30 novembro 2005

Homenagem a Fernando Pessoa

ACIMA DA VERDADE estão os deuses.
A nossa ciência é uma falhada cópia
Da certeza com que eles
Sabem que há o Universo.

Tudo é tudo, e mais alto estão os deuses,
Não pertence à ciência conhecê-los,
Mas adorar devemos
Seus vultos como às flores,

Porque visíveis à nossa alta vista,
São tão reais como reais as flores
E no seu calmo Olimpo
São outra Natureza.

Ricardo Reis


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AQUELA SENHORA tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem…

Para que é preciso ter um Piano?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza

Alberto Caeiro
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TODAS AS CARTAS de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que sãoRidículas

Álvaro de Campos

estes dias que passam 7

Quando arrefece o coração das pombas,
desfalecem, na sombra, as suas asas...

Pois é, amigos, a Santa Gulbenkian, tratou de vos resolver essa maçada imensa de andar atrás de uma prenda de Natal: duma só vez, e por 40 brasas, oferece mais de 700 páginas de boa poesia: as traduções que David Mourão Ferreira fez de centenas de poetas. Vem tudo nos tês volumes seguidos da Colóquio Letras, acabadinhos de sair. Antes que me perguntem eis a numeração: 163, 164 e 165. Cá por mim, já me ofereci os voluminhos e à falta de melhor pretexto foi em honra da velhíssima Tomada da Bastilha coimbrã, que como o Rui do Carmo sabe, cai a 25 de Novembro. O David era um excelente professor e um bom poeta. Que os deuses imortais que velam pelos aedos o tenham no quentinho, com muitas ninfas em volta e bom vinho. O fragmento que abre este humilde diário é de Safo, traduzida pelo David.

E já que falamos em gregos, relembremos, uma vez mais, com gratidão e admiração a professora doutora Maria Helena da Rocha Pereira, felizmente ainda viva, e que, via Asa, nos oferece mais um belo naco de Grécia: Hélade, uma antologia de cultura grega. Ora aqui está uma senhora que honra a Universidade portuguesa e a de Coimbra em particular.

Outra notícia reconfortante: o sinistro Pinochet tem mais uma acusação em cima, desta vez por mera roubalheira. Para já está em prisão domiciliária.

E uma de pasmar: a excelente editorial Estampa, do meu querido amigo e colega dos primeiros anos de liceu, António Manso Pinheiro, começou em 86 uma óptima Nova História da expansão Portuguesa dirigida por Joel Serrão e Oliveira Marques. Dos 11 (onze) volumes previstos ainda faltam 4 (quatro!!!) e isso porque agora, de rajada saiu o volume terceiro em dois tomos. Comecei por ser aliviado de dois contos de reis e ontem esportulei 80 euros pelo vol III (em dois tomos). Ora toma! Pinheirinho, põe cá fora rapidamente os que faltam antes que a malta precise de ganhar o euromilhões para te pagar o produto...

E já que isto me fez voltar vinte anos atrás, lembrei-me de um final de Outubro de 81, ai esta velhice!..., e de Paris subitamente de luto: Brassens acabara de morrer e as pessoas cruzavam-se comovidas como se lhes tivesse morrido alguém familiar. O cantor dos oiseaux de passage e da mauvaise reputation está ainda tão vivo...Ó leitor José, e por Brassens não vai nada?

E o que diria ele, desses aviões sinistros que cruzam os nossos ares, com uma carga infamante de presos clandestinos, de presos “inexistentes”, em prisões “inexistentes”, por crimes eventualmente inexistentes, como já ocorreu, sem direito algum, sem nome, sem pátria e sem uma alma que os defenda?

Canto a paz em plena guerra
mas canto a guerra, também,
nesta paz três vezes maldita e assassina
Esta paz que é a dos cemitérios,
esta paz de arame farpado
esta paz sob as matracas
Eis porque canto a guerra revolucionária
pelos camaradas três vezes traídos
e uma outra vez pelos camaradas traidores:
Na minha inabalável humildade
canto a revolta.

(Wolf Biermann: Gesang für meine Genossen, trad. do escriba)

29 novembro 2005

Diário político 8

correio eleitoral


para o Zé Valente

Então isso faz-se,? Piras-te para franças & Araganças, despedindo-te à francesa, esquecido do manual de etiqueta da Madame X que prescreve que quem parte apresenta cumprimentos e quem chega recebe-os?

Terá sido a fulgurante notícia da candidatura iminente (e não eminente, nota bem!) do meu já ex-camarada Salgado Zenha que te perturbou o tino e o tento e te levou a arrancar no primeiro comboio para Austerlitz e para o metro Porte d'Orléans/Clignancourt? Convenhamos que se foi isso o caso não é para menos: então aquela potentíssima figura moral que atravessava o deserto no PS não se resignou ao calor, à solidão, à areia, à companhia dos tuaregues e dos camelos, aos cada vez mais raros oásis, à dieta de tâmaras e, ZÁZ, CATRAPAZ, enfiou-se no lugar ainda quente deixado vago pelo Coronel Costa Braz? Ou, como diz o inefável "Jornal de Notícias", sai do PS e entra na corrida presidencial, a pedido do proletário Veloso y sus muchachos, convencidos que, com Zenha, levam água ao seu moinho (repara-me no trocadilho que é mimoso) e põem o Bochechas na situação evangélica de atar uma mó ao pescoço e atirar-se ao rio Letes? Terão acenado a este conspícuo dissidente interno com as huris do paraíso, com as bailarinas de Ragpur, com os Vergéis do Profeta e o título de Chefe dos Crentes que Harun Al Rashid usou (isto se se for dar fé à nocturna Scherazade, donzela ardilosa que, infelizmente, não encarnou na engenheira Pintasilgo)?

Enfim tens candidato ao passo que os meus "amigos políticos" têm - como se já lhes não bastassem as outras consumições! - mais sapo vivo a engolir. Que seja por bem como dizia a filha família no cinema ao sentir mão estranha pela coxa acima.

Nota, velho amigo, que, mais do que os receios eleitorais, me apoquenta o fim de uma imagem: de qualquer modo com o SZ fizeram os meus amigos um bom pedaço de caminho na tentativa de ratarem os poderes do SG (secretário geral para os leitores e não o amável produto da Tabaqueira). Lá se vai mais uma possível oportunidade para o PS no caso, não impossível, de se perderem as eleições e de se lavarem, de uma vez por todas, as estrebarias de Augias. Já daqui vejo os filisteus aos saltinhos dizendo "Vêem? Nós bem vos dizíamos ..." Não há dúvida que ao PS deu o beribéri e com força, chiça! E o pior é que, à volta, isto parece o México - vai tudo raso, sismo após cisma: mais grave ainda é que não se enxerga nenhum Pancho Vila e sabe-se que Pinochets não devem faltar. Entretanto nas hostes do partido da balança falsificada mais outra, e desta vez de peso, valha-me Sta. Auta: demitiram-se todos os da Comissão Consultiva (Botequilha, Rabaça, Caetano, Palma Carlos, etc....). Parece que ninguém lhes ligava nenhum e eles não levaram isso a bem. À boca cheia diz-se que um passo destes só com o aval de General Eanes. Se é assim, adeus minhas encomendas, vou ali e já volto. O simpático ajuntamento que se organizou para estas eleições esboroa-se ainda mais depressa do que eu pensava e as prováveis eleições que vierem põem lá a direita por muitos e bons.

Vem-me à lembrança um amigo doutros tempos que falava sempre do país dizendo que estava dividido em três províncias: Beócia, Capadócia e Arganázia, querendo com isto significar que entre cretinos, caguinchas e sacanas não escapava ninguém.


Vai ser divertido voltar a cantar o hino da restauração e decorar os deveres do Bom Filiado da Mocidade Portuguesa ("o bom filiado é aprumado, limpo e pontual", "o bom filiado ama seus pais e respeita chefes e superiores" etc. etc...). Já te estou a ver de "chefe de castelo" a arengar aos alunos, todos de gravatinha, pois claro! e a marcar deveres de casa. Com a idade que já tenho só me resta a "legião portuguesa" ou a outra, a dos antifascistas de longa data que até na retrete estavam calados não fosse haver microfones no cordão do autoclismo ou um periscópio da PIDE a sair do buraco da sanita. Tenho por mim que, ao contrário do que diz alguém, isto não é a hora do condor mas sim a dos urubus.

Como sabes, tenho, entre outros defeitos, estrouto: escrevo à máquina com dois dedos tentando por mera medida de economia - chegar com o recado dado ao fim da 2ª página. Por uma vez tinha arranjado um excelente fim. Bastava juntar uma lista de discos e livros a encomendar e estava feito, era só selar e pôr no correio: sentia-me um autentico escoteiro depois de praticar uma boa acção diária. Infelizmente no melhor pano cai a nódoa. A lista de tão escolhida, riscada, acrescentada e corrigida está no tinteiro, digo nas teclas da Royal. Dois inteiros dias se passaram e nada. O que vale é que, assim, te posso, de viva letra, contar a apresentação da candidatura do SZ perante Melo Antunes, Soares Louro, Letria, Arnault e Henrique Barros, entre outros. O movimento chama-se, palavra, juro que não estou a gozar, ZAP (Zenha à Presidência). Parece marca de fecho-éclair ou de remédio contra a falta de erecção mas foi o que se arranjou. Imagina um pouco se o Freitas, a Pintasilgo e Soares entravam nesta guerra de onomatopeias FAP, SEP, PAP. A Lurdinhas, porque papa-hóstias (arcebispo de Braga dixit) não ficava mal PAPA (o final poderia significar "avante", "aleluia", "avé"), o todo conotando a comidinha, o chefe da Igreja e a imagem do pai numa só palavra. Já o Dr. Freitas não ia tão bem servido: FAP só lembra a gloriosa aviação militar ou -pior!- uma sigla há muito caída em desuso e que era a da organização de massas dos primeiros maoístas portugueses: a finada "frente de acção popular" de saudosa memória e breve história: foram todos dentro nos idos de 66/67.

