31 outubro 2006

O rapaz do trapézio voador


A sanha com que alguns apaniguados de ocasião continuam a defender a possibilidade de o PGR voltar a apresentar ao CSMP o nome por este vetado para a nomeação como Vice-PGR, leva, na verdade, a temer que o caso venha a ter desenvolvimentos mais próprios de uma novela mexicana que de um Estado de Direito.

Como creio já ter afirmado, nada me move a favor ou contra o PGA Dr. Gomes Dias. Com a informação de que disponho, não estou, sequer, em posição de opinar sobre a razoabilidade da sua eventual nomeação.

Tenho porém como certo que, à luz de qualquer elemento – literal, lógico, teleológico, histórico... – a interpretação do disposto no Estatuto do MP é clara no sentido de que um nome “vetado” não pode ser sujeito a nova votação, como já foi sobejamente justificado em numerosas opiniões fundamentadas sobre essa matéria, publicadas na imprensa e na blogosfera.
Essa interpretação era, aliás, corrente e incontestada, até ao momento, recente, em que, para alguns, pelos vistos se tornou inconveniente.

Na verdade, o Estatuto do MP não prevê qualquer mecanismo destinado a ultrapassar uma deliberação do CSMP que vete um “nome” para Vice-PGR. Como tal, uma vez deliberado, um “veto” produz plenamente os efeitos que lhe são próprios, ou seja, formula um juízo definitivo sobre a não adequação do perfil proposto, excluindo o indigitado da nomeação em causa. Para evitar situações de impasse – já que a lei pressupõe que o CSMP possa, legitimamente e com toda a normalidade, ter um entendimento diverso do do PGR nesta matéria - a opção do legislador foi no sentido de consagrar um limite máximo de nomes (leia-se: diferentes magistrados) cuja nomeação pode ser vetada (dois). Caso sejam vetados dois nomes propostos pelo PGR, um terceiro nome proposto não poderá ser vetado, prevalecendo o entendimento do PGR quanto à adequação desse nome, em caso de divergência com o Conselho.

Nem se diga que esta solução é absurda, por conduzir, hipoteticamente, o CSMP a ter de aceitar um nome “pior” que os anteriormente vetados.
Antes de mais, convirá ter presente que todos os sistemas pressupõem e exigem bom senso na sua aplicação. Assim, no caso de o PGR não estar seguro da receptividade do CSMP face à sua primeira escolha, mandaria o bom senso que apresentasse, desde logo, três nomes, para que o Conselho pudesse conhecer o universo das possíveis escolhas e para que o nomeado não aparecesse como uma segunda ou terceira escolha.
Porém, em última análise - e em bom rigor – o Conselho nunca será forçado a fazer uma escolha que seja realmente “pior”. Os nomes propostos, ou são julgados adequados, ou inadequados, decisão que, em matéria deste melindre, não é seguramente tomada de ânimo leve. Face a um juízo de inadequação, qualquer gradação é irrelevante, não sendo legítimo afirmar que, afinal, o Conselho fez “melhor” ou “pior” “negócio”. Se o terceiro nome proposto também não for considerado adequado, prevalecerá, por força da lei, a vontade do PGR – que será a exclusiva fonte de legitimidade dessa escolha.

Face à letra e ao espírito da lei em vigor, a reapresentação de um nome anteriormente vetado, no mesmo processo de nomeação, essa sim, seria manifestamente um absurdo. Pressuporia que a anterior deliberação do Conselho, no sentido de julgar o nome proposto inadequado à nomeação em causa era, afinal, uma deliberação “não séria”! Ou que poderia ser alterada por razões ou pressões diversas da estrita bondade da decisão... A partir daí, pela mesma ordem de ideias, qualquer deliberação do CSMP, ainda que acabada de tomar, poderia ser novamente levada a votos, havendo inconformados, para ver se, por efeito de forças cósmicas ou jogadas de bastidores, se alteraria.
Quem consiga perfilhar um tal absurdo, jurídico, institucional e moral, poderá, já agora, propôr que o CSMP adopte, como hino oficial – que os conselheiros entoarão solenemente no início de cada reunião - a conhecida canção dos “Rádio Macau”:

“...amanhã talvez seja a valer,
hoje é a brincar...”.

O PGR é um magistrado. Com especiais responsabilidades de cumprir e fazer cumprir a lei em vigor. Convém que tenha presente que o seu crédito ficará irremediavelmente abalado se, neste caso, se comportar como um “rapaz do trapézio voador”, defendendo acrobacias interpretativas manifestamente “contra legem”.

Veremos se a legalidade e o bom senso prevalecem...

Dito por Gomez, em comentário no aqui Incursões

30 outubro 2006

a titulo de despedida

respirar a cidade


respiro a cidade
com a força de quem não a quer deixar fugir,
com a intenção firme de traze-la
um pouco mais para mim.

não a perder,
tê-la sob a pele.
a luz, o espetáculo do rio,
os telhados numa alegoria da vida
que percorre as ruas e os sorrisos,
as casas e a melancolia.

respiro a cidade
com a determinação de manter a memória
viva, a cidade pulsando
no meu corpo,
os rostos dos amigos brilhando
na noite, as garrafas de vinho
e as palavras ouvidas nos dias.
nos dias o sol e a chuva
a produzirem novas cores.

respiro a cidade,
antes de deixá-la,
porque não a quero deixar.



silvia chueire



Aos meus amigos do Incursões o meu agradecimento por tudo que fizeram por mim e um grande abraço, já saudoso. À minha amiga Kamikaze o meu especial abraço por ser ela a mulher bonita que é ( em todos os sentidos ), inteligente que é, e sobretudo afetiva. Foi uma surpresa e um ganho inestimável a amizade que consolidamos. Inestimável.

Vocês têm muito a ver com o meu afeto pela cidade.

Silvia

um problema de cidadania

Que valores para este tempo?


o primo de Amarante/compadre Esteves está mesmo a cumprir a promessa feita aqui !

A revista



informa:
o DEBATE SOBRE A REFORMA PENAL, transmitido pela RTPN no passado dia 27 de Outubro, pelas 22h30, teve de ser interrompido por indisposição súbita da jornalista que o moderava.
Aguardamos nova data para o retomar, e, acima de tudo, as melhoras da jornalista Cristina Esteves.


Dito por MF Mata-Mouros, aqui

29 outubro 2006

Parabéns

No 1º aniversário

Ao
Vexata Quaestio, pelo serviço público.

Ao
Joeiro, pela intervenção cívica.

NA MOUCHE...

Oportunas chamadas de atenção de Eduardo Maia Costa, no Sine Die:

O estatuto único de Israel no mundo

Audiência nacional espanhola à portuguesa

Uma simples carrinha...

"Chega a carrinha judiciária à vilória. É a comoção geral. O bom povo, os cidadãos aproximam-se para demandar justiça. Aguardam pacientemente a sua vez, reconhecidos com a magnanimidade do poder que lhes concede tanta atenção.
(...)
Uma simples carrinha substituirá vários palácios de justiça. É uma ideia genial."

para ler na íntegra o post de Eduardo Maia Costa, no Sine Die, clique aqui.

