionadas em vale de lençóis, e entrei, ali junto à Católica, na estação de serviço da BP, onde comprei os jornais e tomei o meu café. Devo dizer que eu e o Coutinho somos “fãs” irredutíveis das estações de serviço…e decidi telefonar a esse que julgo ser um “amicus certus in re incerta”, esse mesmo o “Marcelus”.
Ficou danado de eu não ter avisado na noite anterior! Eu, com esta "personagem", ainda tenho de acertar os carretos da engrenagem…Mas convidei-o (para casa alheia, já se vê) para um cházinho ao fim da tarde…a Teresinha até é toda dada…e lá arranjou uns bolinhos para acompanhar o chá da amizade. Meus amigos, quem ficou a ganhar fui eu e a Teresinha, que o Marcelus não foi de mãos vazias: para que fiquem verdes de inveja (coisa feia, a inveja…) este vosso amigo ficou com um grosso volume do Baltasar Garzón (“Um mundo sem medo”) traduzido pelo….Marcelus, pois está de ver! (e com uma bela dedicatória!!!). E aquela com um belo romance (místico!) sobre a vida de Gaudi. Tudo obra do dito cujo! Não sabia que este tradutor também se dedicava a obras sobre o Transcendente...os amigos surpreendem-nos sempre...
Mas, relativamente ao Garzón, vai ter de esperar: logo que tenha mais disponibilidade (esta semana espera-me uma agenda carregada) vou ler, com (antecipado) gosto, de Manuel Heinzelmann (“topam”?) “A pedra no sapato a pata na poça” que, vergonhosamente, ainda não li; mas tenho uma desculpa redentora: aquilo é livro que, para ser bem saboreado, só em férias, com a mente mais livre, para poder beber toda aquela “movida” !
Bem, para a próxima, quando for ao Porto, avisarei com antecedência os meus amigos, portuenses e marcoenses!!
Nota I: estas linhas foram escritas já em Lisboa, e após ter dado uma “oftálmica” ao Incursões.
Nota II: hei-de alinhavar, brevemente, umas linhas acerca desta cidade, que casa tão bem com a minha maneira de ser!
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24 junho 2006
Au Bonheur des Dames nº27
(carta 2ª à Sílvia que vem até cá no próximo semestre)
Cara Sílvia: diz-me V. que vem até estas inóspitas paragens dentro de alguns meses. Como sei o que fazem “estrangeiros” em país de antepassados presumo que virá espanejar alguns reais em Lisboa a pecadora. Faz bem porque a terra é bonita (nisso até o nosso nortenho JCP está de acordo). Os habitantes, quando estão para aí virados, são hospitaleiros. A dificuldade está em apanhá-los em Lisboa. São piores que alguns portuenses que diziam (ele há tolos para tudo) que a melhor coisa de Lisboa era o comboio para o Porto. Para uma boa parte dos lisboetas e, especialmente para alguns conspícuos (as) frequentadores (as) deste blog, parece que a melhor coisa da cidade é a auto-estrada para o sul (Alentejo e Algarve). Uma pessoa passa a vida a ser convidada por eles, venha até cá homem, vamos a um jantarinho, um almocinho, um diminutivo qualquer desses, é só escolher, não se esqueça, ah que bom que vai ser etc., etc...
A dita cuja pessoa, conta os morabitinos, faz economias na comida durante meia semana (afinal vai comer à borla em Lisboa!...) e anuncia aos quatro ventos que chega em breve à pecaminosa cidade e que até já recusou um convite para almoçar do senhor Presidente da República, do senhor Cardeal Patriarca, ou doutra individualidade na moda, para não perder pitada do convívio com os amigos que o esperam ansiosos.
É nesse mágico momento que o acaso intervém: o piedoso A vai para o Alentejo participar sabe-se lá em quê, em todo o caso não será em práticas religiosas que para isso Lisboa tinha o Santo António e o Corpo de Deus, B, a entusiasta, telefona já do automóvel a caminho do Algarve onde chove a cântaros. Vai para a praia claro, apanhar banhos de lua que ela do sol forte deve ter medo... C, recém-chegado às delicias imperiais, previne: se V cá vier telefone a B (que está em trânsito como já disse) para um jantarinho!.... À cautela, D, E e F ficam mais calados do que uma ostra de Setúbal.
É claro que tudo isto é obra do acaso, havia dois feriados, um à terça e outro à quinta, argumentos mais que suficientes para não ter a maçada de trabalhar à segunda, quarta e sexta... Afinal o verão está perto, o ano foi duro e é preciso desmentir o senhor primeiro ministro e o senhor presidente da república que apelam, mão na mão, à boa vontade laboriosa dos lusitanos e à vitória da equipe nacional de futebol.
Não sei se V tem à mão um mapa da nação imortal e valente: por ele verá que nestes casos de feriado ou de iminente visita de amigos do norte os habitantes de Lisboa têm tendência a escorregar um pouco mais para baixo deixando o Tejo de permeio. Será para fugir ao invasor bárbaro vindo do norte? Será para não lhe oferecer o tal jantarinho, o tal almocinho o tal sei lá o quê? O certo é que cheguei, não vi, nem comi. Ou vi uma cidade deserta, e comi às custas de um irmão generoso, de uma mãe resignada e de mais parentes avulsos menos rápidos no “cavanço” ou mais desprevenidos. E não correu mal a jornada lisboeta, não senhor. A habitual prima Maria Manuel acompanhada pela não menos habitual tia Néné figueirense até à medula, ofereceram uns livrinhos sobre a Figueira da Foz que eu não tinha e que, decerto, não encontraria em parte alguma. Outro tio, peripatético frequentador de alfarrabistas, assistiu divertido ao descobrimento de uma velha edição de “Emílio e os Detectives” de Erich Kästner, autor que viu muitos dos seus livros (este incluído) queimados pelas multidões nazis e ululantes, nos anos trinta. A velha mãe, armada de uma temível bengala provou que ainda é capaz de deitar abaixo um belo par de sardinhas assadas, que lhe fazem muito bem à dieta que segue rigorosamente desde há anos. As sardinhas (e um cozido à portuguesa, bem puxavante, que ela partilhou com a tia Nené, também octogenária e também portadora de bengala....) são excelentes para dar uma chicotada ao estômago, aos intestinos e a várias outras vísceras que não menciono por mera ignorância. Com uma família assim não admira que eu esteja gordo como estou.
Se calhar a súbita ânsia de viajar que deu nos meus colegas lisboetas vem disto, desta barriguinha de sete meses (e estou a ser modesto) que os assustou: ai que o homem nos come a despensa inteira!
E vai daí piraram-se para as províncias mais a sul sem temer a chuva que caiu inclemente. Da próxima vez só aviso quando já estiver dentro de muros. Os lisboetas têm de ser caçados com rede mosquiteira e à má fila. Fica avisada, Sílvia. Depois não se queixe que eles são escorregadios. Cá a espero no Porto. Venha à confiança que eu não fujo. E creio que nisto estou acompanhado pelo JCP pelo Carteiro e pela doce “o meu olhar”: a malta cá, para dar ao dente com uma visita, até adia a morte dos parentes.