O Bolacha também não ia longe com SAP (dava sapo, sape-gato, no máximo sapateiro ou sapador, tudo coisas pouco entusiasmantes ou até ofensivas).

Do candidato de Neandertal nem se fala: VAP lembra logo Vá Pró ... ou Prá e para isso já basta aquela da "APU que o pariu". De resto agora com o Zenha em liça tenho para mim que o Veloso recolhe rapidamente a quartéis. Ainda vamos ver a CGTP vir dizer que “Zenha pois claro! Um democrata, um combatente da liberdade, um protector das viúvas e dos órfãos e já agora, dos camponeses sem terra, dos reformados e idosos” etc...etc...

Enfim o País diverte-se: Prá frente Portugal que por trás dá Sida! O Freitão se tiver sorte ganha as eleições como cavacas e depois a culpa é do Marocas que devia ter desistido.

Querias um PS alla Berlinguer com muito molho bolognese? Espera um pouco que já comes.

Nota bem que tal hipótese não seria de todo em todo desagradável desde que se verificassem cumulativamente umas quantas condições: que o(s) restante(s) partido(s) na área do poder governassem já não digo bem mas, pelo menos, razoavelmente; que os hábitos políticos portugueses -compadrio, falta de imaginação, planificação a curtíssimo prazo e sem perspectivas etc...- se modificassem decisivamente; que, ao depurar-se, o PS ficasse apenas com socialistas modernos, desempoeirados, libertos de fantasmas e de chavões, pragmáticos e com forte sentido de "polis". De qualquer modo não parece ser isso que está nos planos do jet-set de S. Bento e Belém: aí fulaniza-se tudo, o país é tido como uma quinta em ruínas a que há que ir buscar o pouco que resta para depois abandonar definitivamente. É por isso que voto Mário Soares. Para já há que aguentar e depois logo se vê: um presidente ao arrepio do parlamento e servindo de porta voz ao descontentamento difuso só conduz ao regresso de Jedi.

Olho para mim próprio, perplexo. Não me atrai a política (já lá vai tempo, já não tenho idade, não estou disposto nem disponível, afinal o que eu queria era ser juiz de paz) e eis-me metido na candidatura do Gordo e a desejar que ele ganhe. Mau sinal! Para quebrar esta melancólica constatação inventei um slogan para o dr. Salgado Zenha: ZIPPER (Zenha Independente Para Presidente É Renovação!). Como imagem gráfica e para distinguir do encapotado feminismo da Pintasilgo arranjava-se uma pequena jeitosa a abrir o zipper dos jeans deixando ao mesmo tempo escorregar um pouco a calça de modo a realçar a anca apetitosa. Lingerie minúscula e branca.

E pronto. Por aqui me fico consumido de inveja ao saber-te em Paris que ainda vale uma missa digam lá o que disserem os detractores da cidade luz. Um abraço do

1985

Tem 20 anos este texto! Morreram já vários dos acima mencionados, regra geral, gente boa ainda que num dado momento a política me separasse deles. Zenha, Melo Antunes ou Henrique de Barros eram homens de bem e democratas acima de qualquer suspeita. Mas há 20 anos estávamos separados por isto um candidato que, contra todas as espectativas ganhou a pulso as eleições. Hoje, não é o meu candidato, por muito respeito e amizade que lhe tenha (e tenho!). Privavelmente o meu candidato nem á 2ª volta vai (se houver 2ª volta, claro...) mas estar com ele permite-me pagar uma dívida de gratidão e amizade e, mais do que isso, permite-me votar um pouco mais de acordo com o que penso e com o que sonhei (e, tantos anos depois, com o que teimosamente continuo a sonhar...).
O destinatário da carta é, como de costume, o Zé Valente, que já só vive na saudade dos amigos.

d'Oliveira

28 novembro 2005

O nosso tempo -II

Cá estou, para continuar a passar pequenas pistas relativas à gestão do nosso tempo. Desta vez tem a ver com o diagnóstico. Uma das formas de fazermos o diagnóstico da nossa utilização do tempo passa por colocar a nós próprios diversas questões: Que faço realmente durante o dia? Quais são os hábitos que me impedem de ter mais tempo para as tarefas produtivas? Quais são os meus pontos fortes? E os meus pontos fracos ou pontos a melhorar? Quais são os trabalhos rotineiros que faço em vez de delegar ou automatizar? Tenho o meu posto de trabalho organizado da forma mais correcta?
Com a resposta a todas estas questões, conseguimos obter uma auto-imagem da utilização diária do nosso tempo, que passa pela identificação e clarificação dos hábitos de trabalho e consequente identificação do que há a melhorar. É uma tarefa muito simples e que nos pode fazer ganhar muito tempo. Interessante também, apesar de mais difícil, é perguntar aos outros as suas opiniões sobre nós, relativamente a estas questões.
O importante é que ao fazermos esta análise, nos libertemos de juízos de valor e nos centremos nos factos. Aconselha-se também que, nesta análise, deixemos cair a tendência que temos para atirar responsabilidades para tudo e todos não nos incluindo no molho. Aqui, o que interessa verdadeiramente, é analisar sobretudo o que depende de nós. Do que depende de nós, podemos agir, de tudo o mais, podemos queixarmo-nos e desabafar.No que respeita à mudança, não nos devemos preocupar com a situação actual, porque o passado não se pode mudar. Interessa o futuro e aquilo que cada um deseja modificar.
Próximo episódio: Partir para a acção

Crianças e jovens em risco

Não há melhor forma de comemorar o 114º aniversário de uma instituição dedicada ao apoio e educação de crianças e jovens em risco do que a promoção de um congresso sobre esse problema. Foi isso o que fez o Instituto Profissional do Terço. Está de parabéns a sua direcção.
Durante três dias, psicólogos, educadores e assistentes sociais, com um auditório de cerca de trezentas pessoas, partilharam experiências, levantaram problemas e comungaram das mesmas preocupações.
Percebeu-se que o risco da exposição à violência, da marginalização, do uso de drogas, dos conflitos com a lei e do insucesso escolar, têm origem em diferentes situações de privações básicas não atendidas, que passam pela degradação dos bairros sociais, pelo desemprego, pela desestruturação das famílias e pela exclusão social.
Por isso, o problema de crianças e jovens em risco é transversal a todas as instituições oficiais e, só num esforço de interligar todos os que se preocupam com esta questão, se poderão encontrar as respostas mais criativas e eficazes. No entanto, as instituições oficiais parecem andar de costas viradas umas para as outras, numa competição sem qualquer sentido, parecendo mais interessadas em se servirem dos problemas sociais para marketing político do que em resolvê-los. Não se interligam, não aproveitam os recursos e experiências de organizações não governamentais que estão no terreno, não racionalizam meios por forma a evitarem barreiras que resultam de uma má percepção dos serviços por parte dos utentes (quando, p.ex., uma família-problema é “massacrada” com os mesmos inquéritos feitos por diferentes instituições) e não desenvolvem estruturas de prevenção, capazes de diagnosticar nos bairros e nas escolas os sintomas de risco e de apoiar as famílias com problemas.
Precisamos de criar redes de troca de experiências, saberes e competências que façam a interdisciplinaridade da inclusão e saibam aproveitar o enorme capital social feito da generosidade de muita gente que disponibiliza muito do seu tempo para trabalhar nesta área. Mas isso só é possível com uma cultura do poder que tome as questões de solidariedade social como questões prioritárias de um Estado de direito. E é isso que falta.

JBM in: Jn.27/11/2005.

27 novembro 2005

Violação e coacção sexual?

Fiz aqui referência, em Junho passado, a um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que colocava uma questão interessante, desde logo pelo teor da discussão travada no colectivo de juízes e traduzida nas declarações de voto. Decidira-se, nesse acórdão de 2-6-2005, proc. n.º 1564/05-5 , relatado por mim e também subscrito pelo Cons. Costa Mortágua, na parte que interessa, e de acordo com o sumário, que:
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«2 - Se, depois de tentar violar a ofendida, quer através de cópula, quer através de coito anal, o que não conseguiu dada a sua resistência, estando os dois parcialmente desnudados, beija esta enquanto se masturba até ejacular, tendo-a ameaçado de morta, verifica-se igualmente o crime de coacção sexual do n.º 1 do art. 163.º do C. Penal.
3 - Na verdade, perante a impossibilidade de concretizar a violação por cópula ou coito anal, decidiu o arguido satisfazer os seus instintos sexuais, forçando a ofendida a sofrer acto sexual de relevo, numa nova motivação gerada por aquela impossibilidade. E seguindo-se à tentativa de violação, não se pode ter a conduta sequente como abrangida no processo de execução daquela.»
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Já o Cons. Santos Carvalho exprimiu no seu voto que:
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«Voto a decisão e os seus fundamentos, com excepção das considerações feitas sobre a qualificação jurídica dos factos (ponto 2.3 do acórdão), que me suscitam algumas reservas. Se é certo que "perante a impossibilidade de concretizar a violação por cópula ou coito anal, decidiu o arguido satisfazer os seus instintos sexuais, forçando a ofendida a sofrer acto sexual de relevo, numa nova motivação gerada por aquela impossibilidade", acho desproporcionado considerar que estamos face a dois crimes, um de violação tentado e outro de coacção sexual. Na verdade, o direito penal, embora parta de construções teóricas e abstractas, não deve afastar-se da realidade da vida e, por isso, parecer-me-ia mais razoável considerar que se está perante um único crime continuado, já que o arguido realizou esses dois crimes, mas os mesmos protegem fundamentalmente o mesmo bem jurídico e foram executados por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente (a excitação sexual que ficou para além, "et pour cause", do crime frustrado, já que permaneceu junto a si, ainda que intimidada a pessoa que lhe provocou o desejo insatisfeito e que encontrava parcialmente despida).»
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e o Cons. Rodrigues da Costa, que:
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«Voto a decisão e os seus fundamentos, mas não as considerações tecidas acerca da qualificação jurídica.Quanto a mim, existe um único crime: o de tentativa de violação. A auto-masturbação não representa senão o culminar do fracasso do acto a que o arguido se propusera. A implosão desse acto, ainda que o arguido tivesse querido colher uma fosforescência nas suas ruínas, é, afinal, o reconhecimento desse fracasso, vivido em escala descendente como auto-satisfação.Acresce que, para quem quis realizar cópula com a ofendida, ejaculando-se dentro dela, a auto-masturbação que se segue a esse acto falhado não tem qualquer relevância típica.».
perguntou-se então como seria?
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Esse post foi lido e acaba de ser publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 15, n.º 2, págs. 299 a 328, um extenso e interessante comentário da Dr.ª Helena Moniz, docente da Faculdade de Direito de Coimbra que se pronuncia a favor da solução encontrada no mesmo acórdão.
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É de todo o interesse a leitura desse comentário, que teve a sua génese na leitura de um blog...