28 outubro 2006

Diário Político 31

variações sobre os blogs

O dr. Miguel Sousa Tavares que tem mesa posta no Expresso entendeu filosofar sobre os blogs a pretexto duma canalhice inominável que lhe fizeram. Parece que algum seu inimigo jurado entendeu morder-lhe a canela acusando-o de plagiar um medíocre livro dos jornalistas de sucesso Dominique Lapierre e Larry Collins onde, em estilo leve, demasiadamente leve, se narram os últimos momentos do império britânico das Índias.
A acusação foi feita num blog anónimo “freedom to copy” que parece só viu a fraca luz do dia para assacar ao a MST a acusação.
Este blog onde escrevo tem uma pequena equipa devidamente referenciada e a maior parte senão todos os seus membros já por várias vezes foram contactados por mail, ou pessoalmente pelos leitores. Como única excepção este que estas assina que é tão só o alter-ego de um dos bloggers. De resto já recebeu cartas de leitores que facilmente o identificaram e inclusivamente já conversou com outros, pelo que de facto quanto a anonimato estamos conversados. Daqui se infere, sem dificuldade que este blog, como centenas ou milhares de outros, como a grande maioria, atrevo-me a supor, não dá para o peditório do anonimato.
Conviria, em consequência, quando se fala de blogs, fazer esse pequeno e salutar distinguo entre blogs escritos por gente que dá a cara e se diverte a usar os mais disparatados “nicknames” e essa outra minoria que entra pelo universo bloguístico com a cara tapada e intenções pouco sérias. E mesmo aqui... conviria distinguir entre blogs dedicados a circular nas zonas de informação livre e outros que eventualmente são feitos e mantidos por gente que combate regimes opressivos e por isso mesmo sabe, de um saber de experiencia feito, que ao dar a cara dão também a possibilidade de serem convenientemente e definitivamente calados. Portanto, o anonimato (nem sempre ou melhor: excepcionalmente) pode ter uma razão de ser.
Claro que para atacar a honradez literária de MST não parece (e não é, de certeza) necessário recorrer ao processo da mão escondida a atirar a pedra. O homem está aí, escreve em tudo o que é sítio (de resto essa é a sua profissão, o seu ganha pão) e apesar de provavelmente ter alguma influência não tem decerto possibilidade de chacinar os seus críticos. Donde as acusações do tal blog, que indevidamente usa o nome da liberdade, deverem ser consideradas, sem mais, uma absoluta infâmia, mesmo se verdadeiras. Mesmo se verdadeiras!
O dr. Sousa Tavares nega-as em bloco e não serei eu quem o vá contraditar: li alguns trechos de “Equador”, achei aquilo relativamente mal escrito e é tudo. Achei também, e as vendas confirmam-no que houvera uma clara intenção de fazer um best seller coisa que, a meus olhos, não sendo virtude, nada tem de mau: quem escreve profissionalmente, escreve para ser lido pelo maior número de pessoas, para ganhar honradamente o cacauzinho que isso trás, a fama e tudo o mais. Aliás, convém dizê-lo, MST pode ser muita coisa mas não é um jornalista medíocre, antes pelo contrário. Li e ainda leio muita coisa boa escrita por ele, louvo-lhe a frontalidade, fui espectador fiel dos seus programas televisivos e lamento que ele não volte ao pequeno ecrã. Daí a ser romancista vai um grande passo e é só nesta segunda vertente que torço o nariz. No que não estou muito acompanhado, diga-se de passagem.
Onde me parece que MST erra o tiro é na sua apreciação do fenómeno bloguístico. Expressões como “preocupante manifestação de um processo de dessocialização”, “impunidade do discurso”, possibilidade de fazer praticamente, reflectem uma estanha forma de reagir a uma coisa que já ultrapassou os domínios da moda e se tornou um avassalador hábito de comunicação de que a maioria dos opinion makers noutros meios já se socorre para manter actualizadas as suas intervenções em jornais, rádio e televisão. Mesmo em Portugal. Veja-se por todos os blogs de Vital Moreira ou de Pacheco Pereira.
MST acha que ao escrever para o Expresso ou outro sítio qualquer está a salvo da sedentarização da (sua) solidão. Nada menos verdadeiro: MST ignorará sempre se é lido, muito, pouco ou nada, se o leitor concorda ou discorda dele, se acaso se sentiu tocado pelo que ele escreveu. A escrita é sempre um exercício solitário. Mas mesmo que assim não fosse acaso quem escreve num blog está perversamente só e a dessocializar-se? MST ignora uma coisa simples: os blogs são apenas efémeros locais onde efemeramente alguém passa diz duas a abater, colhe três ou quatro comentários e vai depois à sua vida. Quem escreve em blogs não terá pachorra ou possibilidade de escrever num jornal porque o não publicam, porque há demasiada concorrência, por o acham desinteressante, porque lhe não podem pagar, porque o que ele diz vai contra a linha editorial ou fere os interesses dos proprietários do jornal e mais dez mil razões que não podem ser aqui expostas. Eu, para não ir mais longe, escrevo quando me dá na veneta, sobre o que me apetece, não faço disto profissão, nem quero. Ou melhor: quereria escrever num sítio que não me chateasse o simpático, que se acomodasse à minha consabida preguiça, que não me contasse os caracteres (até aqui, no Inc., apanho rabecadas por me estender demasiado....) e me pagasse coisa que se visse. Não há tal sítio? Pronto, escrevo num blog onde me acolheram fidalgamente. Quando me chatear, boa noite e ala que se faz tarde... Volto ao meu buraco associal, sedentário, procuro companheiros para o bridge ou releio uma vez mais o “Quixote”, vício velho e amável.
Os blogs não devem ser levados demasiadamente a sério se feitos desta maneira: quem está, está quem saiu, saiu. Na maior parte das vezes os bloggers discutem uns com os outros publicamente assuntos que lhes interessam, recebem sugestões e comentários, às vezes de leitores de que nem sequer conheciam a existência e lá se vão divertindo, polemicando instruindo. Um dos confrades do incursões tem encontrado amigos que não via há anos (pelas contas que já fiz, parece que alguns deles andavam desaparecidos há quase quarenta anos!!). Só isto já bastaria para conceder a este meio de dessocialização algum pequeno crédito.
Portanto e para acabar: Miguel Sousa Tavares tem toda a razão do mundo ao achar-se vítima de uma cabronada. Uma acusação de plágio feita de mão escondida é apenas uma calúnia. Do mesmo modo que uma carta anónima é sempre uma cobardia. O(s) autor(es/as) do tal freedom se estão assim tão certos da sua razão, deveriam ter dado a(s) cara(s). Não a dando não passam de garotecos dignos de apanhar duas chapadas, e de luva que é para não emporcalhar a mão. Partir deste fait divers, que actualmente atinge escritores bem melhores do que MST (por todos Cela, há bem poucos anos por causa da “A cruz de Sto André”, que teve honras de julgamento e tudo) para fazer o processo sumario do fenómeno bloguista e dos seus cultores é ridículo, pouco inteligente e ineficaz.

Meu Caro MST: Camilo terá escrito a um contrincante qualquer coisa deste teor: Acabo de ler a sua carta que imediatamente passo ao ventre da mãe terra pelo esófago da latrina.
Permita-me que lhe sugira um complemento: ...e aproveite esse exemplo para pela mesma via seguir os passos da carta. Estou em crer que VªExª se sentirá bem de regresso a esse meio amniótico donde, em má hora, saiu.

Seu leitor (dos jornais) devotado e grato
d'Oliveira

27 outubro 2006

Os 25 anos dos GNR

Para descansarmos das "guerras" da justiça, de tanto PGR e vice-PGR, dos corporativismos e outros que nem tanto, proponho-me fazer aqui um intervalo para assinalar os 25 anos dos GNR, o Grupo Novo Rock que, liderado pelo impagável Rui Reininho, está a completar o primeiro quarto de século. Já o assinalou no Porto e, na próxima semana, haverá novo concerto em Lisboa.