PS: isto estava escrito há dias esperando vez para entrar. Entretanto, eu, sempre generoso e misericordioso, tinha avisado um dos citados, que ia apanhar um merecido puxão de orelhas na forma de “postal” (este). Não é que a criatura aparece sem avisar no Porto, para me apanhar desprevenido (“de calças na mão”) para mais tarde poder dizer que também apareceu e... nada! À cautela fica convidado para almoçar (eu pago!) logo que volte a Lisboa.
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Outra canção
O dia amanhece frio e nítido
nos meus olhos.
Saio da casa pisando cuidadosamente
para não acordar os que dormem
como se não estivessem prestes a acordar,
neste sol de outono;
luz e visão semi-adormecida do dia.
Tantos passos
ao longo dos anos,
tantas perguntas.
Caminho à beira mar,
a maresia a umedecer-me o corpo.
O mar responde ondas e ondas
onde há perguntas.
E se repete.
Sempre.
O mar é o mundo, atlântico, no qual vôo,
ou mergulho minha inquietude
e esta falta.
As pessoas correm
a alcançar o tempo.
O menino aturdido
exibe os olhos baços de cola
que mal acordaram para o dia.
Assisto o dia estabelecer-se
em pensamentos vagos.
Passaram-se anos desde o primeiro passeio
de mãos dadas comigo,
os olhos escancarados para a vida.
O tempo nos dá voltas.
Tudo foi ontem,
ou será amanhã ?
O que é feito do tempo,
assobio agudo de menina
a correr pela praia ?
Tanto afeto,
tantas palavras.
São os mesmos homens e mulheres
e seus desacertos afogados entre paredes.
As palavras ásperas ou doces
a reverberarem no domo da cidade.
Caminho os mesmos passos
e uma enormidade de fatos
no lapso entre um e outro movimento dos meus pés.
Nosso tempo não muda,
morremos a cada riso,
a cada gesto amoroso,
a cada palavra irada.
Ando pela praia com os braços cheios de perguntas,
a vida colada aos olhos.
A vida e o poema.
O poema se move como um felino,
de coisa, para coisa,
de ato, para ato,
de pessoa para pessoa.
Sempre o senti, nunca pude escrevê-lo.
Quero a canção viva.
Cantar firmemente
tantos anos depois como fazia antes,
quando ignorava que não só me dirigia à luta,
mas ao encontro silencioso de mim mesma,
do único momento
no qual a vida é absolutamente nossa.
Agora sei.
Quero esta canção completa,
lúcida, vívida!
Silvia Chueire
Amigos, perdoem-me a ausência. Não podia mesmo estar por aqui.O poema aí acima é questionável, mas foi o que me deu vontade de trazer. Gosto de estar de volta. E preparem-se ,vou visitá-los em setembro ou outubro. : )
Abraços a todos. Muitos.
Silvia
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23 junho 2006
telegrama são-joanino
Menino João
ao cuidado de Carteiro (extremoso Pai)
Diverte-te pá! Aproveita esta tua primeira saída á noite com o teu Pai. Não te parecerá nada de excepcional mas daqui a muitos anos (que sejam longos, que sejam bons, com os teus pais e os teus amigos) hás-de lembrar-te com ternura e nostalgia desta noite que daqui a pouco começa. Daqui a uns anos, já irás com amigos sem pais nem familiares vigilantes. E encontrarás ranchos de raparigas e...e, porventura, a magia desta noite far-te-á recordar o perfume da madrugada, a fogueira dos sentimentos, uma ousadia, o amanhecer na praia. Sobretudo não uses martelinho de plástico mas um belo alho porro. E cidreira para dar a cheirar ás senhoras e meninas que encontrares. E vê se o teu pai se diverte. E não te zangues se ele olhar muito para um peito de rola que lhe passe ao alcance do lúzio atrevido. É S João!
E dá um abraço aos nossos amigos bloguistas que vivem nestas terras são joaninas. Sobretudo aos do Porto, Braga e Figueira, onde, lá mais para logo, haverá o banho santo. Se eu te dissesse que, com a tua idade, não perdia pitada do tal banho quando as raparigas camponesas de há quarenta, cinquenta anos, vinham de longada para a praia para de madrugada tomarem banho no mar... Mas não digo. Diverte-te joão. E um abraço ao teu Pai.
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A festa
Postado por o sibilo da serpente 3 comentários
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Obras sem planeamento
Quem vive no Porto e conhece o nó do Regado da VCI, onde esta via se entronca com a Via Norte, sabe que ali decorreram obras significativas durante largos meses. Ter-se-á gasto naquelas obras vários milhões de euros, com o objectivo de melhorar a circulação automóvel e eliminar erros anteriores que faziam daquele nó um dos pontos negros da VCI.
Numa obra destas exige-se planeamento e rigor na definição do novo traçado. Um trabalho porventura mais complexo do que quando se projecta uma obra nova. Ora, acontece que o resultado conseguido é péssimo. Se o trânsito melhorou em algum sentido, a verdade é que piorou bastante em outros, particularmente no acesso da Via Norte à VCI, sentido Freixo-Arrábida.
Esse acesso começa por ter uma faixa de rodagem, alarga-se em poucos metros para três faixas e estreita-se novamente para uma faixa uns metros adiante para permitir a entrada na VCI. Escusado será dizer que, em hora de ponta matinal, aquilo que fluía mais ou menos bem passou a ser um verdadeiro inferno para os automobilistas.
E agora? A Estradas de Portugal gasta o nosso dinheiro à toa e não apura responsabilidades? Neste país, é normal que assim seja…
Postado por jcp (José Carlos Pereira) 2 comentários
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Do Diário da República e do Cherne
Já reclinado no (legítimo) leito conjugal, folheando, displicentemente, o Diário da República nº 119 I-B, datado de hoje, quinta-feira, deparo, a fls.4421, com a Portaria nº 587/2006 de 22 Junho, do Ministério da Agricultura (ainda existe?), Do Desenvolvimento Rural E Das Pescas [ainda podemos apanhar o (nosso) peixe?] a qual apresenta uma extensa lista com as denominações comerciais dos peixinhos. E, eis que caio em cima do “CHERNE”!: ora, o nome científico do mesmo é POLYPRION …AMERICANUS!
Ora, cherne cherne, vale dizer…Durão Barroso!
Certamente que nos lembramos todos da esposa de Durão Barroso, Margarida Sousa Uva, ter dedicado publicamente ao marido um excerto do poema "sigamos o cherne" de Alexandre O'Neill.
Pelo nome (científico) daquele, está, assim, explicada, a existência do…AMIGO AMERICANO!
Postado por C.M. 2 comentários
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22 junho 2006
estes dias que passam 30
A ler os jornais ou a ouvir a televisão, assalta-nos uma sensação de coisas que se vão compondo, melhorando, como se o fim da primavera fosse justamente a época ideal para arrumar a casa.
De Portugal nem novas nem mandados. O pais está a banhos em Genselkirchen, e enquanto a selecção continuar a ganhar nem o governo chateia nem a malta protesta. Enfim a primeira parte é falsa mas a segunda é verdadeira. A anestesia é geral.