a verdade

a verdade é que não sabemos nada
e o que se esconde por trás
das pálpebras fechadas é sonho
ou sono .

a verdade é que a noite de alguns dias
é longa como se não se acabasse
e imóvel como um filme interrompido.
só ouço o som do cello a invadir a sala.
na voz quase humana.

entre as notas musicais,
nada se move sob as estrelas
caladas no seu brilho de séculos-luz.

a verdade é que só sei a falta,
esta lacuna.
só sei este oceano
em tumulto no meu peito.



silvia chueire

26 novembro 2005

Justiça: Alberto Costa diz que problemas não se resolvem com “desentendimentos inúteis”

"Reconhecendo o “diagnóstico muito preocupante da situação da Justiça”, o Ministro apelou aos juízes para que apresentem propostas e soluções, contribuindo para uma reforma do sector. Este será um “esforço de melhoria do ambiente judicial e do trabalho quotidiano dos julgadores”. Segundo Alberto Costa, deve ser assumida a responsabilidade para com os cidadãos, empresas, “em suma, para com o interesse público”. Assim, “devemos estar todos os dias prontos para trabalhar tanto com entendimentos coincidentes como com entendimentos divergentes”.
26.11.2005 - 19h07 PUBLICO.PT

CONTRADIÇÃO

É depois de o Conselho Superior da Magistratura, no seu II Encontro Anual, realizado em Dezembro de 2004, ter concluído que "a mediatização da justiça implica e impõe a introdução do "media training" na formação dos magistrados", que o Centro de Estudos Judiciários elimina, do seu plano de formação permanente para 2005/2006, o curso sobre "Justiça e Comunicação", que havia organizado em 2003/2004 e 2004/20005.
A necessidade de formação dos magistrados nesta área voltou a ser sublinhada pelo Presidente da República na intervenção que proferiu no Congresso dos Juízes Portugueses:"Tenho afirmado, reiteradamente, que as relações entre os tribunais e a comunicação social são indispensáveis. E se um tratamento sério da informação forense passa por uma formação jurídica e judiciária dos jornalistas por ela responsáveis, impõe-se que os magistrados judiciais, por sua vez, estejam atentos às técnicas e às boas práticas da comunicação social e com elas se familiarizem, para que a vida dos tribunais seja inteligível pelo comum e as sentenças deixem de ser entendidas e cumpridas como oráculos".

O TIMING

"O Presidente da República é, por isso, o primeiro a compreender a mágoa de V. Exªs com o ângulo de abordagem das relações entre as férias judiciais, a segurança social e a produtividade dos juizes, quando ninguém que conheça a vida forense ignora que apreciável segmento das férias judiciais constitui, na 1ª instância, e sem esquecer os turnos, um tempo de recuperação de atrasos de despachos de maior complexidade ou de decisões com maior fôlego, atrasos as mais das vezes causados pelas disfunções de um sistema por cujo figurino não são os juizes responsáveis.
Como compreende que a opção por uma crescente uniformização dos regimes de segurança social não exige, na sua fundamentação, que seja qualificado como injustificado privilégio um regime que tinha fundadas razões para ser instituído e mantido, enquanto foi financeiramente viável conferir um tratamento específico a quem muito dá à comunidade".


Estas afirmações, feitas pelo Presidente da República no Congresso dos Juízes Portugueses , se proferidas antes, nomeadamente quando, em Setembro, recebeu a seu pedido os sindicatos do sector da justiça, poderiam ter sido um importante contributo para o esclarecimento público e para algum apaziguamento da tensão existente. Proferidas agora, tardiamente, correm o risco de ter o efeito contrário.

PROGRAMA PARA A TARDE DO FERIADO PORTUGUÊS, MAS EM PARIS

L'Institut des Hautes Etudes sur la Justice et le magazine Culture Droit vous invitent à participer à la rencontre-débat sur

LA BONNE GOUVERNANCE DE LA JUSTICE : LES TRIBUNAUX SONT-ILS SOLUBLES DANS LA LOLF ?

le jeudi 1er décembre 2005 de 16h à 18h30 au Palais des congrès de Paris (Porte Maillot) dans le cadre du Salon LEXposia 2005 (http://www.salonlexposia.com/)

Inscrivez vous dès maintenant et profitez d'un ACCES GRATUIT A LA CONFERENCE POUR LES ADHERENTS DE L'IHEJ ET LES MAGISTRATS en plus de l'accès à l'espace exposant et aux ateliers du Salon LEXposia 2005 (Tarif normal du Pass exposition : 140 €).
Pour participer à cet événement, veuillez retourner le bulletin d'inscription dûment renseigné par télécopie au 01 48 70 89 46 ou par courrier à l'adresse LEXposia - Forum LOLF 8 rue de Valmy 93100 Montreuil

En présence de représentants d'organisations syndicales de magistrats et d'avocats : Côme Jacquemin, Secrétaire Général du Syndicat de la Magistrature, Françoise Barbier-Chassaing, Chargée de mission à l'Union Syndicale des Magistrats - Pierre Conil, Président du Syndicat des Avocats de France).

Les débats seront nourris des analyses du Sénateur Laurent du Luard, auteur d'un important rapport sur le sujet, d'Yves Cannac, Président de l'Observatoire de la dépense publique et de Jean-Paul Jean, Président du groupe d'experts du Comité Européen Pour l'Efficacité de l a Justice (CEPEJ) au Conseil de l'Europe.

Pour la première fois et à quelques semaines de l'entrée en vigueur du nouveau dispositif LOLF, des représentants des Cours pilotes et du Ministère de la Justice nous feront profiter de leurs retours d'expériences et analyses, dont Patrice Davost, Directeur des services judiciaires au Ministère de la Justice, Elisabeth Linden, Premier Président de la Cour d'appel d'Angers, Alain Nuée, Premier Président de la Cour d'appel de Colmar, avec égalmeent la participation de Renaud Chazal de Mauriac, Premier Président de la Cour d'appel de Paris et d'autres représentants des Cours d'appel, des Parquets généraux et des Barreaux.

Les débats feront l'objet d'un compte-rendu dans le magazine Culture Droit.

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Autoridade da Concorrência reprova fusão entre Barraqueiro e Arriva

"A Autoridade da Concorrência (AdC) chumbou a fusão entre as empresas de transporte que operam na região da Grande Lisboa Barraqueiro e Arriva, anunciou hoje a entidade reguladora. Esta é a primeira vez que a AdC chumba uma operação de concentração desde que foi criada, em Janeiro de 2003. A AdC justifica a decisão com o facto de a operação poder originar uma posição dominante, "concentrando todos os transportes públicos, rodoviários e ferroviários, da zona sul de Lisboa na mesma empresa".A Barraqueiro detém a Fertagus, empresa que faz a travessia de comboio da Ponte 25 de Abril; a Rodoviária de Lisboa; e ganhou a concessão para a exploração do Metro Sul do Tejo.A Arriva detém os Transportes Sul do Tejo (TST), uma empresa de transporte rodoviário que opera na margem sul do Tejo, nos concelhos de Almada, Seixal e Sesimbra, Palmela, Barreiro e Setúbal.
A concentração entre os dois grupos envolveria numa primeira fase as empresas de transporte rodoviário e posteriormente a integração das participações da Barraqueiro na Fertagus e no Metro Sul do Tejo." 25.11.2005 - 18h20 Lusa

Ora aqui está uma notícia interessante. Só não está dito que a Barraqueiro era a anterior dona dos TST, que vendeu à Arriva. Antes não havia monopólio; e agora há? Como também não está dito que o mercado de transportes de passageiros não é livre, nem concorrencial; bem pelo contrário apenas se exploram as linhas aprovadas pela Administração Pública, que concede prioridade a quem for já transportador parcial ou totalmente na mesma linha, em regime de preços máximos fixados autoritariamente pelo Governo. Onde está o perigo do monopólio, se é esse o regime dominante no sector em Portugal? Aliás, dificilmente os transportes rodoviário e ferroviário sobrevivem em concorrência!

Mais valia que, de uma vez por todas, alguém pensasse na reforma do sistema de transportes em Portugal, seja por via da liberalização de serviços, seja por via da contratualização de exploração de uma rede integrada e coerente de transportes, que servisse efectivamente as populações e fosse factor de desenvolvimento económico e social.

Em Portugal, o sector dos transportes não é viável e necessita de uma reforma urgente. Aliás, grande parte das empresas nacionais pertencem a estrangeiros, inclusivé a Estados estrangeiros! Portugal nacionalizou e privatizou empresas, que vieram a ser adquiridas por empresas de capitais públicos estrangeiros. Estranha "liberalização" do sector!

25 novembro 2005

Estranho. Ou não?

Viagens da Procuradoria indignam Ministério Público

Vice-Procurador Geral esteve este mês no Qatar num encontro mundial. Em Dezembro, Souto Moura vai à China participar noutra reunião. Tudo pago pelo orçamento da PGR, que não tem verbas para pagar as traduções no DCIAP. Presidente do Sindicato do MP, António Cluny, vai pedir explicações ao Procurador-Geral. (Notícia do Portugal Diário, de hoje, 25)

Então agora viram-se uns contra os outros? Ou será que a "febre" anti-Souto Moura que grassa no PS atingiu já a própria corporação? Não seria melhor tratarem destas questões dentro de portas, em vez de virem publicitar mais um episódio que em nada contribui para a credibilidade do MP e da própria Justiça? Depois, queixam-se...