A única banda portuguesa que conseguiu encher um estádio de futebol merece um forte aplauso. O talento e a excentricidade de Reininho fizeram os GNR ultrapassar todas as dunas. E com a pronúncia do Norte...

Pauliteiros


O José voltou, que um homem não é de ferro! Ainda bem, e que seja para ficar! :)

Reforma do mapa judiciário et alia

«(...) há uma década de muita reforma. O que é mais intrigante é o facto de as reformas não terem dado resultados.»

Boaventura de Sousa Santos, n' O Publico de hoje.

João Correia, ilustre advogado, membro do CSMP, "capaz do melhor e do pior", no dizer de Gomez, neste impagável comentário no Incursões.

Claro que pode ficar a dúvida em espíritos menos atentos: ao sugerir os dois nomes que sugeriu para Vice PGR, João Correia estava no seu melhor, no seu pior, ou estava em regime de acumulação?

Estes dias que passam 40

Do assassínio da reputação como uma das malas artes ou
de como a imprensa é mal usada


Eu não gosto de ver os jornais atacados. Sempre que isso sucede parece-me que os autores do ataque não gostam da imprensa livre. E a maior parte das vezes, de facto, não gostam. Claro que há excepções. Claro que há jornais que são uns esfregões de cozinha usados e que só existem porque há alguém a quem chupar o sangue, alguém que paga para ver isso e alguém que não se importa de se expor desde que isso lhe traga um breve instante de duvidosa glória.
Mas isso, essa papelada amarela vómito ou cor de rosa envergonhada é, ainda, felizmente, a excepção e não a regra por muito que as tiragens sejam altas e os leitores papalvos uma multidão.
O pior é quando, na imprensa dita séria, civilizada, a pequena sacanice medra, a coberto de notícias aparentemente neutrais, cuidadas, sobre factos comprovados. E isto já não é também uma excepção mesmo que ainda não revista o carácter de regra. Começou já há algum tempo, e vai escorrendo para a valeta da pequena história na companhia de reputações arruinadas, de gente ofendida que demora anos a ver o seu bom nome defendido e os malfeitores punidos.
Não me parece necessário dar exemplos mesmo que tal exercício pudesse avivar algumas memorias selectivas que só vêm o mal quando são os seus donos as vítimas.
O último caso passou-se neste mês que vai acabando. Um jornal publicou uma notícia sobre um procurador da república que pelos vistos é alvo de processo disciplinar. Não lhe citou o nome embora referisse o local de trabalho e a cidade onde eventualmente vive.
Ora, no caso em apreço, a notícia deixa de ser inócua porque aponta para uma pequena cidade, para um tribunal também de pequena dimensão, onde os procuradores não abundam antes escasseiam como aliás começa a ser regra.
Neste caso, como se vê, a notícia neutral pode ser uma arma de arremesso não contra um eventual culpado mas contra também, e de que maneira, os três ou quatro colegas que com ele trabalham. Aqui está como o anonimato protector da reputação de um acusado se transforma num gigantesco foco acusador de um pequeno grupo de pessoas.
Pelo pouco que li, porque entendo que já ao ler estou a apoiar o mau trabalho jornalístico, alguns procuradores entenderam, na sua ingenuidade, defender-se. E escreveram uma carta ao jornal que obviamente a publicou. Todavia, e aqui está o truque, não deixou de, em cinco ou dez linhas a comentar, esvaziando na medida do possível a reclamação justa e correcta e reafirmando a honestidade da sua conduta, os bons princípios de trabalho e a neutralidade do jornal. Durante anos os procuradores dessa pequena cidade irão ter de lidar com a incómoda sensação de, mesmo sem culpa, poderem a todo o momento ser alvo de um olhar de dúvida, do género nunca há fumo sem fogo.
Não tenho procuração de ninguém para escrever isto, não sou do grémio, acho que nem sempre todos os oficiais desse ofício estarão isentos de criticas e quem aqui me leu já deve ter reparado nisso. Todavia, com a mesma serenidade com que fui apontando alguns erros de procedimento quero, hoje e aqui, expressar-lhes a minha solidariedade.
Os leitores perceberão que a não citação do jornal, da autoria do artigo e demais informações não permite, desta vez, identificar quem quer que seja. Há demasiados jornais e uma montanha de jornalistas pelo que não corro o mesmo risco corrido por quem, na mira desenfreada de um scoop, cometeu um ataque imperdoável ao bom nome, à honra e consideração que se deve a um cidadão.

Saem de rajada dois "estes dias..." Não que eu tivesse vontade mas as coisas tem um tempo e o tempo delas e o meu encontraram-se assim desta maneira desastrada.

26 outubro 2006

Estes dias que passam 39

Estava este vosso criado num engano de alma ledo e cego, descansadinho, a acabar uma tradução gigantesca, quando a paz a que fez jus, se viu subitamente interrompida por uma carta ameaçadora do Tribunal de *** onde o notificavam que deveria comparecer hoje, no citado local, a fim de ser testemunha num processo que envolvia uma tal Deolinda que demandava uma Misericórdia do Norte.
Convém dizer que eu, Deolinda de que me lembre só uma: uma velhíssima criada (quando criada queria dizer serviçal, amiga, como era o caso e ligada até mais não ao “seu menino” – este marmanjola da colheita de 41! - a quem numa visita aí há sete ou oito anos depois de não me ver durante alguns cinquenta, disse “ai como o meu menino cresceu!” – Deixe-se disso Deolinda. Estou é velho, dê cá um beijo, dois ou três, uma dúzia, um quarteirão até, e conte-me como vai a neta campeã de patinagem artística, mulher de Deus! ) amiga da família para não dizer, e com muita honra, uma familiar.
E da Misericórdia, uma vez corridos os maus e restabelecidos os direitos dos bons, já não sabia há um bom ano.
Mais: no meu tempo, quando era necessário convocar uma testemunha, o advogado, prevenia, ou mandava prevenir, a criatura. No meu caso, tendo exercido durante uns anos a advocacia, mais se imporia essa pequena cortesia. Mas nada! Apenas o aviso de que se faltasse comia com uma multa. Vai daí, lá fui sob um temporal desfeito, pela fresca madrugada para ****. Uma vez chegado, consegui saber que era testemunha da Santa Casa de que fora representante judicial, como já disse. Ora aqui está, pensei, como a educaçãozinha não medra nestes locais mesmo quando lhes fizeste um favor dos gordos! O caso, ao que soube, era ainda mais inacreditável. Uma ex-empregada da Misericórdia demandava a instituição querendo, ao que sei, ser readmitida. Todavia, a mesmíssima empregada, despedira-se dessa instituição para trabalhar numa sociedade particular, autónoma, que em tempos, gerira (???!!!) o lar de idosos que a instituição tinha. Daí se despedira sem dizer água vai há três anos. E agora vinha pedir para re-ingressar nos quadros da Misericórdia. Não faço ideia do que alegava mas pelo andar da carruagem devia ser um coisa fina, finíssima! Como é que estas coisas acontecem, desconheço. Como é que um advogado lhes pega, idem, aspas, aspas. Como é que a Santa Casa se lembra de me pôr a testemunhar ainda menos, dado que os factos, a haver factos eram anteriores em dois anos à minha breve e justiceira intervenção, e a acção era posta em meados desde ano, seis meses depois de eu ter dito ao tribunal, à Misericórdia e ao senhor Bispo que já chegava de fazer fretes sozinho e de me ver sozinho quando as coisas estavam feias e acompanhadíssimo quando corriam de feição.
Quando consegui apanhar o advogado da Santa Casa, este, sem sequer se desculpar, disse-me que eu era essencial para provar que a Deolinda não era assalariada da Santa Casa (!!!) que não me contactara porque não sabia a minha direcção (!!!) que não me podia dispensar. Também não disse quem é que pagava os oitenta quilómetros feitos e a fazer, que as idas têm sempre uma volta, as portagens da auto-estrada, o tempo perdido em vão. Quando lhe comecei a murmurar algo mais grosso jurou-me que ia fazer os possíveis por me dispensar. Quando eu lhe disse, um pouco mais ao ouvido que era a autora que tinha de provar um vinculo laboral com a Misericórdia a menos que agora seja moda inverter-se o ónus da prova, olhou-me espantado.
A causa acabou por morrer na praia. A autora desistiu. Espero que o seu advogado também tenha desistido de ser pago. Eu, pela parte que me toca, desisti de receber o dinheirinho que este fait-divers me custou.
Esta historieta só vem aqui, à pequena praça pública do blog, porque em época de ataque à função pública, convém mostrar como funcionam os privados. No caso um senhor advogado que aceita uma causa sem pés nem cabecinha. E um outro que se esquece das mais elementares regras da educação e da cortesia. E uma instituição privada de solidariedade social que se esquece com grande rapidez dos momentos em que nenhum dos seus dirigentes se atrevia sequer a passar perto dos que lhes esbulhavam alegremente a instituição.
Se isto ocorresse com um qualquer serviço público caía o Carmo e a Trindade. Como é coisa que se passa virtuosamente entre privados é o que se vê. E o Tribunal, outro monstro horrível, que se aguente com esta gente que o usa quase impunemente. Durante uma manhã um juízo esteve impedido de funcionar. A culpa deve ser do juiz, do MP, ou da testemunha mcr. Sobretudo desta.