Com uma excepção. Um deputado europeu o senhor Manuel dos Santos a quem sempre se ouviram vulgaridades, resolveu dizer, por uma única e irrepetível vez, uma coisa sensata e chamou ao actual governo comissão liquidatária. Eu que sempre o achei um pobre diabo tenho que concordar que desta vez a criatura tem razão. Isto foi dito numa jantarada do chamado bloco narcisista do Porto. Claro que depois dos aplausos que terão sido muitos e vibrantes, as criaturas jantarantes caíram em si e vieram já, todas ou quase, dizer que as afirmações do cavalheiro dos Santos eram dele e só dele. O mais cómico foi a parte dos deputados domésticos (nunca uma palavra foi tão bem usada) que se solidarizaram com o governo. Entre eles li alguns nomes que já me não surpreendem embora houvesse duas senhoras deputadas que me fazem pensar que os caminhos da entrada da Assembleia da República são como os de Deus: extraordinários!
Lavemos a mão pecadora e passemos a outro tema menos caseiro. Em Espanha, a Catalunha votou um Estatut. Enfim, cerca de 49% dos cidadãos eleitores deram-se à trabalheira de ir depositar um papelinho na urna. Desses esforçados cidadãos, cerca de 75% votou favoravelmente o novo estatuto autonómico o que significou uma derrota estrondosa para o cada vez mais irracional Partido Popular e para uma excrescência política que dá por Esquerra Republicana. Trata-se de uma obsolescência nacionalistóide, retrógrada e anti imigrantes. O seu principal dirigente, o senhor Carod Rovira esteve no governo da Generalitat a acolitar como segunda figura o senhor Pascal Maragall. Conseguiu o impossível: teve de se demitir – foi demitido! – fez campanha contra um Estatut que ultrapassa em muito o que legitimamente se poderia pensar obter do governo central, andou a conversar com a ETA, apesar de estar aliado ao PSOE no Parlamento espanhol, enfim o homem foi, e é, um catavento.
O senhor Maragall ganhou a sua aposta mas, à cautela, demite-se. Foi um fraco governante da Catalunha, suponho que não deixa saudades nem lá nem no PSOE de que é ou parece ser militante.
Um partido português desses que de via reduzida, o do senhor Manuel Monteiro fez um qualquer acordo com outro do mesmo teor mas galego, o Partido Galeguista. Estão bem um para o outro no que toca a nacionalismo rançoso e balofo e a popularidade. Dizem os jornais que os dois partidos prometeram lutar contra o centralismo espanhol. Não mencionando desde logo a elegância do grupúsculo do senhor Manuel Monteiro em se imiscuir na política interna espanhola não deixa de ser risível atacar o governo mais federalista que alguma vez a Espanha teve.
E precisamente esse governo lá entendeu, há uns dias que desta vez a boa fé da ETA é certa (!!!) pelo que se propõe entrar em conversações mais ou menos directas com o bando acossado. Entretanto o PP uiva que a Espanha está a ser traída, esquecendo-se que eles próprios também já tinham tido umas conversas de pé de orelha com a mesmíssima ETA que na altura lhes fuzilava os militantes com heróicos tiros na nuca. O principal dirigente do PP, o senhor Rajoy é galego. Dizem os que o conhecem que, como bom galego, não diz sequer a direcção quando anda no elevador. Será por isso que agora desdiz a política do seu antecessor. Manias...
Entretanto as polícias francesa e espanhola assestaram um duro golpe no organismo financiador da ETA, o tal que mandava umas cartas aborrecidas aos empresários bascos, exigindo-lhes sob pena de um tiro (sempre na nuca) uns dinheirinhos para a causa da liberdade basca. As reacções são no mínimo surpreendentes. O governo basco quer explicações. Não lhe deve bastar o facto de os presos serem alegadamente chantagistas e terroristas. O habitual dirigente da proibida Herri Batasuna, o senhor Otegui, considera estas prisões uma afronta, e uma ameaça à paz e às conversações de paz! Claro que o senhor Otegui não é “etarra”, longe disso, é apenas um cidadão incapaz de condenar o tal tiro na nuca...
Deixemos esta estranha contradança espanhola e regozijemo-nos pelo facto de um canalha chamado Charles Taylor, responsável pelas guerras civis na Libéria e na Serra Leoa e ex-presidente da primeira, ir para a Holanda para ser julgado. Se for condenado, coisa que parece provável (ainda por cima é preto, o que ajuda) será na Inglaterra que cumprirá pena.
Convenhamos que desta única e excepcional vez, Deus olhou para aquele canto de África onde terão morrido cerca de quatrocentas mil pessoas. Eu, que sobre estas sangueiras, já nem sou capaz de me indignar, gostaria que Deus olhasse um pouco para o Darfur, para as fronteiras do Congo e para a Somália. Será pedir muito?
Estou obviamente a citar o Papa Bento XVI que na Polónia, mais concretamente em Auschwitz declarou que Deus não olhara para aquela zona na altura em que judeus, ciganos, russos, polacos, homossexuais e outras criaturas de difícil definição étnica, religiosa ou nacional foram esforçadamente reduzidas a cinza por “um grupo” de criaturas que se terá imposto à sociedade alemã.
Eu que tenho uns vagos antepassados alemães, uns Heinzelmann de Havelberg a 50 quilómetros de Berlim e que gosto da Alemanha, tenho alguma dificuldade em compreender esta curiosa interpretação histórica que condena um grupo e exculpa uma imensa maioria que votou nesse grupo, que o aplaudiu, aos urros, levantando a pata histericamente, heil Hitler! Sieg heil! Que viu irem para os campos primeiro os comunistas e os socialistas, a seguir os homossexuais e os “associais” depois os judeus e os ciganos (para já não referir os dez mil cidadãos negros e mulatos oriundos das antigas colónias africanas), e finalmente os resistentes de vinte países ocupados (Mauthausen foi construído pelos prisioneiros espanhóis refugiados em França depois da guerra civil...), alguns luteranos, outros tantos católicos etc...
Também eu acho que a actual população alemã pouco ou nada tem a ver com isto mas não é por isso que os pais e avós podem agora passar por inocentinhos...
Deixemos esta opinião para outras discussões e lembremos que nestes mesmos dias, morreu um monstro sagrado do non sense, da invenção linguística, da poesia em estado puro, une bête de scéne: Raymond Devos, o maior humorista (?) francês (por acaso belga), autor de livros espantosos e de tiradas extraordinárias, a tiré sa reverence. Por um breve momento, a França oficial, a França cultural e a França popular recolheram-se em uníssono lamentando esta morte. Passou-se o mesmo com a Piaf, com Brassens e mais uns quantos. Poucos. O génio é raro e mal distribuído.
Permitam-me os leitores que lhes deixe um par de aforismos de Devos: acabemos bem o que começámos mal.
Quand j’ai tort, j’ai mes raisons que je ne donne pas. Ce serait reconnaître mes torts!
Je crois a l’immortalité et pourtant je crains bien de mourir avant de la connaitre!