A Ota

A discussão sobre a construção do novo aeroporto na Ota ainda promete fazer correr muita tinta. Toda aquela encenação a que assistimos esta semana, envolvendo entidades e parceiros que só têm a ganhar com a construção da infra-estrutura, continua a não convencer todos aqueles que gostam de argumentos sólidos e irrefutáveis antes de avançar para um investimento elevadíssimo (3 mil milhões de euros!) e que marcará de forma decisiva o desenvolvimento estratégico do país.

Entre aqueles que têm questionado a oportunidade e a bondade do investimento, destacam-se, pela solidez da argumentação, o cronista Miguel Sousa Tavares e o economista e presidente da Associação Comercial do Porto, Rui Moreira. Mas o país precisa de mais opinion makers como estes e de mais reflexão sobre um projecto que tem consequências para todo os portugueses e não apenas para a região da Grande Lisboa. As nossas elites académicas, empresariais e políticas têm a obrigação de estudar com profundidade as várias implicações do projecto e defender as suas posições com argumentos sérios, contribuindo para que a população em geral fique esclarecida e faça, ela também, o seu próprio juízo sobre o assunto.

24 novembro 2005

A Igreja e os homossexuais

O Papa Bento XVI tomou uma decisão cujo alcance prático não consigo perceber: quem tiver tendências homossexuais não pode ser padre. Ora, é suposto que um padre, tenha tendências homo ou hetero ou bissexuais, não as ponha em prática. Logo, não vejo por que razão foi feito o édito. Ou será que os meus pressupostos estão errados?

Au Bonheur des Dames nº 14 (especial)

A doença do Manuelzinho



Relato dedicado à exma. senhora
Dª. A. M. A .M. das Anterianas Descalças no
ano da graça de 1991 e no mês de Novembro.



Permitir-me-á cara Amiga que lhe anuncie a triste notícia que no pretérito dia 4 de Outubro me chegou ao conhecimento por via telefónica.
O nosso prezado amigo Manuelzinho, distinto sportsman e reconhecido talento jurídico está a braços com uma “angina de peito”. Com o exagero habitual em tudo quanto faz não se contentou com uma veia (ou artéria, ou vaso capilar) semi-obstruído. Nada disso - teve de conseguir uma obstrução a 90%, isto é à temperatura a que ferve o ângulo recto.
Notícias mais recentes sossegam os admiradores do robusto pilar da Procuradoria-Geral da República. Intervencionado por meios que não me atrevo sequer a descrever, conseguiram os médicos pô-lo quase como novo reduzindo a perturbação circulatória a 10%, isto é à taxa actual de inflacção caso acreditemos (como devemos) no porta voz do Governo que sábiamente nos rege.
Agora que o seu coração de pomba torquaz está mais descansado (como aliás o do nosso extravagante amigo) ocorrem-me algumas reflexões sobre a doença que o afecta.
E comecemos por esta comezinha verificação - não me parece razoável que, com tantas doenças actualmente em vigor, ele tenha logo escolhido esta. É que não lhe quadra! Um mastodonte daqueles deveria, dada a posição social que ocupa, ter mais critério na escolha de uma doença.
Claro que nunca lhe recomendaria uma tuberculose mesmo que óssea. Trata-se, com efeito, de doença própria de pessoas magras com acentuado pendor para o absinto e para a poesia ultra romântica, de origem citadina, burguesa de preferência, ou operários da indústria conserveira. Ora o nosso Manuelzinho nasceu (se nasceu...) fora deste meio que acabo de identificar. Cresceu em viço, beleza e inteligência num esquecido meio rural à força de feijoada, grão de bico, enchidos e pratadas de arroz doce. Nunca leu Soares dos Passos, Victor Hugo ou Lamartine. Ou, se leu tais autores, cedo os esqueceu entre os indigestos volumes do Código de Processo e a leitura amável do Playboy.
Portanto a tuberculose não lhe estava destinada.
Também não se lhe pode propor essoutra praga que dá pelo nome de cirrose. O nosso Manecas é capaz de aviar, em menos tempo do que eu escrevo estas magras laudas, um quartilho de cerveja desde que bem fria e de borla. Mas não lhe puxa o pé, ou o fígado, para a soviética vodca, para o Bendictine das viúvas ou para o copo de três de tinto carrascão. O nosso herói tem fraca aptência por líquidos sejam eles alcoois brancos, tintos ou mesmo água. Recordo com indizível emoção que, nos idos de 69 ou 70, seu pai, pessoa de bem, ainda que demasiado loquaz, mo entregou em Miramar para prepararmos os dois um longo rosário de exames.
Nessa cerimónia, breve mas comovente, o Dr. Simas pai recomendou-me que todos os dias verificasse-se o seu já então alentado rebento lavava os dentes. “É que ele, dizia o ancião, de água não gosta senão para fazer windsurf”.
Outrossim não poderia, em consciência, propor a um tão importante magistrado doenças crónicas de mais do que duvidosa qualidade quais sejam hemerroidal, epilepsia, asma dos fenos ou flatulência não só porque disso já ninguém morre mas porque as tenho por indignas do personagem.
Também me pareceu que estariam fora de questão a poliomielite, o joelho de água, as rinites crónicas, o cólera morbus, a lepra e a portuguesíssima tinha. O “senhor Manuelzinho” não tem queda para presidente dos E.U.A., não pratica de criado de servir, só resfolega em ocasiões especiais, nunca foi à América Latina e muito menos à risonha localidade da Tocha, concelho de Mira, distrito de Coimbra.
Do seu passado africano seria possivel prescrever-lhe a malária, o beri-beri, a febre amarela e a doença do sono. Esta última, se bem que apropriada, está posta fora de causa. O pai do Mikter, em vez de ser mordido pela Tsé-Tsé, consumia uma colmeia inteira deste desagradável insecto convencido de que se tratava de formiga branca. Como o Óbelix da história ficou para sempre vacinado pelo que nenhum animal alado, vertebrado ou invertebrado, lhe mete medo.
Em desespero de causa, e com a amável cumplicidade de alguns amigos, inquiri se não sofreria de diarreia crónica, vulgo disenteria. Sofre mas de forma benigna ostentando a excelente média de cinco cagadas diárias, momentos de grande deleite espiritual em que, comodamente sentado em sanita especialmente reforçada, lê os jornais diários, a revista Maria e a versão grega moderna do Mahabarata.
Continuando: e que tal uma qualquer doença sexualmente transmissível gonorreia, sífilis ou SIDA?
Por muito que isso custe a acreditar tal hipótese parece ser de excluir. O nosso Manuel é um pilar da vida conjugal, mais virtuoso do que as onze mil virgens ou, até, mesmo, do que a Dra. Manuela Eanes. Não olha, não vê, não mexe nem sequer imagina a Marilyn Monroe a compartilhar-lhe algum leito vagabundo, relva fresca, praia isolada, alcatifa fofa ou sofá concuspicente.
Em breve conversa com o Mikter este sugeriu-me depois de ter bebido duas cervejas sem alcool (mas suspeito que uma, de facto, era Sagres da melhor) a “apoplexia”, que ele, onomatopaicamente mas com certo sentido do ritmo, definia como pim pam pum. A cavilosa proposta do abencerragem dos Simas é elegante mas, atrevo-me a dizê-lo, demasiado radical. É evidente que o espectáculo do nosso amigo a estoirar, metafórica e literalmente, com um morno ataque apoplético teria graça mas seria irrepetível por razões que me escuso de aflorar de tal modo me parecem evidentes. O nosso Manecas há-de morrer como todos nós, aliás, mas que isso aconteça mais tarde. Um morto por muito bom que possa ser não substitui um doente ainda que medíocre. Não é motivo de conversas entre amigos excepto no dia do funeral e isto quando não aparece um qualquer parodiante que desata a contar anedotas inibindo os chorosos acompanhantes de dizer mal do defunto.
Farto de prospecções neste doloroso capítulo e não obstante o meu já longínquo conhecimento da matéria (11 valores em Medicina Legal!) opto por propôr com humildade, mas também com a sensação do dever cumprido para o nosso querido amigo, a “gota”, maleita de velhos baronetes ingleses com um passado de campanhas na Índia ou de reis mais ou menos viciosos.
Doença típica das classes altas não se lhe conhecem antecedentes que a desqualifiquem do ponto de vista social, moral ou religioso a não ser algum abuso de Porto Velho, vintage de preferência. É compatível com condecorações, catarro e ventosidades nos momentos apropriados. O nome é curto mas sugestivo. Finalmente não há notícia que seja hereditária.

notas: O visado além de Conselheiro é um habitué do bisturi e foi mais uma vez á faca mas recupera excelentemente,Deo gratias.
Mikter é petit nom do filho, hoje mais crescidote e a praticar, tambem ele (!!!) de magistrado do M.P. É uma espécie de afilhado meu e durante os primeiros dezoito anos de existência terrena foi usufrutuário do banco direito de trás do meu carro por documento passado em boa e devida forma e reconhecido perante uma caterva de amigos comuns
.

Dediquemos esta crónica, porque não?, às senhoras que frequentam este local pedindo antecipada desculpa, por alguma referência mais fora de tom contida no texto.
E, claro, ao meu queridíssimo amigo Manuel Simas Santos, membro desta confraria bloguista,
amicus certus in re incerta


Paris, Centro Georges Pompidou
(19 Nov. 2005)

foto da minha boa amiga Gigi Mizrhai

23 novembro 2005

estes dias que passam 6

Europeu até dizer basta,
tão ibérico quanto o presunto
e mais português do que o cozido.