Nota que não tem nada a ver com isto. Então não é que um leitor meu que também exerce de leitor do João Vasconcelos Costa nos pôs em contacto? O João que eu não via há quilómetros… E tem um blog, aliás dois, óptimos! um para quem não faz dieta (www.gosto-comer.blogspot.com: um must, uma delicia, leitura obrigatória, prosa fresca e da boa, enfim um regalo. Leiam, sob pena de ileteracia violenta! Um outro: www.meubloconotas.blogspot. com. é farinha de outro saco, não menos branca mas mais para a pazada na cretinice dominante, enérgico e opinativo. Aqui à puridade, não me espanta. Este tipo prometia. Ah, também gosta do “couraçado potemkine” , do “sunset boulevard” e do “citizen Kane”. Falta-lhe “A regra do jogo” do Renoir e “A sede do Mal” do Welles para ser quase perfeito… Paciência!… Vão e vejam com os vossos olhos. Saravah João!

Ficções


«A boa razão [para o CSMP ter votado contra Gomes Dias] está no facto de ter passado 20 anos a servir profissionalmente o Bloco Central no Ministério da Administração Interna, em que é frequente ser necessário invocar a razão de Estado para fazer coisas nem sempre benéficas para a cidadania»

25 outubro 2006

Souto de Moura - Discurso de despedida

Nas palavras que proferiu no almoço de despedida e homenagem que no passado sábado reuniu quase 700 pessoas, Souto de Moura lembrou, com grande pertinência, nomeadamente face às notícias de projectadas alterações ao Estatuto do MP, que este , como peça importante no funcionamento no nosso Estado democrático, terá sempre de ser um corpo de magistrados, nunca de funcionários, autónomos mas responsáveis, sujeitos a princípios de legalidade e de objectividade, tratando todos as pessoas de forma idêntica face ao Direito.
Aqui ficam alguns excertos.

«Tudo terá começado, já passaram seis anos, quando fui confrontado com a ocupação do cargo de Procurador-Geral. E, como o já tenho dito, não era essa uma função que fizesse parte de projectos ou aspirações minhas. Aceitei o cargo com uma outra maneira de servir o Ministério Público. Aceitei o cargo como uma opção que só a mim responsabiliza. Mas Fi-lo com entusiasmo, e, porque não dizê-lo, com alegria.

Do que foi o meu mandato não vou evidentemente falar. Deixem-me só dizer-lhes que, certa ou errada, tinha e tenho uma certa ideia do Ministério Público Português. Deixem-me dizer-lhes que sempre vi no Ministério Publico uma peça fundamental na construção ao Estado-de-Direito. Deixem-me dizer-lhes que sempre vi nos meus colegas uma plêiade de magistrados e não um corpo especial de funcionários, com as decorrências que do facto advêm.

Pautei-me por princípios em nome dos quais procurei não iludir nada nem ninguém. E, assim, ao falar de Estado-de-Direito estou também a falar de igualdade perante a lei. A nossa cultura latina acomodou-se tradicionalmente a um distanciamento muito sério entre as leis que se fazem e o direito que de facto se aplica. Há quase um consenso, entre a população em geral, de que nem todas as leis são para seguir ou, pelo menos, não são para aplicar a todos. Confesso que nunca me conformei com isto.

Por outro lado, falar de magistrados é reconhecer uma parcela de poder que só pode servir o bem comum, mas que é atribuído a quem tem de dispor de alguma autonomia individual.Pertenço ao Ministério Público há décadas, e sei bem o quanto a nossa tarefa é feita de um equilíbrio que nem sempre atingimos, ou se traduz em compromissos tantas vezes incompreendidos. E tenho por certo que esse equilíbrio e estes compromissos almejam uma justa medida entre interesses conflituantes, evitando-se sempre uma qualquer forma de estar, ambígua, que propicia equívocos, desorienta alguns, paralisa uns e revolta tantos outros.

Nomeado e legitimado pelo poder político, o Procurador-Geral recebe um mandato que é, constitucionalmente, para o exercício de uma magistratura. E se os agentes do Ministério Público estão subordinados a critérios de objectividade e legalidade estritas, em todas as intervenções, sempre entendi que, quem afinal lhes poder dar ordens e instruções, não pode facilmente desviar-se daquelas orientações de fundo.

Mas também o estatuto dos magistrados do Ministério Publico, em geral, responde a linhas de força diferentes que interessou compaginar. As prerrogativas de uma magistratura autêntica, usufruindo aliás de um código deontológico bem próximo do dos juízes, implicam uma autonomia individual com consequente responsabilização comunitária. Tal autonomia terá porém sempre que ser compaginada com a integração num corpo organizado hierarquicamente. O qual não desemboca, ele mesmo, numa tutela governamental, como ocorre com a Administração Pública em geral.

Tudo isto coloca o Ministério Público num permanente desafio para se não desvirtuar, com referência a uma modelo que aliás não cessa de ser apreciado além fronteiras

A ler na íntegra aqui.