Si ma femme doit être veuve un jour, j’aimerais mieux que ce soit de mon vivant.
Remarquez que si on fait l’amour, c’est pour satisfaire les sens. Et c’est pour l’essence qu’on fait la guerre.
Même avec Dieu, il ne faut pas tenter le Diable.
Os interessados poderão comprar um livro: Matiére à rire (Orban) ou (melhor ainda...) o sublime dvd triplo “80 ans, 80 sketches” Momus, Universel Mercury 063 163 9
PS: os leitores que me aturam estarão como eu: como uns cucos e a razão é simples : o nosso Carteiro regressou ás lides depois de andar ás voltas com um computador avariado...
Como desculpa é fraquinha mas a malta, ao Carteiro, perdoa tudo. Ai quem me dera ter aquela idade...
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That’s only football...
É sabido que gosto de futebol e que sou frequentador de estádios (mais concretamente do Dragão…), mas já não aguento esta onda de futebol, de festarola, de recreio desportivo, à volta do Mundial. Fujo a sete pés dos infindáveis programas de televisão e de rádio. Já só aguento mesmo os 90 minutos em que a redondinha circula. Para mim, isso é que é o futebol.
E o país e o mundo? Como irão? Não sei muito bem. No Domingo, regressado de umas mini-férias, tive de esperar vinte e dois minutos para ter alguma informação sobre o nosso mundo no Jornal de Domingo da SIC Notícias, que vai para o ar às 23H00. Até aí, foi o reino da futebolândia. E Portugal não jogara sequer nesse dia…
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O fio vermelho
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O Poeta da Melancolia
A poesia deste (também usou na sua música poemas de Baudelaire, Verlaine, Rimbaud e Apollinaire) faz-nos vir as lágrimas aos olhos; é a inexplicável nostalgia que se apodera de nós!...talvez por causa do que nos foi dado viver e por tudo aquilo que não nos foi dado viver; por vezes, até temos nostalgia do tempo que não vivemos...ele bem que falou da solidão, das mulheres, e da amizade que muitas vezes não existe.
JE TE DONNE TOUT ÇA, MARIE !
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21 junho 2006
Lanzmann, Jacques Lanzmann!
Num dia em que ia por livros novos para fazer a recenção crítica (que naquele tempo, as revistas e alguns jornais, e entre eles, o Diário de Lisboa, a República, o Primeiro deJaneiro ou o Comércio do Porto que tinham verdadeiros suplementos literários e não essas coisas que agora debitam uma informação anónima, paga e muitas vezes ininteligivel, faziam com qualidade e abundancia), peguei sem desconfiança num livrinho da Ulisseia que se chamava O Rato da América. O seu autor chamava-se Jacques Lanzmann. Um perfeito desconhecido para este vosso criado e, convenhamos, para a grande maioria dos leitores (não só) portugueses.
Li o livrinho duma penada, escrevi um texto felizmente esquecido mas absolutamente encomiástico e fiquei freguês desse autor singularíssimo, aventureiro, escritor de canções (já lá vamos) de livros de viajens absolutamente delirantes e saborosos.
Anos mais tarde, muitos, vi-o no célebre programa "Apostrophes" e se já gostava do homem mais fiquei a gostar. A vida dele era também um romance de coragem e de ternura, de resistência (evadiu-se dum camionete de prisioneiros dos alemães, completamente nu!...) de solidariedade num tempo em que esta escasseava.
Descobri que era autor da letra de algumas (muitas) canções célebres de Jacques Dutronc: "il est cinq heures, Paris s'eveille","Et moi et moi", "J'aime les filles", ao todo dez ou doze anos de canções, um prémio da Academia Charles Cros (!!!!. pois. pois!...) e só isso já dava um texto que como começa a ser hábito atiro para cima do caríssimo José (leiam-lhe o texto sobre Paul Mc Cartney num comentário ao meu texto 64º ano e logo verão de que lenha o cavalheiro se aquece, boa lenha, de azinho velho e seco, lenha para durar uma noite invernosa de música, conversa e um bom vinho com seu salpicão seu presunto como convem ás noites longas e aos bons conversadores).
Eu tenho um hábito bom mas detestável nos tempos que correm: língua que conheça é língua em que leio os autores que nela escrevem. Ou seja, sou incapaz de dizer se há algum Lanzmann por aí a circular, em português. Desculpem lá mas é mesmo assim. Apesar de ser tradutor quase a meio tempo, acho que nada substitui a língua em que a obra foi escrita. Portanto se esta notícia vos despertou algum interesse, procurem por aí. E se alguém quiser títulos em francês queira fazer o favor de me pedir que os porei em comentário.
E se vos sobrar tempo para pensar neste homem generoso e bom, não chorem que ele não era pessoa para isso, mas ouçam um bom disco do seu amigo Dutronc, preferivelmente uma antologia, a amazon francesa (amazon.fr.) tem uma baratucha em dois cd com todos os grandes êxitos dele e de Lanzmann. E talvez algum dos meus excelentes leitores queira pôr neste blog uma dessas músicas.... Lá que era bonito, era...
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Uma doce voz de passarinho
Matilde Rosa Araújo tem já a bonita idade de 85 anos. E digo bonita com uma (boa) razão: ao ouvi-la, há meses, numa entrevista emitida na televisão, perpassava na sua voz um rio de mel e um discurso tão clarividente como enternecedor.
A doce escritora nasceu em Lisboa em 1921. Licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, aquele curso outrora muito procurado por (belas) raparigas e igualmente prestigiado. No tempo em que se dava valor à cultura! Um curso que dava sentido à vida e proporcionava uma bela carreira! Hoje…proporciona desemprego…
Professora do Ensino Técnico Profissional em Lisboa e noutras cidades do País, foi autora de livros de contos e poesia para o mundo adulto, mas dedicou-se sobretudo às crianças, centrando a sua temática na infância, feliz ou agredida. Na realidade, a sua obra é feita de pequenos deslumbramentos em relação ao mundo da criança.
Diz-nos o Diário de Notícias (edição de 3ª feira) que saiu, simbolicamente, o seu "último" livro, intitulado “A Saquinha da Flor”.
Sinto que nos faz falta a companhia destas pessoas, já no ocaso da vida, mas tão cheias de bondade e clarividência!
Não vejo que tenham continuadores. Portugal vai ficando cada vez mais pobre...
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20 junho 2006
Farmácia de serviço nº 23
Agradeço-te meu Deus por me teres criado Negro,
O branco é uma cor de circunstância
O negro é a cor de todos os dias
E eu carrego o Mundo desde a manhã dos tempos.
E o meu riso sobre o Mundo, à noite, cria o Dia.
Agradeço-te meu Deus, por me teres criado Negro.
(Bernard B. Dadié)
Pois é, amigas e amigos, freguesia gentil que me frequenta o estabelecimento mais do que ele merece. A farmácia optou por um horário irregular e só abre a porta quando algo de realmente interessante acontece. Para vender pílulas, amuletos, remédios para emagrecer bastam os supermercados e muita outra farmácia dessas de cruz verde com director técnico e toneladas de produtos de beleza à vista do público pagante. Que lhes preste! Esta botica vende produtos menos chamativos mas garante a qualidade de tudo o que apregoa.