Eu gosto de títulos, mesmo se não perco muito tempo a procurá-los. E estou convencido que os títulos (como os nomes das pessoas em África) têm propriedades especiais, quase mágicas. Recordo uma historieta sobre Isaak Babel o malogrado autor de “Cavalaria Vermelha”. Conta-se que, quando ele era apenas um rapazola com fumos literários, se dirigiu ao famoso círculo literário dos “irmãos Serapion” e conseguiu que lhe permitissem ler um conto. Começou obviamente pelo título:”na Sibéria não crescem coqueiros”. Num grito uníssono e fraterno os serapiões todos levantaram-se aplaudiram-no e disseram-lhe: Não precisas de mais nada. Estás admitido neste grémio pois vemos que tens veia de escritor”. Si non è vero...

Vem esta balivérnia a propósito de um par de efemérides. De facto, há um ano pisei pela primeira vez este palco virtual e logo uma generosa criatura que não nomeio (para não a tornar ainda mais vaidosa...) me fez um comentário tão amável quão exagerado. Depois, passaram anos e anos sobre três eventos maiores que conformaram o mundo em que nasci, cresci e vivo. Refiro-me ao Julgamento de Nuremberga e à transição espanhola (não tanto a ela em si própria mas ao que de certo modo representou: o fim da guerra civil). E finalmente porque este é o mês em que nasci, sabe-se lá há quantos anos.
Ora então, amigas e amigos, pratiquemos sobre estes temas que dão, espero-o, substância ao título desta entrega do meu cahier d’écolier (este cheirinho de Éluard refere o mês da sua entrada na eternidade, Novembro é claro...).
As novas que nos vão chegando nem sempre honram os trabalhos passados e as “conquistas” civilizacionais do último meio século. Assim a ONU desistiu de inspeccionar a base de Guantánamo porque as autoridades americanas lhe negaram o direito de falar com os prisioneiros lá internados. Estamos num trágico mundo orwelliano: esta gente nem sequer tem os direitos que o julgamento de Nuremberga concedeu aos criminosos nazis. O direito a um julgamento justo, o direito à defesa, o direito a serem reconhecidos como pessoas. Com uma decisão destas, quem, neste momento, representa o país de Lincoln, manda às malvas as palavras admiráveis dos seus representantes naquele julgamento. Eu bem que rezo a S. John Ford, a S. Ernest Hemingway ou a S. Louis Armstrong e a mais um milheiro de santos como estes para tentar conservar na memória e no coração a terra de Dylan e Pete Seeger.
E isto dói sobretudo a quem, maravilhado, pisou uma vez o chão de Nova Iorque e sentiu-se em terra sua, quase em Buarcos. Não que tenha sido essa a vez primeira de entrar em terra desconhecida e senti-la súbita e calorosamente minha: sucedeu-me o mesmo com Berlim, terra de antepassados longínquos e de leituras mais próximas (e por todos cito o assombroso “Emílio e os Detectives” de Erich Kästner que me deram quando eu tinha dez anos...) e Paris que eu palmilhei de lés a lés entre memórias de Lagardére, Balzac, Hugo e Dumas. Ainda hoje, tantos anos depois, não passo sem me comover pelas ruas onde “viveram” d’Artagnan, Porthos e Athos). Nova Iorque foi um pancadão de filmes vistos em salas enormes e confortáveis onde se sentia a respiração do público, onde havia intervalos e corredores com as fotografias dos “artistas”. Agora é o que sabe: salecas absurdas, onde se ouve o mastigar de pipocas industriais, e se lobrigam três gatos pingados.

Mas deixemos isto e passemos, reconfortados por esse momento altíssimo da história do direito, que se chamou Nuremberga, para uma notícia mais animadora. O miserável Pinochet foi pela primeira vez acareado enquanto réu com outro meliante do mesmo calibre, o sinistro director da DINA (Dirección de la Inteligência Nacional), o almirante ou general Contreras que não quer estar sozinho na cadeia e acusa Pinochet de ter dado as ordens para a matança, a tortura e as prisões. E diz mais o loquaz Contreras. Diz que “Pinochet traiu os seus e deixou-os sós quando eles apenas cumpriam ordens”. Ora aí está!
A terceira notícia que merece referencia é esta: há 50.000 portugueses a trabalhar em Espanha como operários. E destes, 12.000 são clandestinos!!! E desses claro, vão morrendo em acidentes de trabalho uns quantos. As máfias de engajadores ganham fortunas com este tráfico moderno.
E tudo isto se passa na nossa vizinha Espanha, que entretanto celebra trinta anos de transição. Para os da minha geração, que tantas vezes cantaram o Ay Carmela, estes trinta anos têm um gosto doce e amargo. Doce porque trinta anos de liberdade sabem bem a qualquer um. Amargo porque a transição fez-se (não ocultando a história dos vencidos mas) sobre a premissa de não recordar demasiadamente os atropelos da guerra civil.
E com isto não pretendo dizer que o crime morou só de um lado, longe disso, que há muita merda infamante na herança da república, mas que bom seria que, de uma vez por todas, se enterrassem honradamente os mortos assassinados pelos franquistas. E são muitos, demasiados, até. Sabe-se que logo depois do “levantamento nacional” foram sumariamente fusilados aldeia por aldeia, cidade por cidade, bairro por bairro, mais de 150.000 pessoas (na contabilidade criminosa cada nacional vale quatro virgula três republicanos). E foram enterrados em milhares de fossas comuns, a beira dos caminhos, nas serranias e barrancos, por vezes em buracos abertos pelos próprios mortos. Sem sombra de julgamento como no fim da guerra ocorreu para mais cento e tal mil homens e mulheres, julgados em tribunais de guerra sobre a acusação espantosa de “rebelião militar” (como se não tivessem sido os ganhadores da guerra a rebelar-se contra um governo legítimo, saído das urnas e internacionalmente reconhecido...). Começa agora, lenta e prudentemente a tarefa amaríssima de abrir fossa após fossa, recolher ossos, fazer as perícias para dar sepultura a mortos duplamente mortos pois muitos há que nunca serão reconhecidos ou identificados. Apetece lembrar Bernanos, o grande escritor católico francês e o seu Les grands cimetiéres sous la lune.
De todo o modo, e como último conselho de leitura: La guerre est finie o grande argumento de Semprun para um filme do mesmo nome de Allain Resnais.
E com esta guerra finita, relembremos, o livro de Lobo Antunes Deste viver aqui no papel descripto, a que, muito justamente, o JL acrescenta hoje cartas de guerra de Manuel Beça Múrias, Afonso Praça e Fernando Assis Pacheco, morto há dez anos traído por um coração maior do que o mundo em frente à livraria Buchholz, o mesmo que disse:
Mas não puxei atrás a culatra,
não limpei o óleo do cano,
dizem que a guerra mata: a minha
desfez-me logo à chegada.
.....................................
dizem que a guerra passa: esta minha
passou-me para os ossos e não sai.
Outro companheiro do mesmo tempo, apetecia-me dizer: heróico, dedicou ao Fernando estas belas palavras:
Um poeta vestiu-se de versos e ficou nu
Dentro dos versos....
..........................
E agora? Perguntou.
Tinha acabado de morrer e renascia.
Trazia um povo aflito na canção.

Gostaria de ser lembrado assim: trago também um povo aflito no que vou dizendo; só me falta a pura palavra viva para o dizer.

atendendo ao momento político o 2º poeta fica anónimo mas com o rabo de fora

22 novembro 2005

O Presidente da República em Marco de Canaveses

O Presidente da República declarou, hoje, no Marco de Canaveses:
«Quero dar os meus sinceros parabéns a Manuel Moreira e aos demais eleitos nas autárquicas. O país todo focou a sua atenção em Marco de Canavezes nessas eleições e, por isso, quero saudar o novo ciclo que se inicia.»
Talvez Jorge Sampaio tenha tido presente as inúmeras exposições que alguns cidadãos lhe enviaram, numa das quais se dizia:
«Ferreira Torres consegue manipular os directórios locais do PS e do PSD.
As ameaças, os insultos e enxovalhos de que somos vítimas estão bem presentes nas gravações que temos das declarações de Ferreira Torres nos meios de comunicação , nomeadamente, “Rádio Marcoense” e Jornal “A verdade”.
Pouca gente imaginará a revolta, o cansaço e a desilusão que sentimos pelo não funcionamento das instituições que neste País zelam pelo direito e pela justiça.(...)
1º - É urgente acabar com o escândalo da prescrição dos processos. Temos de exigir que se crie expressamente uma norma que consigne que todos os recursos interpostos depois de pronúncia só subam a Tribunal Superior com o que vier a ser interposto da decisão final. Se esta norma já tivesse sido criada, os crimes de que é acusado Ferreira Torres não prescreveriam, nem o autarca mostrava o desprezo que demonstra pelos tribunais.
2º- É urgente que o artº 61º da lei 98/97 de 26 de Agosto (lei Orgânica do Tribunal de Contas), seja revisto (sobretudo no seu ponto 5º) por forma a responsabilizar não só os técnicos que dão informações, mas também os autarcas que as executam.
Sem estas alterações, a impunidade dos autarcas continuará a funcionar como um rolo compressor que se abate sobre cidadãos dignos, que sentem como um dever moral o exercício da cidadania.
A lei não pode continuar a ficar à medida dos “chicos-espertos” que se servem da democracia para proveito pessoal.»