24 outubro 2006

O leitor(im)penitente suplemento especial

SEXTA 27 de OUTUBRO às 22H nos MAUS HÁBITOS

R. Passos Manuel, 178, 4º(frente ao Coliseu) PORTO



"Na Sexta-feira 27 de Outubro às 22h, o número 1 dojornal PREC - Pensa Rosna Estica Corta e o glosário DABRANGÊNCIA AO ZUNZUM vão ser apresentados no Porto, nosMaus Hábitos (Rua Passos Manuel, 178 4º, frente aoColiseu).
A sessão conta com leituras críticas feitas por leitores atentos mas não veneradores (entre os quais CarlosRomero e Pedro Eiras), com a participação de vários colaboradores do PREC (do Porto e de Lisboa) e com uma leitura encenada do «glossário de ideias fortes efracas» Da Abrangência ao Zunzum, que nasceu do ciclo Em Novembro é de Abril e Maio que me lembro organizado pelo PREC- Põe Rapa Empurra Cai, em Novembro e Dezembro de 2005.(Ver capa e nota explicativa em www.jornalprec.com[1] )

Lembramos que o número do PREC que vai ser apresentado (32pp+ um suplemento «Vive quem vive» de 8pp e uma capa de4pp) tem como tema central «o trabalho e apreguiça».

Os textos são de Absinte Abramovici, Alberto Pimenta,António Preto, Armando Silva Carvalho, Cesar de Vicente Hernando, Diana Dionísio, Filomena Marona Beja, Francisco Martins Rodrigues, Gabriela Dias, Irene Flunser Pimentel, Jean-PierreGarnier, João Bernardo, João Pacheco, João Rodrigues, Jorge Silva Melo, Lira Keil Amaral, Luiz Rosas, Mamadou Ba, Manuel Lisboa, Manuela Torres, Miguel Castro Caldas, Miguel Perez, Pedro Rodrigues, Pitum Keil Amaral, Regina Guimarães,Renato Roque, Rui Canário, Saguenail, Vitor Silva Tavares.

Inclui depoimentos orais e entrevistas com Artur da Fonseca, Gianfranco Azzali (Micio), Giuseppe Morandi, Jagjit Rai Mehta, Jerónimo Franco, Manuel Graça (Juba), Peter Kammerer.

As ilustrações são de Bárbara AssisPacheco, João Alves, Sofia Lomba, Tiago Cutileiro.

CONTEM TEXTOS ANTOLOGICOS DE ALEXANDRE ONEILL, ANDRE BRETON, BERTOLT BRECHT, JOAO CESAR MONTEIRO, GABRIEL O PENSADOR, GEORGE ORWELL, GEORGES BATAILLE, IRMAOS PLESKIANOV, JUVENAL ANTUNES, RAOUL VANEIGEM, ETC.
TEM AINDA UMA PAGINA DE PASSATEMPOS E UMAPAGINA DE NOTICIAS DA NOSSA TERRA E UMFOLHETIM

- EM COIMBRA, NA QUARTA-FEIRA 6 DE DEZEMBRO, 18H, NO
FOYER DO TEATRO ACADeMICO GIL VICENTE

- EM VISEU, NA QUINTA-FEIRA 14 DE DEZEMBRO, AS 21H 30
NO LUGAR PRESENTE - COMPANHIA PAULO RIBEIRO (R. CANDIDO DOSREIS, 1).

EM WWW.JORNALPREC.COM[2] ENCONTRARAO MAIS INFORMACOES.

E passem esta informação, que a«comunicação social» costuma ter mais que fazer.

PREC
Pensa Rosna Estica Corta É possível encontrar ojornal e o glossário no local. Em Lisboa, na Letra Livre,Bucholz, Apolo 70, Arco Iris, Assírio & Alvim, LivrariaPortugal, Artes e Letras, Sá da Costa, Bulhosa (campo grande),Livrarte (Benfica), Havaneza Bandeira (Graça), Artistas Unidos (Graça-Mónicas- Horas dos espectáculos), MuseuRepública e Resistência, nalguns quiosques(estefânia). No Porto, na Leitura, Utopia, Poetria, Faculdadede Letras; em Tondela na Acert. ?Não vale a penaprocurar nas FNAC, Bertrand, Castil, Almedina.

Links:
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[1] http://www.jornalprec.com/
[2] HTTP://WWW.JORNALPREC.COM/" (sic)

pois é: o João Pacheco, filho do meu compadre Assis, mandou-me esta prova de que filho de peixe sabe espernear, E não está sozinho pois que também descubro a Barbara irmã do precedente e rapariga de mão segurissima. É dela a orientação gráfica. Não sei se lá vou mas que compro o jornal, disso não há dúvidas. todavia uma advertência: com um nome destes e a carga de provocação ínsita (bonita palavra!) tem que ser muito bom, rapazes... Mesmo muito.

Que Valores para este Tempo?

A Conferência Gulbenkian 2006 propõe uma reflexão sobre a crise geral de sentido na sociedade contemporânea. “Que Valores para este Tempo?” será a questão orientadora do debate, com a participação de alguns dos mais reputados pensadores a nível internacional. A conferência, desenhada nas suas linhas fundamentais por Fernando Gil, e comissariada por Daniele Cohn, tem lugar de 25 a 27 de Outubro, no Auditório 2 da Fundação, com entrada livre.
O programa organiza-se em torno de temas como “Um Mundo em Crise”, “Valores Cognitivos: Conhecimento Científico e Filosófico”, “Valores Estéticos: a Arte e o seu Público” e “Valores Éticos e Políticos”.

Informaçoes e programa aqui

23 outubro 2006

Vitória de Pirro

«(...) a verdadeira escolha que Pinto Monteiro tem que fazer - a de decidir se as leis e as regras são mesmo iguais para todos, ou se há alguns, mais iguais, que as podem alterar à medida da conveniência do momento. É que não me parece que seja preciso ser-se muito dotado para perceber que uma alteração para ser 'boa' nunca pode ser à medida... Desta vez o novo PGR até pode ganhar e faltar literalmente ao respeito a uma votação circunstancial que foi democrática, legal, legítima e soberana, e com a qual não concordou. Será uma vitória de Pirro, e o início de uma contagem decrescente até ao dia em que, em função das conveniências, outrém lhe faça rigorosamente o mesmo mandando às urtigas uma qualquer decisão sua, também ela legítima e legal. As coisas são o que são.»

regresso em grande do Manuel da Grande Loja do Queijo Limiano, num postal a ler na integra aqui


Ainda sobre esta hipotética vitória de Pirro, e mais uns cantos de sereia com honras de divulgação na imprensa, volta a pronunciar-se (*), em mais uma ponderada análise, o Gomez , em comentário a post no Anónimo do ex-carteiro. A ler aqui.

(*) a sua 1ª abordagem ao tema foi feita aqui no Incursoes.

Domingo à tarde no CAM


Foto:Kamikaze

Instalaçao de
Pedro Cabrita Reis

Foto: Silvia Chueire

e seu reflexo

REPENSAR O PAPEL DO MP NO SÉC. XXI


Título genérico do Ciclo de Conferências a ter lugar de Outubro 06 a Março 07, nas instalações da UAL, no âmbito de protocolo celebrado com o SMMP. Haverá uma sessão mensal, em dias ainda a fixar, estando os temas de cada sessão já definidos (clicar na imagem para aumentar).
A Sessão de Abertura tem lugar já na próxima 5ª feira, dia 26 de Outubro, pelas 16 horas, e será subordinada ao tema:
“MP- novos desafios para o século XXI”.