E hoje?, perguntará a minha especial leitora que há tempos me mandou um amável mail. Pois hoje, meu anjo, hoje dá-se noticia de última hora ou, se V quiser, de primeira hora: acaba de se inaugurar o Museu do Quai de Branly, mais propriamente o Musée des Arts Premiéres, em Paris, claro está. Não sei se era V. que não tinha razão suficiente para ir de propósito a Paris, como se isso fosse necessário, mas enfim. Agora já tem: Corra, asinha, asinha, à cidade luz e amande-se para este novíssimo museu onde se reúnem quantidades impressionantes de peças de África, América, Asia e da Oceânia. Suponho que para ali convergiram não só as colecções do Musée de l’Homme mas identicamente as do da Porte Dorée.
E como é que chega lá, pergunta V? olhe é do mais fácil que se pode imaginar. Ponha-se, digamos, no cruzamento do Bd de St Michel com o Sena, virada para Notre Dame. Vá pelos cais que estão à sua mão esquerda. O passeio não é demasiado longo e tem imensas possibilidades. Logo à partida há uma série de bouquinistes dos melhores que conheço. Um tem um stock respeitável de “pléiades” a preços que desafiam toda a concorrência. Logo a seguir encontra outro respeitável colega que vende bd da melhor. E por aí fora e ainda nem sequer se chegou ao cruzamento da rua Gît-le-coeur que este seu criado frequentava muito por mor duma livraria que vendia in illo tempore os (pasme-se!) “cahiers marxistes-leninistes”com vaga direcção de Althusser! De todo o modo continue sempre, e ali para meio do quai de Conti há-de encontrar uma excelente galeria de arte negra. Vale a visita.
Continue sempre pelos cais. Do outro lado começam a aparecer o Louvre e o jardim das Tulherias, falta-lhe o palácio incendiado durante a comuna mas se lá for passear verá que não perde o seu tempo. E não perca o pequeno mas maravilhoso Musée de l’Orangerie. Além das Nymphéas do imortal Monet está lá a colecção Jean Walter Paul Guillaume, benditos sejam que deixaram para a clientela desta botica renoires, cézanes, gauguins monets utrillos e sei lá mais o quê. Um regalo!
Na zona do cais Voltaire recorde esse homem enorme, esse pensador hors pair, o pai de Zadig o defensor da liberdade. Recorde sobretudo, ouça os ecos se puder, a sua estadia ali na casa de um príncipe de sangue, as multidões que lá acorreram para celebrar o autor de Candide que aliás terá mesmo morrido ali.
Depois entra pelo cais Anatole France, autor estupidamente esquecido hoje, prémio Nobel nos anos vinte, jornalista polémico, autor da frase assassina “pensamos que morremos pela pátria e afinal morremos por um par de industriais!”
E chegamos ao cais de Orsay o penúltimo desta caminhada que não terá no total mais de três quilómetros. É inútil falar-lhe do museu de Orsay. A esse V já foi e fez muitíssimo bem que as colecções residentes fazem chorar de inveja as pedrinhas da minha calçada (título de um livrinho de poemas de amigo meu dos temos de Coimbra cujas aventuras alguma vez contarei).
Do outro lado do rio o elegante 16eme, as ruas dos grandes costureiros, um outro Paris. E os Grand e Petit Palais, não os esqueçamos. No Grand está uma exposição de arte italiana recente de que só ouvi dizer bem.
E eis-nos no cais de Branly (acentue bem o i final, cá por coisas, que a língua francesa é muito traiçoeira).
E prontos!, como dizia alguém. Antes de chegar á ponte de Iena e à “torre”, ali está ele, novinho em folha, o museu de Branly com uma parede vegetal e entrada pela rua de l’Université, por onde V. também podia ter vindo. Bastava fazer o Bd de St Germain até cruzar com esta e vir por aí fora. Também não está mal como passeio. Olhe aí tem bom caminho para o regresso. E que belas livrarias, galerias, a Gallimard tão perto para já não falar da Maeght e algumas lojas de perder a cabeça (e os morabitinos, digo eu, cliente ocasional de algumas). E como o dia foi longo mas a noite é ainda uma criança que tal comer umas belas moules mariniére ali quase em frente do Deux Magots antes de chegar á Lipp (boa mas cara e ligeiramente conservadora). A Crazy Grazy, volta e meia, é lá que se perde e come-lhe cá com uma vontade!.... Depois dá uma voltinha pelas livrarias em frente que têm o civilizado hábito de estarem abertas à noite, e caso queira, há bom jazz nas redondezas.
Se V quiser espreitar o novíssimo museu, álibi cultural de Chirac no fim da página tem os dados.
E já que estamos com a mão na massa ora aí vai disto. Os cavalheiros que mandam na política francesa adquiriam o hábito excelente de deixarem, como testemunho do mandato presidencial, uma obra cultural de qualidade. Lembremos Pompidou e o seu Centre, Mittérrand com a Biblioteca, ou a Pirâmide, emblema do projecto do Grand Louvre. Chirac que é reconhecidamente um conhecedor das artes ditas primitivas deixa este legado exemplar: Branly. Conviria perguntar como é que em Portugal se lhes segue o exemplo mas não estraguemos a festa.
Museu de Branly: www.quaibranly.fr
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Postal do Oeste
Num dos intervalos, revisitei a fortaleza de Peniche de onde fugiu Álvaro Cunhal, onde hoje se alberga o museu municipal. Quando entrei no parlatório e nas alas da prisão, não pude deixar de me recordar do amigo MCR e das suas experiências enquanto preso político.
Em Peniche está uma pequena e modesta evocação desses tempos e da violência exercida sobre os presos. Aí se encontram muitos textos, nomeadamente de António Dias Lourenço e de Borges Coelho, que apenas revelam amor, carinho, afectos, saudades dos seus. Mesmo assim, esses textos eram censurados ou subtraídos aos destinatários.
Também os exemplares aí existentes da correspondência da polícia política ou das autoridades do Estado Novo – pedindo informações, relatando observações, denunciando pessoas, etc. – é revelador de um tempo e de uma sociedade que deixaram marcas profundas e que condicionaram a evolução de Portugal e dos portugueses durante quase meio século.
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19 junho 2006
Férias forçadas
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Textos (pouco) filosóficos I
Por definição, ele nunca pode ser um acto que restrinja a liberdade de quem lê. Seria, tal premissa, um absurdo.
O outro, o destinatário possível, é sempre livre de aceitar (ou não) o conteúdo de um texto. Estranho seria o facto que aquele que escreve se auto censurasse, pensando nas diferentes sensibilidades e idiossincrasias dos possíveis leitores.
Já tivemos em Portugal o chamado “ lápis azul”. Já tivemos, da parte dos nossos escritores e jornalistas em geral, uma espécie de auto-contensão.