blogues, blawgs e blagues

Confesso com a habitual imodéstia que me reconhecem que pensava ser eu o autor do dimuitivo Kami (pequeno génio em japonês) e é com com uma certa inveja que verifico que nosso carteiro se me adiantou: também não havia muito que esperar: os carteiros batem sempre duas vezes...
Como, com os anos, me vou tornando mais duro de ouvido e de bestunto não compreendi bem o texto da viajeira Kamikaze: tinha-me parecido que ela deixaria em parte de assegurar o excelente noticiário comentado das cousas do direito. Pelas reacções (e neste caso a caixa de correio apareceu-me cheia de hediondos símbolos que me põem a cabeça (ainda mais) a razão de juros) verifico que muito justamente haverá quem tema que a Kami se balde pela esquerda baixa, leve, levemente, como quem se despede à francesa...
Ora se isso é assim, há que atalhar rápido - e daí este postal directo e ao correr da pena, digo do dedinho tecleador... - e dizer à "unica administradora em exercício" que nem por sombras, que ela é necessária como o pão todas as manhãs. E não apenas porque me dá dramáticas explicações de blogosofia ou porque toma conta do estaminé enquanto os do costume entram por aqui como quem entra numa acolhedora casa de pasto; mandam vir dois bolinhos de bacalhau e uma jarra de vinho e aí vai disto, conversa até ás tantas, e agora mais uma cervejinha e depois outra, então não há tremoços e nada de levantar o cu da cadeira para arrumar o desarrumado, ajudar a lavar os copos ou fazer uns recadinhos à gerente. Isto cansa. Até eu que sou um analfabeto blogador (sou mesmo um imprestável mas sério candidato ao nobel dos analfabrutos do virtual...) reconheço que de vez em quando é natural uma pessoa fartar-se.
Mas, Kami, Vocelência está enganada: o povo bloguista, ou pelo menos esta pouco útil unidade desse povo, estima-a para além da administração. E já lho disse mas repito agora, na voz passiva se for preciso, ou na perifrástica (que já não sei como é...) que para além desse dom para as fotografias e eu posso honradamente dizer-lho porque o meu jeito para essa arte é idêntico ao do homem das cavernas (já agora não resisto em contar-lhe uma história verdadeira, verdadeiríssima: uma vez, estando em Veneza, nos idos de setenta e poucos, deu-me para comprar uma máquina fotográfica. Meu dito e meu feito: entrei na primeira locanda de tais artigos e saí apetrechado com uma "Yashika" - será assim? - pequenina, coisa fácil de usar que paguei por um porradão desconforme de liras. Ia eu no vaporetto a subir o canal grande quando vejo um enterro. Foi tiro e queda: afinfei-lhe com a tal yashika e foi um louvar a deus. Daí até ao meu destino disparei sobre tudo o que se movia e gastei um rolo inteiro. Por razões que se prendem directamente com a minha preguiça não tirei mais nenhuma fotografia até chegar à pátria imortal do nobre povo nação valente. Levei, com carinhos de pai estremoso, a máquina á primeira casa fotografica que vi para revelar aquela minha extraordinaria campanha fotográfica. Quando fui pelos resultados, o profissional que me atendeu olhou-me com curiosidade e pediu-me para lhe mostrar como tinha tirado as fotos. Num gesto nobre e senhorial agarrei no maquinismo e mostrei o que sabia. Falando vagarosamente como quem se dirige a um atrazadinho o amavel profissional observou-me que eu tirara as fotos ao contrário, olhando pela objectiva. Coisas de canhotos... ) Quer isto dizer que mesmo a falar de fotografia valho o que valho), V. tem escrito coisas bem giras e de muito bom ler.
Onde é que eu ia. Ah, já sei: a hipotese de V. só dar ao dedo blogueiro SE...
Kami! Nem se nem meio se... Você é parte disto, sem V. isto não tem graça. Sem V. e sem outros, claro, mas V. é, tem sido, a espinha dorsal desta jeringonça.
E já agora, que estou com a mão na massa: os cavalheiros juristas que aqui tenho tido o prazer de encontrar (caramba!, nunca pensei que alguma vez diria isto...) fazem mal em desandar daqui. Um blogue faz-se de tudo e de nada e mesmo, custa dizê-lo, de alguns palpites sobre o direito. Os juristas para além dos defeitos que todos lhes (nos) reconhecemos tem também o vício redibitório de saber pensar razoavelmente, de argumentar com alguma lógica e de perceber bem a diferença entre o útil e o pomposo. O grave é se falam em roda fechada. Aí nem Deus os salva.

Portanto, Kami: firme no posto de comando.
E os outros: ao trabalho malandros que já basta de tanto privilégio... Senão solto-vos ás canelas quem vocês sabem...

PSICOLOGIA FORENSE

Image hosted by Photobucket.comPSICOLOGIA FORENSE é o título do livro que acaba de ser editado pela Quarteto (Coimbra), com coordenação dos professores de psicologia da Universidade do Minho, Rui Abrunhosa Gonçalves e Carla Machado.Nas razões deste livro, que aborda as diferentes áreas de intervenção da psicologia forense, dizem os coordenadores que "procura, em primeiro lugar, colmatar uma lacuna no panorama editorial português, onde são conhecidos desde há muito manuais de psiquiatria forense e onde a psicologia forense é citada mas não consubstanciada. Por outro lado, e atenta a actualidade jurídica portuguesa, onde cada vez mais os psicólogos são chamados a pronunciar-se e a executar perícias ou exames forenses em casos cíveis e criminais, pareceu-nos que poderia ser de extrema utilidade a apresentação de "roteiros de avaliação psicológica" que pudessem de algum modo "guiar" a intervenção dos profissionais em tais tarefas".

Um livro que é instrumento valioso para psicólogos e juristas!

da chuva



sentes a música suave da chuva
na noite deserta,
o arrepio da vida atravessando
um corpo de pensamentos
e pele,
elevados pela tua humanidade.
a mesma que, pequena,
confronta-te com a morte
todos os dias.

no entanto cantas a melodia
que chove lá fora.
é este o momento,
sempre apenas este.




silvia chueire

E no entanto, lá por fora...

O Canadá adopta medidas de transparência. O ministério da Justiça canadiano adoptou uma série de medidas para melhorar o seu sistema de nomeações de magistrados federais. Uma das mais marcantes será a instauração de um Código de Ética dirigido aos membros dos comités que examinam as candidaturas de quem pretende ocupar um lugar de juiz. Outra medida foi a publicação de uma lista de linhas de orientação que deverão governar a participação dos membros do comité consultivo nos processos. A nomeação dos juízes canadianos é feita a partir de uma avaliação meritória. O ministro da Justiça Canadiano considera apenas para nomeação os magistrados que são recomendados ou fortemente recomendados por estes comités, constituídos essencialmente por cidadão não ligados à actividade judicial.

desblawgar

ou

"o que parece é"

As caixas de comentários do Incursões dão-me cada vez mais gosto ler. Não só pela oportunidade e interesse do que muitas vezes nela escrevem os colaboradores e outros tantos leitores, em escritos que bem dariam outros tantos posts, mas também porque parece ter-se retomado um certo espírito inicial de tertúlia…
Agrada-me sobretudo vislumbrar que, pelo menos entre os colaboradores mais constantes, se criou um certo grau de conhecimento virtual e empatia mútuos que os/nos leva a sentirmo-nos, de facto, como uma pequena comunidade – tendo, para mais, a empatia saído reforçada dos poucos contactos pessoais havidos. Esta é uma característica muito própria do Incursões que me agrada sobremaneira e que, nalgum momento, me criou como que um “vício incursionista”…

Quando fui convidada, já a carruagem ia em velocidade de cruzeiro, para colaborar no extinto Os Cordoeiros, precursor do Incursões, os temas relativos à Justiça (e ao Judiciário) eram expressamente tidos por um dos “temas de eleição” dos seus mentores, dada a percepção da imprescindibilidade de abrir canais que permitissem, sobretudo aos magistrados que para tanto de outros meios não dispunham, expressar ideias, sugerir caminhos, coligir informação dispersa ou, por vezes, tão só manifestar perplexidades…

Durante estes quase dois anos que passaram desde a criação de Os Cordoeiros (ano e meio desde a criação do Incursões) praticamente todos os magistrados que deram corpo a este(s) projecto(s) foram, paulatinamente, seguindo outros caminhos – a maioria interrompeu a viagem, outros preferiram outros meios de transporte.
Durante o último ano, apesar de já não ser magistrada nem estar, sequer, profissionalmente ligada ao mundo do direito, procurei militantemente manter na agenda do Incursões os temas da Justiça e do Judiciário e, desde ha demasiado tempo, sou a unica administradora em exercicio.

Mas eis que, finalmente, a blawgoesfera se anima de forma aparentemente consolidada.
Assim, dos vários blawgs de juízes que nasceram como gritos que se libertam de gargantas há muito sufocadas, num afã de sistemática contraposição de argumentos às afirmações demagógicas do Ministro ABC e seus assessores na comunicação social, alguns iniciaram o caminho da análise do funcionamento do sistema e da apresentação de propostas construtivas (cfr. Indice Tematico na side bar do Incursoes).
Também o jovem Sine Die, colectivo de juízes e magistrados do MP (onde estao os anunciados advogados?), parece trilhar aquele último caminho, aliás de forma ja bem mais programatica e estruturada - se bem que, lamenta-se, sem possibilidade de exarar comentários (nem sequer com moderação prévia!?!)
No Mar Inquieto Rui do Carmo, curiosamente num "estilo muito espirito incursionista", regularmente partilha, para alem de muito mais, fundamentadas e profícuas reflexoes, quer sobre temas da prática judiciária quer sobre temas estruturantes para o funcionamento/reforma do sistema de justiça, sem esquecer algumas dicas oportunas (v., p. ex., este post de ontem). Para ser perfeito só falta mesmo os leitores passarem a usar as caixas de comentários…
Na Grande Loja do Queijo Limiano, nestas matérias já com apreciáveis pergaminhos, sobretudo pela pena dos incansáveis José e Manuel, nenhum tema da agenda mediática passa em claro.
No Informatica do Direito onde, entre outros juristas, pontifica Francisco Bruto da Costa, opina-se com oportunidade e substancia.
No disLEXias Alexandra Mendonça proporciona informaçao util (e observaçoes pertinentes) para alem da agenda comunicaçao social e, quanto a esta, o repositorio completo(e nao so) pode ser consultado no Vexata Questio.
No Patologia Social, complementado pelo A Revolta das Palavras, por entre novas da jurisprudencia JABarreiros, sintetica e incisivamente, nao da treguas.
No Verbo Jurídico, para além das reflexões do seu autor, JoelTRPereira, sao coligidos diariamente, os "recortes da justiça" e, mais recentemente, as "cronicas da justiça" – quase se tornando dispiciendo, para quem queira estar a par do que se vai escrevendo sobre estes temas, perder-se na consulta de jornais e de blawgs diversos, não fora o bem apertado critério editorial do autor.