*

O SMMP realizou, nos passados dias 13 e 14 de Outubro, no Porto, uma Conferência nacional subordinada ao tema “O Ministério Público, o Cidadão e a Justiça – Organizar para Aproximar” (link para o Programa).
Segundo se informa no site do SMMP, vai ser em breve dado conhecimento das conclusões sectoriais elaboradas pelos respectivos relatores e vai ser criado «um fórum de (continuação de) debate sobre os temas discutidos na Conferência».
Com aquele evento pretendeu o SMMP «dar inicio à reflexão de teses sobre “Organização e Hierarquia na área penal” e “A responsabilidade comunitária do MP e hierarquia”, as quais serão (também) tema do próximo congresso.»
Entretanto a intervenção proferida naquela Conferência por António Cluny pode ser lida aqui. A quem se interessa por estes temas (há muito na ordem do dia), sugiro mesmo que não deixe de a ler. O titulo é:
"Hierarquia, Organização, Eficácia e
Transparência Democrática do Ministério Público"

DEBATE SOBRE A REFORMA PENAL

Será transmitido pela RTPN, em directo, no dia 27 de Outubro, pelas 22h30

Trata-se de uma iniciativa da ASJP. Vai ser moderado pela jornalista Cristina Esteves, licenciada em direito, sendo convidados:

Rui Pereira, coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal
Laborinho Lúcio, juiz-conselheiro
José António Barreiros, advogado

Qualquer sugestão de temas a tratar durante aquele debate, pode ser endereçada para correio@asjp.pt

22 outubro 2006

Tudo a bombordo 3

Ter dezoito anos num país cinzento

Julgo que era Nizan quem dizia que os vinte anos eram uma idade amaldiçoada. Quando agora recordo os meus dezoito (enfim o período que vai do sexto ano do liceu até à faculdade) esses anos de primeira formação, sinto um misto de nostalgia e de verdade nizaniana. Também eu não permitirei que digam que era a melhor idade da vida. De facto, não era lá muito fácil ter esta idade num país que parecia adormecido, pelo menos sonolento e, sobretudo, se revelava demasiadamente conservador. E quando falo em conservador não estou exactamente a falar de política, fique claro.
Falo do resto, ou seja de quase tudo. Perguntar-se-á porquê e responderei de novo com Nizan: “saber o que iremos ser, é viver como os mortos”. E esse era o melhor futuro possível que nos esperava. Intolerável para quem lia desesperadamente Rilke e Pessoa (dois deslumbramentos), os primeiros neo-realistas italianos (Pavese, Pratolini, Vitorini, Silone) e os portugueses seus epígonos ou outros mais originais (e nunca esquecerei o admirável Anjo Ancorado de Cardoso Pires ou um Ruben A. lido em Santarém). Mas esses anos correspondentes grosso modo ao antigo terceiro ciclo dos liceus trouxeram-me também muitos e bons estrangeiros. A começar pelos romancistas alemães que falavam da guerra (Remarque, HH Kirst) dos franceses (entre todos uma paixão fulminante: Vaillant) sobretudo os autores de longos ciclos, Romain Rolland, claro. E os americanos: Faulkner, Heminguay, Dos Passos, Caldwell, Steinbeck.
Fiquemo-nos por aqui porque a lista é bem maior e de certeza estou a esquecer algum grande autor lido nestes anos. Todavia, já aqui se pode começar a identificar algo, que na altura eu não identificava mas que claramente apontava para uma literatura relativamente comprometida, politica e socialmente. Não era um esforço deliberado, meu ou dos que me rodeavam: era o que havia, o que se vendia, o que se lia. Contudo se lhe adicionarmos a tempestade Humberto Delgado, e a revisitação da experiencia africana via autores anti-racistas (Richard Wright) pode eventualmente perceber-se que a construção da minha visão do mundo seguia um rumo que cedo ou tarde me obrigaria a olhar as coisas como um todo e a fazer escolhas bem mais profundas.
Fui sempre um grande leitor de poesia. E também por aí fosse via Prevert (Paroles) ou pelos poetas portugueses que iam publicando também me parece, hoje, indesmentível um princípio de percurso em direcção à liberdade. E ela vinha, não no “Sud Express”, como nos tempos de Eça, outra paixão absoluta que só tem aumentado com o tempo, mas nos filmes que víamos, no rock and roll que ouvíamos, numa pungente, escandalosa, percepção que aquele mundo (dos livros, dos filmes, da música) nos estava vedado. E aí sim, foi aí, nessa atracção pelo estrangeiro que se começaram a moldar muitas preferências. Antes de ser de esquerda fui de certeza, cosmopolita. O que me também terá salvo de tentações demasiado autoritárias. Não é por acaso que uma das acusações desde sempre feitas aos heterodoxos marxistas e aos acusados nos processos de Moscovo e arredores, foi a de “cosmopolitismo”. Ou seja o proclamado “internacionalismo proletário” era, desde sempre (e mesmo a meus olhos pouco depois de entrar na universidade), de bitola estreita, demasiado estreita. Proletário e stalinista.
Foi assim que entrei para a universidade. A cabeça cheia de literatura, uma indignação que ainda não conhecia o alvo, que entrava perfeitamente no poema de Régio, outro autor, claro, “Cântico negro”. Eu também não sabia para onde mas sabia por onde não queria ir.
A universidade de per si era já a possibilidade de encontrar gente com os mesmos gostos, o que era bastante. Mas era também a sensação de liberdade. Finalmente longe da família que por cá tinha, longe dos internatos de onde se fugia à noite, sem motivo, só por fugir, porque o internato era uma prisão, os prefeitos uns esbirros e porque era obviamente proibido. Cheguei à Coimbra de lavados ares numa época de enorme efervescência. A esquerda ganhara as eleições paera a Associação Académica (direcção Candal) depois de onze anos de hegemonia da direita e a direita coimbrã era das puras e duras, fascistóide, católica, apostólica e ultramontana, com forte componente monárquica legitimista e agravada pela súbita derrota. Atrás dela havia a tradição do integralismo lusitano, dos lentes que todo lo mandam, de Salazar, enfim. Pior: aquela direita era provincial, provinciana e copofónica. E as praxes académicas de que a direita era a principal defensora eram violentas, quase bestiais. Em suma, a direita coimbrã em 1960 mais parecia uma fábrica de fazer esquerdistas do que qualquer outra coisa. As assembleias magnas, uma outra revelação!, eram duras, duravam horas, mobilizavam fortemente um caloiro como eu que pela primeira vez na minha vida ouvia, entre maravilhado e comovido, gente a defender as mesmas coisas que defendia, a dar-lhes todavia outra espessura, outro rigor, um discurso mais abrangente e vigoroso. Picasso terá dito que foi para o partido comunista como quem vai para a nascente. Eu fui para a esquerda como quem vai respirar. Antes mesmo de o perceber, já estava metido num processo de destituição do delegado de curso, claramente acusado de estar feito com a direita e com a PIDE. Não era verdadeira obviamente esta última conotação mas também não era mentira o militantismo político do pobre diabo. Ter-me-ei estreado na assembleia de curso que o destituiu e entregou o cargo a Parcídio Sumavielle. Terá sido por isso que rapidamente fui cooptado por um grupo onde, agora o sei, já se sentia a influência das células comunistas universitárias. Todavia, falávamos mais de literatura e de cinema que de política. E a propósito, ocorre-me uma anedota ilustrativa: nos círculos associativos e políticos corria uma lista de “livros essenciais” para um “progressista”. Recordo poucos, muito poucos mas entre eles havia “Le Marxisme” de Lefebvre que ainda hoje se pode ler sem pesar, ou um par de textos de Lukacks, outro autor eminente legível. Claro que não faltavam textos de Engels (“a origem da família...) de Marx (o Manifesto, a Critica do Programa de Gotha, e mais uns quantos) um temível e indigesto Lenine (Materialismo e Empiro-criticismo, uf!, que estafa!) alguns romances e alguns livros de história de que só recordo “A revolução francesa” de Albert Soboul. A parte mais curiosa é que alguns dos livros da lista, aliás a grande maioria, eram quase impossíveis de encontrar e muito menos de comprar... E foi por isso que me estreei como cliente da “livraria luso-espanhola” que importava livros proibidos da America Latina, nomeadamente do México e da Argentina onde existiam editoras que publicavam alguns dos livros da lista, comprei, e ainda tenho, a prestações, um desses livros: “El materialismo histórico” de um certo Konstantinov. Desse livro que vegeta por aqui numa estante de monos já nada sei mas foi graças a ele que me tornei assíduo de Neruda, vendido em edições baratas da Losada, na mesma livraria. Acho que os primeiros livros que li em espanhol foram do Neruda e do Lorca. Atrás deles veio uma legião de autores italianos Quasimodo, Pavese, Sabba ou Ungaretti. O catalão foi-me apresentado por Espriu e o galego por Celso Emílio Ferreiro.
Esta insistência na leitura deverá ser entendida: num pais onde a acção política estava proscrita ou era residual para não dizer clandestina, a esquerda existiuu em dois pontos que não se tocavam, a fábrica e a universidade. Falo da segunda, obviamente sem sentimento de culpa ou complexo de inferioridade. E por uma razão bem clara a que já Gramsci fazia referência. Podemos não ter uma origem de classe proletária, não ter uma situação de classe proletária mas podemos ter uma posição de classe que não requer nenhuma das anteriores. De resto que se saiba nem Marx, nem Lenine nem Bakunine ou Kropotkine eram operários, filhos de operários sequer próximos. Pela (escassa) liberdade intelectual, pela aglomeração de estudantes vindos de toda a parte, pela vida associativa e criativa a que dava lugar, Coimbra, cidade de estudantes longe da família, era apesar da sua pequenez como cidade e de estar longe dos dois únicos pólos urbanos, industriais e decisórios, um local privilegiado. Menos espectacular que Lisboa mas propiciando uma melhor integração de que a associação académica era um exemplo: de facto o fenómeno associativo era o centro da vida cultural, desportiva e social coimbrã. Mobilizava centenas de estudantes, podendo mesmo dizer-se que era a única associação estudantil realmente representativa. Não criaria elites tão radicais (como posteriormente se viu) mas também não as tornava tão vulneráveis à repressão, política, policial e familiar. E isto era muito, se calhar, quase tudo.