Penso que é tempo de terminar de vez com todas as peias que limitam cada um de nós, individualmente considerados, e não ter medo de nada. Nem dos fantasmas que por vezes nos assombram…
A liberdade, idealizada no colectivo anónimo, já deu provas do mundo de pesadelo que é capaz de engendrar. Não passa, pois, de uma farsa. A liberdade individual é que conta. Tendo bem presente cada um de nós.
É coisa natural do Homem actuar de acordo com a sua verdade. Pensar, agir na sociedade de acordo com ela. Discorrer, filosoficamente se quisermos, segundo a visão que ele tem da sua verdade, daquela luz que o ilumina, lhe guia os passos, o ajuda a caminhar no meio de tantas veredas tortuosas, as quais lhe dificultam a existência.
Mas, o facto do Homem estar convicto da realidade do seu teorema, mesmo que o não possa ou saiba demonstrar, basta-lhe a certeza da sua (sólida) construção. Porém, tal não significa que nós sejamos intolerantes relativamente a opiniões diferentes (pese embora o risco que cada um de nós corre quando nos abrimos aos outros, e estes, por sua vez, não nos compreendem, ou não nos querem aceitar com toda a nossa dimensão). Pelo contrário, aqueles homens e mulheres, que no seu coração trazem a chama da paz, do amor e da fraternidade, são perfeitamente capazes de aceitar a diferença, onde quer que ela se situe.
Mas devemos confessar que outro risco se corre: o de parecermos fracos quando abrimos o coração e, não obstante tendo este recheado de certezas, aceitar todavia a “diferença” do outro: será que este “outro” vai considerar que tal atitude é um sinal de fraqueza da nossa parte?
É óbvio que não se pode impor, de modo racional e lógico, a “nossa verdade” ao outro. E aqui entra o conceito, ultimamente tão esquecido, da tolerância. Tolerância olvidada, mesmo por aqueles que a invocam a seu favor, para proteger a “sua” liberdade…
Mas temos de acreditar que o nosso próximo verá a nossa posição de tolerância, não como uma capitulação dos nossos princípios, mas sim como a cedência de um espaço de liberdade para esse “outro”, para que este também se possa pronunciar acerca das “suas verdades”.
O ideal seria que nascesse, da explanação de “verdades” não coincidentes, um sentimento de liberdade para ambas as partes, e não uma sensação de constrangimento mútuo.
É claro que esse espaço de liberdade leva-nos a pensar se não estaremos aqui apenas a praticar uma espécie de semântica ideológica. É que a dita liberdade não será sempre biunívoca; bem pelo contrário, na nossa sociedade ela tende a ser, quase sempre, unívoca – é a contradição que, porventura, habita o Homem.
Desenvolvendo-se a nossa acção no seio da sociedade, condicionados por esta, será que o nosso posicionamento no seu âmago se traduzirá numa identificação com a liberdade? Será que o estarmos em sociedade nos identifica com o facto de não estarmos em liberdade?
Aquilo que nos querem fazer crer que é a liberdade, não nos poderá, pelo contrário, beliscar conceitos que nos são caros, construídos que foram ao longo do tempo, pela longa e madura reflexão do nosso espírito?
A liberdade será, de certa forma, adulterada por um sistema de verdadeiras interferências externas? Que dizer do “direito” ou de um grupo de normas, instituídas por um determinado grupo, por exemplo de sócios de uma qualquer agremiação, que “impõem”, de certo modo, determinados parâmetros que “decidem” sobre aquilo que o sócio pode optar. Ou sobre quanto pode ser livre. O que conduz a um dilema: ou bem que se é sócio e não se é livre, ou bem que se é livre e não se é sócio…
Veja-se o caso dos partidos políticos: onde é que está ali a liberdade de pensamento, de crítica, a liberdade para se ser audaz e ousar ir mais além? Vivemos, de facto, cobertos por um manto espesso de ilusões…
A exigência da “dura” realidade que nos cerca, obriga-nos, por vezes, a fecharmo-nos sobre nós próprios, guardando apenas para nós aquele conjunto de valores que, por vezes, gostaríamos de partilhar, ao menos com aqueles que, pelas mais diversas razões, consideramos mais próximos.
O conceito de “liberdade” anda, pois, muito desfigurado na sua definição.
Pensar com convicção e com propriedade é, não só um direito mas, e sobretudo, um dever. Sem receio da diversidade, pois que a liberdade exige dignidade e audácia.
Postado por C.M. 3 comentários
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Au bonheur des Dames 26
Deixarei para o meu caríssimo leitor e amigo José a análise musical e literária da canção que aliás recorda outras de outros autores sobre a inexorabilidade dos anos que nos vêm caindo em cima. Alguma vez terei conversado com o Rui Feijó sobre a mítica fronteira dos quarenta (ou dos cinquenta?) anos cantada por Reggiani. E agora, meditando nisso, nessa diferença entre um numero redondo e esse mítico 64 verifico aqui uma um sinal da diferença de mentalidades e atitudes entre uma educação francesa (a minha e a dos meus amigos) e a inglesa (a dos meus sobrinhos, por exemplo) com notória vitória, ahimé, dos segundos.
E é curioso este lamento tanto mais que cito e com que prazer esse momento mágico que juntava Beatles, Byrds, Stones e Dylan para não ir mais longe e vos cansar com uma lista gigantesca do movimento pop, das suas raízes rock n’ roll e o jazz eterno. Só que ainda tive oportunidade de ouvir ao mesmo tempo, o tempo deles, Ferré e Brel. E isso abria possibilidades hoje desconhecidas, como também o facto de ver cinema francês, italiano, alemão e inglês a par do americano abria para o espectador curioso um mundo hoje morto e enterrado com tudo o que isso significa de perda cultural. E de vida, diria o meu amigo Manuel Sousa Pereira que, nestas coisas é sempre radical, sinal de que está vivo, Deus o guarde em tão excelentes disposições. De vida vivida, de aventura, de visão do mundo... acrescentaria eu que lhe não quero ficar atrás.
Mas voltemos ao when I’m sixty four. Não se sabe ao certo quando é que a canção foi feita. Da publicação não restam dúvida:1967 o ano do milagre Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band o álbum absolutamente mítico que contraditoriamente marca o fim das aparições públicas dos Beatles e anuncia aliás o fim da banda mesmo se esta só se consumou em 1970. A boa tradição, sempre a magia dos números, colocava a criação da canção em 1964, ano em que o pai do autor terá completado 64 anos. Infelizmente nesse ano o senhor atingia dificilmente os 61 pelo que a magia teve uma panne e atira para 1967.
E se ando por aqui perdido em números é tão só porque esse é o meu estado de espírito: dum lado atiram-me com o orçamento, o deficit público, doutro com o goal average do campeonato do mundo, os cálculos do senhor Scolari, as lágrimas dos eliminados, o entusiasmo dos fãs (cá em casa é uma desbunda: a minha enteada Ana, faz uma pausa nos estudos - que vão óptimos benza-a Deus – e vai de cachecol verde rubro para casa dos amigos uivar pela selecção. A Crazy Grazy pergunta 3 vezes contra quem é “jogamos” e eu, evangelicamente paciente, lá a informo enquanto ligo o canal Mezzo. Futebol só em resumo! Eu gosto é de golos e jogadas difíceis. O resto é uma chatice. Portanto ela vai ligando uma das outras televisões enquanto eu vou traduzindo um belo e longo romance de Almudena Grandes ao som duma ópera qualquer.)