É pois tempo de a Kami (confesso que me enternece o petit-nom, ideia do maroto do Carteiro) deixar a militância judiciário-postativa, visto que, final e felizmente, já não há nexexidade, e passar a escrever como os demais colaboradores: apenas se, quando, como e sobre o que lhe aprouver (tudo dentro do tal “espírito incursionista”, ainda que auto-actualizado, claro!)

Como unica administradora em exercicio (espero que nao por muito mais tempo) fica a promessa de continuar a zelar pelo bom funcionamento do blogger e a de retomar a actualização do Índice Temático.

Como Little Palha, as mais das vezes Lots of Palha daqui envio os mais sinceramente amistosos abraços a todos os meus companheiros/resistentes nesta aventura incursionista.
Bem-hajam!

21 novembro 2005

A minha terra em Londres!

Tem estreia marcada para amanhã na Greenwich Playhouse, em Londres, a peça "O crime da aldeia velha", baseada na obra homónima de Bernardo Santareno. Com tradução, adaptação e produção de Alice de Sousa e encenação de Bruce Jamieson, a peça é apoiada pela Fundação Gulbenkian e pelo Arts Council do Reino Unido.
Como muitos saberão, a história baseia-se em factos verídicos ocorridos nos anos 30 em Soalhães (a minha terra e também do amigo carteiro), concelho de Marco de Canaveses, onde decorreu um auto-de-fé popular sobre uma mulher acusada de bruxaria e que foi queimada viva.

A visão

A frase atribuída no último “Expresso” a Francisco van Zeller, presidente da CIP, é reveladora da visão estratégica que aquele dirigente possui sobre a realidade nacional e o desenvolvimento do país. Questionado a propósito da construção do aeroporto da Ota e do carácter nacional daquela infra-estrutura, que poderia vir a beneficiar a região Centro, van Zeller disse que “O país é Lisboa e o Porto, e o resto não conta!”.
Independentemente da questão da Ota – mal pensada, projectada em cima do joelho e desarticulada face a uma estratégia nacional de verdadeiro ordenamento do território – a afirmação do “patrão dos patrões” mostra uma total insensatez e a incapacidade de projectar o país para além dos salões pretensamente cosmopolitas.
O que é que havemos de esperar em termos de desenvolvimento estratégico do país quando as forças de pressão, corporizadas aqui pelo presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, são capazes destes dislates.

COMPROMISSO

Como quem pega na vida
por vezes fora de hora
como quem treina o palato
com tão dispersa comida
tal esta voz dividida
a cumprir o seu contrato
assinado a sangue e sina
de não calar nenhum facto
(de ser fiel no relato).

Com selo branco gravado
e escrito a tinta-da-china
ficará testemunhado
e em cartório arquivado
que será remo lançado
a remar contra a rotina;

contra a palavra servida
em pratos já consabidos
ou em fervor requentado;
contra a ordem recebida
humana seja ou divina
venha de cima ou de baixo;

contra a vileza expandida
com trajes bem à medida
de falsária urbanidade;
contra a besta desabrida
que sufoque a nossa vida
e nos roube a liberdade.


João Rui de Sousa

Lavra e Pousio (D.Q uixote, 2005)

Na hora da despedida: a paixão de pensar

Tenho que confessar que os blogs nunca foram meio de intervenção que me seduzisse particularmente.
No entanto, gostei desta efémera experiência blogueira.
Notei, com pena ou defeito meu, que a magistratura portuguesa continua a ver inimigos em todo o lado, a chutar para fora tudo o que são críticas justas e a fazer vista grossa aos temas que a poderiam melhorar (e a blogosfera seria aí um interessante campo de análise…).
Espero ter honrado minimamente o nome dessa grande e inconformista figura da magistratura que foi Casamayor. O nick esse vai ficar sempre guardado comigo.

Deixem-me, para terminar, referenciar um livro que li recentemente, já antigo mas não editado entre nós, do grande historiador italiano Carlo Ginzburg intitulado Il formagio e i vermi Il cosmo di un munaio del’ 500 (O Queijo e os Vermes- o mundo de um moleiro do século XV).
Trata-se da extraordinária e verídica história de um moleiro, resgatado do esquecimento por Ginzburg, que no século XVI foi julgado como herege e condenado à morte pelo Tribunal da Inquisição.
De seu nome Domenico Scandella, conhecido por Menocchio, este moleiro defendia uma singular cosmogonia segundo a qual “tudo era um caos, isto é, terra, ar, água e fogo juntos, e de todo aquele volume em movimento se formou uma massa, do mesmo modo como o queijo é feito do leite, e do qual surgem os vermes, e esses foram os anjos”.
Ginzburg, através do processo que lhe foi movido, reconstrói a visionária mente deste estranho moleiro o qual, confrontado com os seus julgadores, confessou a solidão do seu pensamento e o pesar de não ter com quem dividir a dúvida, dizia ele que se o tivesse “falaria tanto que iria surpreender… Se me fosse permitida a graça de falar diante do papa, de um rei ou príncipe que me ouvisse, diria muitas coisas e, se depois me matassem, não me incomodaria”.
Menocchio não recuou perante a Inquisição.
Foi depois mandado matar por ordem directa do papa Clemente VIII.
Neste nosso mundo ambivalente de liberdade de expressão e de apatia, trata-se de uma extraordinária lição de coragem, de um homem vulgar, que tinha o estranho vício de pensar, de ter dúvidas e de as expressar.

Um abraço

13 de Novembro de 2005

Casamayor

Dia Mundial da Criança

Declaração dos Direitos da Criança

Adoptada pela Assembleia das Nações Unidas de 20 de Novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil.
PREÂMBULO
VISTO que os povos da Nações Unidas, na Carta, reafirmaram sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano, e resolveram promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla,
VISTO que as Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamaram que todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades nela estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição,
VISTO que a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de protecção e cuidados especiais, inclusive protecção legal apropriada, antes e depois do nascimento,
VISTO que a necessidade de tal protecção foi enunciada na Declaração dos Direitos da Criança em Genebra, de 1924, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos estatutos das agências especializadas e organizações internacionais interessadas no bem-estar da criança,
Visto que a humanidade deve à criança o melhor de seus esforços,
ASSIM, A ASSEMBLÉIA GERAL
PROCLAMA
esta Declaração dos Direitos da Criança, visando que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as melhores em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam este direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas, de conformidade com os seguintes princípios:
PRINCÍPIO 1º
A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração. Todas as crianças, absolutamente sem qualquer excepção, serão credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família.
PRINCÍPIO 2º
A criança gozará protecção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidade e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança.
PRINCÍPIO 3º
Desde o nascimento, toda criança terá direito a um nome e a uma nacionalidade.
PRINCÍPIO 4º
A criança gozará os benefícios da previdência social. Terá direito a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão proporcionados cuidados e protecção especiais, inclusive adequados cuidados pré e pós-natais. A criança terá direito a alimentação, recreação e assistência médica adequadas.
PRINCÍPIO 5º
À criança incapacitada física, mental ou socialmente serão proporcionados o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição peculiar.
PRINCÍPIO 6º
Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afecto e de segurança moral e material, salvo circunstâncias excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.
PRINCÍPIO 7º
A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário.
Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade.
Os melhores interesses da criança serão a directriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.
A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito.
PRINCÍPIO 8º
A criança figurará, em quaisquer circunstâncias, entre os primeiros a receber protecção e socorro.
PRINCÍPIO 9º
A criança gozará protecção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. Não será jamais objecto de tráfico, sob qualquer forma.
Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral.
PRINCÍPIO 10º
A criança gozará protecção contra actos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Criar-se-á num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus semelhantes.

20 novembro 2005

Diário Político 7

A visita da Velha Senhora


Ao contrário da de Dürrenmat, esta Velha Senhora existe, está viva e bem viva, apesar dos quase 95 anos que carrega. Reina com serena bonomia e melhor apetite sobre uma tribo de 5 filhos ainda vivos, 16 netos, 21 bisnetos e um trineto, contas feitas por baixo. Nasceu quando o século XIX se despedia e, com ele, uma imensa fortuna acumulada nos sertões de Huila. Aos 16 anos embeveceu-se por um garboso militar e com ele partilhou vida e aventuras, sentiu o cheiro da pólvora bem de perto, pariu filhos a centenas de quilómetros da civilização, em sua casa recebeu presidentes da república e beleguins da "benemérita" que lhe buscavam filhos e netos. Resistiu a tudo com rijeza, humor e coragem. Agora apoia-se na bengala e só pede mais uns anos de vida para que os bisnetos mais novos e o trineto a conheçam bem e a recordem melhor.

Na família aposta-se sobre a idade em que nos deixará e os mais pessimistas acham que ela não passará dos 110 anos. Ela finge que não nos ouve, vai fazendo as suas rendas e contabiliza com feroz exactidão os namoros das bisnetas.

É pois este o apressado retrato daquela a quem alguns dos netos chamam a "Velha Senhora".

Apresentada vejamos a que vem a visita que titula o folhetim. Foi assim:

Nos idos de 67, se a memória me não falha, a "benemérita" entendeu alojar a expensas do Estado dois membros da família - mais precisamente um filho e um neto da Velha Senhora respectivamente tio e irmão deste que ora traça estas frouxas linhas.

Apanhados de surpresa, reunimo-nos uns quantos familiares sob a égide de uma tia aventureira e depois de breves considerações entendemos que a gravidade das acusações que impendiam sobre os nossos presos não permitia escondê-las da Velha Senhora que, na altura, se aproximava, com garbo, dos 70 anos.

Não era fácil explicar, mesmo a quem, nesses anos de chumbo, lia e propagandeava Rúben A (!!!) e Cardoso Pires (que ela sempre chamou, vá lá saber-se porquê, Pires Cardoso) a prisão política, a aventura maoísta e a necessidade de a família não só se mostrar unida mas, sobretudo, orgulhosa e solidária a 110 por cento com os encarcerados.