um mundo

para L.P.


transportamos na pele um país
disposto a adotar o outro
se a amizade nos abre os olhos
e o afeto, à beleza,
à partilha.
aí somos um mundo.



silvia chueire

21 outubro 2006

A ser verdade...

"Governo vinga derrota de Pinto Monteiro
A alteração da lei que define as funções e estatuto do Ministério Público, já prevista nos programas eleitorais do PS, vai avançar nos próximos meses. Em debate no seio do Governo está o reforço dos poderes do procurador-geral da República face ao Conselho Superior do MP, para evitar novos braços de ferro, como o veto desta semana ao nome proposto por Pinto Monteiro para seu vice." in expresso on line

*

(...) O que não passou de um normal acto de funcionamento do orgão que, até hoje, era a pedra angular do MP português, conciliando autonomia com responsabilidade, equilibrando auto-goveno da magistratura com controlo do executivo (através dos membros nomeados pelo Parlamento e pelo Ministro da Justiça), é agora motivo para a sua destruição.

A ser verdade o avançado pelo Expresso (que, em verdade, não consta nem do programa do governo (http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/coluna-dp/programa-do-xvii-governo) nem do programa próprio PS (http://www.ps.pt/bases/bases_programaticas.pdf, a concentração de todos os poderes no PGR transformará a natureza do MP em Portugal, ficando este parecido com o francês, ou seja, muito mais dependente do poder político, com tudo o que isso acarreta. Todos os poderes no PGR; este nomeado pelo PR sob proposta do MJ; o CSMP com uma maioria de membros nomeados pelo poder executivo apreciando disciplinarmente os magistrados. Não é preciso ser grande adepto das teorias da conspiração para ver o que isto tudo pode significar na prática: o fim do MP como magistratura.

Já agora: se o Governo quer dar ao PGR o poder de nomear directamente todos os magistrados dos lugares de topo (Vice-PGR, PGD's, etc), que lhe dê também o poder que verdadeiramente interessa: o de nomear toda a direcção da PJ (e, claro, também o de controlar a sua actuação)...

Rui Cardoso - excerto de comentario aqui no Incursoes


Está a a decorrer desde o dia 6 de Outubro e prolonga-se até 3 de Novembro em quatro cidades portuguesas:

Lisboa, Porto, Coimbra e Faro.

Saiba mais
aqui.

Oportunas reflexões

Copy paste do Sine Die
(que me descupem os ilustres deste excelente blog ousar um copy paste aqui, onde a caixa de comentários está aberta...)

Mais lugares nas prisões

A ampliação da lotação penitenciária (de 12000 para 14500 "lugares") não faz sentido.Quando é anunciada uma reforma penal e processual com vista a limitar a prisão preventiva e a estimular a aplicação de penas alternativas à prisão, qual é a lógica da ampliação do "parque penitenciário"?Expliquem, por favor!

A maioria aceita "alguma tortura"

Segundo uma sondagem realizada em diversos países, as pessoas são maioritariamente contra a tortura, mas, colocadas perante a hipótese de uma ameaça terrorista, um terço dos inquiridos admite "algum nível de tortura".Muito bem. Os inquiridos podem dizer o que quiserem. Sabemos bem que a opinião pública reage muitas vezes emocionalmenre a certos acontecimentos, que certas opiniões então maioritárias desaparecem quando os ventos amainam e o bom senso volta.É por isso que a democracia directa tem os seus limites constitucionais. É por isso que há matérias subtraídas a referendo. Os princípios do Estado de direito, por exemplo, estão retirados à disponibilidade do eleitorado. E a proibição da tortura, enquanto corolário do princípio da dignidade humana, não pode deixar de integrar o núcleo indiscutível do Estado de direito. Independentemente do que possam pensar opiniões maioritárias conjunturais.