E a propósito de futebol e de pátria ( neste momento a pátria está a dar que se farta! ) vou meditando maldosamente nas bandeiras que pendem por aí nas janelas e varandas do meu país. Celebram não as Índias que assaltámos, as naus da pimenta que se afundaram, os alcáceres quibires em que nos perdemos mas tão só odisseia modesta do apuramento para os oitavos de final. Por um momento único e exemplar antes da modorra estival os funcionários públicos são bons, os juízes competentes e o governo um desparrame de inteligência. O único problema é se escorregamos lá mais para a frente nessa traiçoeira Germânia loira, forte e rica.
Então as bandeiras esvoaçarão tristes e mesquinhas na melhor das hipóteses como panos, na pior como trapos. Com da última vez em que se foram desfazendo desprezadas, sujas e rotas nas janelas da indiferença de milhares de patriotaços, patrioteiros e patriotinhas que parecem ser, e são!, a prova provada do inverno do nosso descontentamento tornado subitamente verão pelo lampejo de um Figo, a sorte de um Pauleta e o azar dos adversários.
Em tempos que já lá vão, imaginava mal os meus futuros, e acaso improváveis, sixty four. Todavia, apesar do cerco inquietante dos esbirros e da cobardia política reinante e dominante, sonhava com uma pátria livre e insubmissa de bandeiras desfraldadas e dignas, de gente laboriosa e entusiasta, de futebol cidadão e responsável, de governantes competentes e uma opinião publica culta e tolerante.
Era a juventude, a minha juventude, juventud divino tesoro (Ruben Dario), juventude doce pássaro (Tenesse Williams, a peça, Richard Brooks o filme).
Deveria ter tomado em linha de conta a frase terrível de um velho amigo: a juventude é uma doença que se cura com a idade.
E com isto: outra vez um país adiado.
Desculpem lá qualquer coisinha mas há momentos em que dói ser português. Muito!
Postado por M.C.R. 8 comentários
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18 junho 2006
Justiça à experiência...
O diploma, cujos arts. 1º e 12º se reproduzem abaixo, pode ser consultado na íntegra aqui.
Postado por Kamikaze (L.P.) 1 comentários
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Tribunal do Trabalho de Lisboa
Finalmente, das bandas do M.J., o que parece ser uma boa notícia!
«O Ministério da Justiça já aprovou a transferência do Tribunal de Trabalho de Lisboa para novas instalações, concentrando os serviços dispersos por dois edifícios num só.
Estas novas instalações deverão abrir até ao final deste ano no Largo de Santa Bárbara, em Lisboa, para melhorar as condições de trabalho e de audiência num dos maiores tribunais de trabalho do país. Este tribunal concentra 30 magistrados e 178 funcionários judiciais.
O novo Tribunal de Trabalho de Lisboa será o primeiro do país a ser dotado com sala de mediação ou conciliação laboral. As novas instalações possuem parque subterrâneo de estacionamento e arquivo, salas para inspecção, exames e junta médica, bem como meios para o acesso de pessoas com deficiência.
Há mais de vinte anos que o Tribunal de Trabalho de Lisboa funciona em instalações inapropriadas.»
Confirmo, com o conhecimento de causa dado pelos vários anos em que trabalhei nos dois edifícios, esta última afirmação. Curioso é que tenham sido precisos 20 anos para a resolver quando, despejados que foram os Juízos do T. do Trabalho de Lisboa que funcionavam na Av. Casal Ribeiro, nas mesmas inadequadas e indignas condições (também lá trabalhei...) o edificio, onde de seguida viria a ser instalada uma Direcção Geral do M. da Justiça, foi de imediato integralmente remodelado, com direito a mármores na entrada e, até, luxo então impensável nos tribunais, ar condicionado...
E esta hem?
Postado por Kamikaze (L.P.) 0 comentários
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17 junho 2006
Fazem mesmo questão de rebentar de vez com o sistema?
"Correndo o risco de ser repetitivo, só posso dizer, também a respeito de mais esta ideia peregrina [a partir de Outubro todas as testemunhas de processos cíveis - como cobranças, indemnizações ou divórcios - poderão depor por escrito]: lê-se e não se acredita!
Que fará um juiz perante depoimentos escritos contraditórios? Qual será o critério a seguir para a valoração desses depoimentos?
Já agora, espero que o legislador seja coerente e aproveite para regressar a um sistema de prova legal adaptado aos novos tempos:
1.ª regra:
A da maioria (para, finalmente, trazer a democracia para a administração da Justiça). O juiz fica vinculado à versão dos factos que tiver sido veiculada pelo maior número de testemunhas.
2.ª regra, para a hipótese de empate de acordo com a 1.ª:
a) Os depoimentos manuscritos deverão ser valorados de acordo com a qualidade da caligrafia, pois, testemunha com letra bonita, merece maior credibilidade;
b) Depoimentos dactilografados merecem maior credibilidade que depoimentos manuscritos, pois revelam maior adaptação aos tempos modernos;
c) Depoimentos redigidos com processador de texto prevalecem sobre aqueles que o sejam com recurso às velhas máquinas de escrever, pois revelam maior sensibilidade dos seus autores ao choque tecnológico - factor que, só por si, confere 100% de credibilidade ao depoimento.
Do ponto de vista dos juízes, decidir vai, finalmente, ser um sossego. Analisar cada depoimento com o maior detalhe possível, tendo em conta o seu conteúdo, a forma como é prestado perante o juiz e um sem número de pequenos pormenores, bem como valorar cuidadosamente o conjunto da prova produzida, tudo isso, que dá tanto trabalho e requer toda a atenção por parte do julgador, vai, finalmente, ser relegado para o caixote do lixo da História do Direito!
Não vale a pena os juízes preocuparem-se com os seus alegados interesses corporativos. Finalmente, encontraram quem, realmente, demonstra preocupar-se com eles. Agora, julgar vai ser um descanso. É caso para dizer: assim, até um sociólogo pode ser juiz! (Será essa a intenção de mais esta brilhante ideia?)
Finalmente, chega de brincadeira, pois o assunto é sério. Só posso concluir como no post: Fazem mesmo questão em rebentar de vez com o sistema?"
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16 junho 2006
Uma dor de alma...
Como confidenciei em anterior post, decidi recentemente vir trabalhar para a capital do império, como o Delfim gosta de dizer.
Instalaram-me num gabinete espaçoso, mas completamente desprovido de mobiliário. Paredes brancas, vazias. Para lá se acarretaram alguns móveis, metálicos, impessoais. Enfim, um desconforto total. Nem ao menos uma carpetezinha, e já não estou a pensar em Arraiolos.
A vista da janela, contudo, reconfortou-me a alma: no lado contrário da rua, estreita, situava-se um espaçoso logradouro de um palacete pombalino. Várias acácias, choupos e palmeiras, para além de trepadeiras com flores multicolores e, para compor ainda melhor o ramalhete, uma nespereira carregadinha de frutos, amarelos, apetecíveis. Os únicos hóspedes do local eram os pássaros, uma vez que, em dois meses e meio, nunca vi vivalma naquele jardim.