Dessa delicada tarefa encarregámo-nos a tia Nené e eu. A anciã ouviu-nos um par de minutos, declarou-se satisfeita e apta, contou-nos uma história do Paiva Couceiro e ala que se faz tarde rumo a Caxias-sur-mer.

Uma vez chegados e cumpridas as formalidades de usança, eis que nos prantámos os três frente ao parlatório onde surgiu, lívido e insone, o meu conspirativo irmão. A Velha Senhora olhou-o atentamente, reprimiu emoções e indignações e, na bela voz de contralto forte que lhe conhecíamos, disse-lhe: "Ó Tanézinho não sabia que eras bolchevista. Porque é que nunca contaste isso à Avó?"

O agente que nos guardava estava esbugalhado e desesperado por entender. Eu sentia, de repente, uma vontade louca de rir, gritar alto. Quanto ao meu irmão, o sangue ia-lhe comendo paulatinamente a palidez de tanta noite sem dormir, os olhos desencovavam-se e, longe, lá atrás, ouvia-se - juro que se ouvia - ténue mas segura, a "Internacional".

A Sua bênção Velha Senhora!



esta croniqueta, cometida nos idos de 95, não é de nenhum modo inédita mas, valha a verdade, o livrinho onde ela corre teve pacatíssima difusão, digamos mesmo confidencial. Provavelmente também não merecia mais. A Velha Senhora entretanto morreu aos 97 anos cercada do carinho de filhos netos e bisnetos e é sempre relembrada com alegria. E com um imenso e desconforme orgulho: nós somos assim: pobres mas imodestos.
Com licença dos leitores será seguida de uma segunda parte.

Tribunal de Nurembergue revolucionou Justiça internacional

Tribunal de Nurembergue revolucionou Justiça internacional
Coordenado por norte-americanos, há 60 anos, o Tribunal de Nurembergue julgou 22 líderes nazistas por crimes contra a humanidade. Hoje os EUA não reconhecem o Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia. O julgamento de 22 líderes nazistas na Corte de Nurembergue começou em 20 de novembro de 1945. Seis décadas depois, o legado de Nurembergue se evidencia no desenvolvimento do moderno Direito Internacional. Nurembergue hoje é praticamente um marco na Justiça internacional devido ao julgamento dos crimes da Segunda Guerra. Escolhido pelos Aliados no final da guerra, o tribunal coordenado pelo chefe da Justiça norte-americana, Robert Jackson, colocou 22 nomes do grupo de elite do nazismo, incluindo Hermann Göring, Rudolf Hess e Joachim von Ribbentrop, no banco dos réus. Os julgamentos duraram mais de um ano e resultaram em 12 sentenças de morte. Göring foi condenado, mas cometeu suicídio.
Corte Internacional de Haia
O Tribunal de Nurembergue foi revolucionário em vários aspectos, inclusive nos avanços que promoveu na proteção dos direitos dos réus. "Nós nunca devemos esquecer que os registros do julgamento destes réus hoje são os registros pelos quais a história irá nos julgar amanhã", advertiu Jackson na sessão de abertura. "Dar para estes réus um cálice de veneno significa colocar veneno nos nossos lábios também."Em Nurembergue, crimes de guerra foram julgados pela primeira vez em um tribunal internacional. Ficou claro, de acordo com o discurso de Jackson, que os norte-americanos, em particular, esperavam que o tribunal servisse de modelo para um sistema de Justiça internacional com uma corte permanente para casos de genocídio e crimes contra a humanidade.
De proponente a oponente
Ironicamente, nos anos seguintes, os Estados Unidos se tornaram a maior força de resistência ao estabelecimento do Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia, afirma Uwe Wesel, professor emérito de Direito Civil e História do Direito da Universidade Livre de Berlin."Na época dos julgamentos de Nurembergue, as Nações Unidadas escolheram uma comissão internacional de especialistas em Direito, mas essa comissão tropeçou em diversos obstáculos", diz Wesel. "A Guerra Fria veio e os Estados Unidos começaram a pensar duas vezes antes de participar, em função do medo que os norte-americano acabariam também sendo julgados por crimes de guerra. Após o fim da União Soviética, eles continuam hesitando." Diante da resistência dos norte-americanos em se submeter às leis criminais internacionais, o fato de o TPI existir é um "milagre", opina Wesel. Ele acrescenta que "a hostilidade dos Estados Unidos diante da Justiça criminal internacional tem se fortalecido principalmente na administração Bush, resultando na aprovação do American Service-Member's Protection Act, que permite aos Estados Unidos, se necessário, usar a força para libertar norte-americanos mantidos sob custódia pel TPI".
Ajustar precedentes legais
Especialistas vêem em Nurembergue a raiz para todos os jugamentos subseqüentes relacionados aos direitos humanos, dos processos movidos contra o presidente iuguslavo Slobodan Milosevic até os julgamentos dos acusados de genocídio em Ruanda, passando pelo processo formal do ditador iraquiano Saddam Hussein. Mas a decisão de levar Saddam a uma corte especial no Iraque tem sido vista por especialistas como uma falha a ser corrigida nas lições de Nurembergue. Em 1945, os Aliados foram criticados juristas, que disseram não ser apropriado que os derrotados fossem julgados somente pelos vencedores. Wolfgang Schomburg, o único juiz alemão no Tribunal das Nações Unidas para Ruanda, disse que a corte iraquiana, escolhida durante a ocupação norte-americana, se assemelha ao caso dos "vencedores que julgam os derrotados". Para ele, o ideal seria levar o caso a uma corte internacional. 'No caso de Saddam, uma corte internacional teria mais legitimidade'". O julgamento teria mais legimidade, se o caso fosse submetido à apreciação de uma corte internacional", afirma Schomburg. "Esses crimes são sempre cometidos contra o mundo civilizado e a apreciação deveria ser feita pelo mundo civilizado. Ou seja, por um tribunal internacional com uma visão distanciada, mais neutra."
As lições da Alemanha
Schomburg é a prova viva de que as nações cujos cidadãos cometem crimes hediondos contra a humanidade podem, com o amparo de procedimentos judiciais justos, pôr um ponto final no passado e seguir adiante. Embora ele se veja como um juiz internacional, tem a consciência de que, diante da sua nacionalidade, pode mostrar ao mundo, através das suas atitudes, que a Alemanha voltou ao normal. "E estou festejando o fato de ter concluído os primeiros quatro anos do meu trabalho no tribunal sem um único membro do grupo ter me questionado como eu, um alemão, posso atuar nesse tribunal", disse Schomburg. "Por outro lado, eu fico geralmente comovido quando cito partes dos julgamentos de Nurembergue, ao ver como nós estamos sempre em confronto com o passado e com as lições aprendidas pela sociedade alemã." Schomburg ainda tem a esperança de que os Estados Unidos recuem, lembrem-se dos julgamentos de Nuremberg e endossem a Corte de Crimes Internacionais. "Sou sempre um otimista", afirma Schomburg. "Eu acho que os norte-americanos têm dado uma incrível contribuição para a regulamentação das leis e a fundamentalização dos direitos. É possível que os EUA acabem tendo que ratificar a ICC por verem que é em seu próprio interesse. Por outro lado, é difícil aceitar que cobrem que lutemos contra o terrorismo com meios civilizados e, ao mesmo tempo, não permitam que a legislação internacional lute contra os crimes cometidos pelos terroristas."
Deanne Corbett (mp)
in

19 novembro 2005

telegrama urgente

Um caixote com 15 cds do Armstrong por €12,50 (isso mesmo: doze e meio euros)?
Outro caixote da Billie Holiday com 10 discos por preço semelhante,
Ainda outro do Nat King Cole com 10 discos, idem, aspas, aspas?
Ó malta, nem que sejam fracos os discos mas a este preço vale a pena arriscar. Ainda os não ouvi mas lendo a discografia do Armstrong descobri que vem lá coisas dos "hot five", ou seja antiguinho e bom!
Eu não gosto da FNAC portuguesa que, a meu ver, trata mal o jazz, a clássica e a boa literatura mas, por uma vez sem exemplo, recomendo uma ida exploratória por estes discos.
E também lá tinham os discos que me lá tinham levado: a sublime Bartoli ("Opera Proibita" e "Salieri Album") e o redescoberto Thelonius Monk quartet com John Coltrane no Carnegie Hall em 29 Nov de 1957!!! (11valores numa escala de 10).
estão avisados.

18 novembro 2005

suplemento a estes dias que passam (5)

Não gosto de repetir temas até á exaustão mas, de facto, o caso merece mais uma nota. Resumindo: há três ou quatro anos a França foi espantada com um caso de "costumes" gravíssimo porque envolvia pedofilia. Duas dezenas de pessoas, até esse momento anodinas, foram acusadas de pedofilia e de tudo o resto. O processo foi como de costume conduzido por um juiz de instrução, o tribunal foi assessorado por psicólogos e os testemunhos foram devastadores. Como resultado tudo condenado a penas bem pesadas.
De repente há umas pessoas que se retractam e saem imediatamente da cadeia uma boa parte dos arguidos, cujas vidas estavam /estão desfeitas.
Ontem, num dos julgamentos de recurso um padre operário foi inocentado pelos seus jovens acusadores. Hoje foi a vez de mais uns tantos (todos, julgo) acusados serem postos em liberdade. Os acusadores crinças e adultos vieram à barra desdizer tudo e, no caso dos acusadores adultos, pediram perdão aos desgraçdos que já estavam "dentro" há quase três anos.
Juízes, procuradores, polícia e tutti quanti (incluindo uns psicólogos peritos???) estão agora na pior das posições na medida em que alinharam com uma ingenuidade que raia o absurdo, para não dizer criminoso nesta caça às bruxas que tem o triste nome de Processo de Outreaux.
Como persisto em não querer falar de processos mais próximos (e tão surpreendentes quanto este) aqui deixo a notícia. Para quem quizer saber mais aconselho a leitura dos jornais franceses de amanhã (O LE MONDE por exemplo) ou mais fácil ainda os noticiários da TV5.
Sirvam-se Senhores e Senhores.