A visão daquele quase oásis numa zona de Lisboa onde não se vê uma árvore, acabou por me reconfortar a alma, depressa esquecendo o desconforto do espaço laboral.
Durante estes meses muitas vezes espraiei a vista por aquele espaço, procurando inspiração nas folhas das acácias ou nos frutos da nespereira. Era, quase, o meu jardim privado e secreto, uma vez que, dada a disposição dos prédios e o muro alto, poucos mais o poderiam ver.
Hoje cheguei cedo ao meu gabinete, seriam umas nove horas da manhã. Ainda antes de entrar na garagem, vi que alguma coisa de anormal se passava, Aquela rua, sempre tão sossegada e quase deserta, fervilhava de camiões, tapumes e máquinas e até dois polícias controlavam o trânsito. Depressa percebi que o muro do meu jardim tinha sido esventrado por uma retro escavadora. Quando cheguei à janela do segundo andar, já a nespereira tinha sido arrancada, as trepadeiras cortadas, e um choupo, certamente com mais de um século, estava a ser cortado por uma moto-serra.
Agora, ao final do dia, apenas resta a palmeira que, disse-me a funcionária da portaria - sempre atenta a tudo o que se passa à sua volta - parece que vai ser transplantada para não sei onde.
O dia está cinzento. Chuvisca. A minha alma sente uma dor tão profunda como as raízes do choupo arrancadas a golpes de camartelo.
Eu sei que o metro quadrado de terreno para construção nesta zona de Lisboa deve valer um dinheirão. Sei que os proprietários do terreno têm direito a fazer os seus negócios. Sei também que, daqui a alguns meses, ali estará um daqueles prédios modernos com aspiração e aquecimento central e ar condicionado, talvez até com música ambiente em todas as divisões, incluindo a casa de banho. Mas isso não me enche a alma, não me conforta, nem servirá de abrigo aos pardais e outras aves que, já esta noite, irão procurar poiso noutras paragens.
Uma dor d’alma, meus amigos…
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Era uma vez Lisboa
(foto de 1961)
1962 - terreno após demolição do Hotel
construção, no mesmo local, do Hotel Sheraton (e edificio Imaviz)
O que ficou, agora bem mais degradado (sobretudo o Imaviz)
há quem lhe chame progresso
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"Testemunhas de bom ouvido"
J.A.B. in Patologia Social
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14 junho 2006
diário Político 23
RUA COM A TROPA!!!
Alguns espíritos mais mesquinhos e claramente provenientes das habituais forças do bloqueio, fizeram breves contas e, com a usual má fé, armaram o costumeiro escândalo. Até parecia que o gasto de cem ou duzentos mil contos de que se fala tivessem significado num país que recebe dez vezes mais por dia!
Não tenciono embarcar nessa discussão sobre trocos ainda que suspeite que o desparrame com a soldadesca e a respectiva parafernália ultrapassa as quantias já avançadas.
A minha pouco respeitável opinião (opinião de paisano irredutível que considera as actuais FA como brinquedo demasiado caro para as traquinices dos senhores generais e dos seus colegas civis ) é ligeiramente mais radical e cabe toda numa breve pergunta : para que servem as FA e, sobretudo, estas FA ?
Punhamos que o país tem 20 aviões F 16, 4 fragatas Meko e dois ou três quarteirões de tanques M 20 para além de toda a venerável sucata que tranquilamente enferruja em quarteis, docas e aeródromos militares. Isto para já não referir a "frota" de submarinos que, mesmo em confronto com os U-Boat alemães da 2ª guerra, não ocultam as rugas venerandas, a arterio-esclerose e outros modestos dramas da senectude.
É que alguem terá confidenciado a estas orelhas de tísico que, para assegurar as tripulações das fragatas, se esgotam (se é que chegam...) os recursos humanos existentes não havendo sequer um simples grumete para segurar o cabo de um escaler. E que, onde sobram Mekos, escasseia cruelmente uma dúzia de lanchas rápidas para o patrulhamento da costa.
Tambem há quem afiance que os tanques necessitam especialistas em manutenção e, na remota hipótese de combate, de tropas de apoio, impedimenta vária que os aprovisione e consolide a retaguarda etc...etc...
Em suma : consta em meios conhecedores destas matérias guerreiras que há anéis para os dedos mas escasseiam luvas, meias, ceroulas e outras lingeries de pouca complicação mas de gasto muito rápido. Há mesmo quem se atreva a pensar que os meios ora disponíveis serão ou excessivos ou perigosamente escassos e que o actual tempo de serviço militar obrigatório e a desordem legislativa sobre objectores são bizarrias nefastas que só o casamento de militares políticos com civis amadores de soldadinhos de chumbo poderá torpemente justificar.
Depois o país não acredita (e muito menos gosta) na tropa ou, pelo menos, nesta tropa. Se calhar porque ainda tem tristemente presente as guerras nas colónias, a impreparação de grande parte do corpo de oficiais do quadro, a qualidade das escolas militares para milicianos, para já não referir instituições como os tribunais militares ou tudo o que envolva abastecimento de material, víveres e etc...( este etc destina-se, apenas e tão só, a cobrir a nudez forte da verdade com a prudente fantasia do latim).
O país, paisano e pobre, recorda, com uma raiva antiga e profunda, como, ao longo de séculos, foi tratado como carne para canhão por oficiais incompetentes e sargentos boçais. Lembra como se viu subitamente atirado para as frentes de batalha para defender o que não possuia e que só emigrando poderia vir a ter.
E recorda mais: as listas de mortos e de feridos são exactamente o contrário daquelas que anunciam a entrada nas universidades, nos corpos sociais das grandes empresas, dos bancos ou dos deputados eleitos e/ou a eleger apenas a "eles", aos caciques, aos señoritos, aos que tudo lo podem e todo lo mandam. Resumindo: sobram súbditos onde escasseiam cidadãos.
Ora é isso que a parada no Porto significa. Mostrar ao basbaque que, se no sec. XV fomos à Índia puxar as orelhas ao samorim de Calicute, agora poderemos ameaçar Andorra, S. Marino e o Liechtenstein de idênticas sevícias caso os países vizinhos não se oponham à passagem impetuosa dos M 20 e dos F 16 com a marinhagem das corvetas a servir de infantaria a exemplo dos marines americanos.
Se era para isso bastaria um anúncio nas televisões à hora da telenovela que ficava mais barato e evitava aos portuenses o incómodo de, durante dois dias, serem obrigados a estacionar os seus carrros longe das esplanadas da Foz.
10 de Junho de 1994
Mal sabia eu que 12 anos depois se repetiria a cena macaca nas avenidas do Brasil e de Montevideu, com a mesma confusão de transito, desta vez animada pela pane de um carro militar ! Um must absoluto revelador do pais que está inçado de bandeiras por mor do futebol.
Ah, o patriotismo lusitano....
Postado por M.C.R. 0 comentários
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