Batalhas navais

Sinceramente, espanta-me a crónica de hoje de J.M. Júdice no Público ("Tiro no pé ou no porta-aviões"). É que ela é, afinal, um desafio ao PGR para que afronte o CSMP, ou então que se demita!... Tal radicalismo pode levar água no bico. Mas o PGR certamente não se deixará embalar em cantos de sereias... (continua aqui)

por Eduardo Maia Costa

20 outubro 2006

Os cantos das sereias e as vitórias de Pirro

Um comentário de Gomez *(a este post do Incursões):

O Bastonário José Miguel Júdice - que (segundo li algures) já tinha dito que no lugar do Conselheiro Pinto Monteiro teria pedido a demissão, face ao veto, pelo CSMP, do nome proposto para Vice-PGR - dá hoje no “Público” (link não disponível) conselhos ao PGR que só poderão conduzir a um resultado: o pedido de exoneração (a menos que o CSMP aceitasse reponderar o veto à adequação do perfil do nome proposto para Vice-PGR, cobrindo-se de um irremediável descrédito...), com a consequente abertura de uma crise de repercussões imprevisíveis.
Tal como J. M. Júdice, entendo que o MP carece hoje, patentemente, a vários níveis, de liderança e de uma efectiva afirmação da hierarquia e dos mecanismos de coordenação, nos limites da lei, em benefício da eficiência, da eficácia e até da concretização, real, dos princípios da legalidade e da igualdade dos cidadãos perante a lei.
Mas nenhuma “máquina” se afina e nenhuma hierarquia se afirma, pela via da “espadeirada” (acompanhada, ou não de discursos grandiloquentes...). Qualquer reorganização bem sucedida pressupõe uma “massa crítica” de apoio, por mínima que seja. E só se consegue removendo, com determinação inquebrantável, mas também com bom senso, as inevitáveis resistências à mudança, evitando vias que as adensem.
Na minha modestíssima opinião, se o PGR está verdadeiramente empenhado em ter sucesso na reforma e na liderança do MP, trabalhando desde já com as leis que existem (como afirmou), deverá evitar os cantos das sereias voluntariosas que o empurram para confrontos que não poderá ganhar ou que só ganhará com vitórias de Pirro (que não só não o ajudarão a atingir os seus objectivos como serão mais uma machadada no crédito das magistraturas).
O PGR tem de ser um líder, com um programa claro. Mas liderar não é, só, julgar em última instância. Pressupõe um conjunto complexo de valências (visão estratégica, táctica, capacidade de gestão, de comunicação e de mobilização, ...). Também na vertente interna, o PGR terá de ter tacto “político” e “diplomático” se quiser atingir os seus objectivos. Isto não quer dizer que admita transigir sobre o rumo traçado. Quer dizer, apenas, que uma recta nem sempre é o caminho mais curto entre dois pontos, como saberá qualquer gestor capaz.
Importa, por último, recordar o óbvio: os comentadores dos media (sem excluir, naturalmente, o obscuro signatário) têm, por vezes, agendas próprias e não se responsabilizam – nunca – pelos resultados dos seus conselhos, recomendações e informações...


* titulo deste post da minha (Kamikaze) responsabilidade




Já se pode voltar a acender a luz!

(mas só dia sim dia não...)

19 outubro 2006

Diário Político 30

Noticias da frente de batalha: r.a.s.*

Quando o azar nos bate à porta, não há nada a fazer. Estava este texto (aliás outro com o mesmo nome) quase pronto e eis que o Pacheco Pereira se atravessa á frente e ganha por um largo passo. E ainda por cima tem um título excelente, qualquer coisa a falar de “rivolição”. E o caso não era para menos. A criatura que manda no Porto, não gosta de cultura. A cultura que se faz no Porto gosta pouco da rapaziada e menos do cavalheiro que tem a chave do cofre municipal. Vai daí resolveu dar a triste, pobre, quase desnecessária, machadada no Rivoli. Note-se que isto era como a fama do brandy Constantino: vinha de longe. Via-se a olho nu que o Rivoli estava por pouco, por um fio, sem dinheiro, sem público, sem horizonte visível. São muitas as razões, poucas as explicações, mas que havia deserção de público, dificuldades em criar um cartaz de espectáculos atraente, disso não há dúvidas.
Pacheco entende que a cultura deve ser paga pelos seus usuários, sobretudo se disser respeito a teatro, música e cinema, ou seja ás disciplinas que são mais caras, que exigem investimentos mais volumosos. E não deixa de ter alguma razão sobretudo quando refere os anos anteriores a Abril 74. De facto havia teatro comercial, desconhecia-se aliás o princípio da subvenção pública, excepção feita ao D Maria, a S. Carlos e às orquestras dependentes da Emissora Nacional e a um patusco grupo de bailado folclórico nacional chamado se a memória não me falha, “Verde Gaio”. Também é verdade que havia cineclubes que conseguiam viver das quotizações, revistas culturais que viviam das assinaturas, apesar das dificuldades impostas pela censura, e as sociedades de concertos não deixavam de ter uma impressionante actividade. Tudo isso ruiu fragorosamente, depois de 74. Os grupos de teatro começaram a ser subsidiados, as orquestras são integralmente pagas pelos dinheiros públicos, os cineclubes quase desapareceram, as sociedades de concertos estão numa situação agónica. Contra isso já aqui se escreveu (diário político 17).
Com isto começou a infantilização do público que se habituou a pagar uma soma simbólica pelos espectáculos e, mais grave, a infantilização dos agentes culturais que deixaram de considerar a vertente financeira da sua actividade. Pior mesmo: o maná distribuído com uma impressionante falta de critério aumentou a oferta “cultural” dando origem a dezenas, centenas de pequenos grupos, que funcionam em circuito fechado, mendigando pequenos apoios, montando pequenos espectáculos, criando públicos muito pequenos e voláteis, desprezando critérios de qualidade e finalmente desprezando o público pagante, culto ou não.
O discurso subjacente a isto, macaqueava o discurso de esquerda, o “direito à cultura”, à “liberdade criativa”, os “trabalhadores culturais” mas, de facto, pelo elitismo exacerbado (não estou a falar de qualidade, claro...) e pelo desprezo pela opinião pública recobria um claro discurso de direita, a aristocracia cultural como substituta da outra antiga e rançosa.
A ocupação do Teatro Rivoli decorre um pouco disto tudo e da ideia peregrina de que um problema de gestão das salas daquele complexo, se resolve pela voluntarismo de meia dúzia de criaturas que não conseguem perceber que ocupando o Teatro Rivoli, o que é sempre uma violência, uma ilegalidade, só dão armas ao senhor Rio, que se pode finalmente apresentar como vítima de um pequeno grupo de “okupas” sem apoio de massas, perante o desinteresse da cidade, dos seus habitantes, dos consumidores culturais.
Este pequeno rancho de “inocentes úteis” que não conseguem olhar mais longe do que o seu pequeno e feio umbigo, deu de mão beijada ao presidente da câmara, o teatro e a sua gestão, destruiu qualquer hipótese de protesto mais consistente e menos espectacular, eventualmente mais produtivo.
Este pequeno bando esqueceu-se das regras imortais e clássicas de toda a guerrilha: mover-se no seio das massas como o peixe na água. O mesmo é dizer que uma ocupação deste teor só se deve usar com um forte apoio exterior, com um claro discurso justificador, sem balivérnias como as que se leram nos jornais, com uma perfeita noção do “tempo”, enfim com inteligência.
E quando o dr. Francisco Assis, líder da oposição camarária, disse o óbvio, logo o dirigente bloquista Teixeira Lopes veio acusar o primeiro de institucionalista e de conservador. Tudo isto em simultâneo com apelos à população, aos intelectuais da cidade e ao público. Que ficaram em casa. E a história acaba desta maneira tristonha com meia dúzia de polícias a entrar no teatro e a prender os poucos ocupantes.
Convém dizer que, a meus olhos, a polícia até lhes fez um favor. Também é verdade que a polícia do Porto ou outra cidade não é obrigada a ser inteligente, se calhar até nem convém. Mais um dia e o movimento ocupante sem água nem luz morria. Por cansaço, pela indiferença generalizada e sobretudo porque os ocupantes não tinham uma ideia quer quando entraram na sala para a ocupar, quer quando resolveram continuar quer nos pobres manifestos que atiraram para a rua. Em suma fizeram o maior dos favores possíveis ao presidente da câmara e terão por isso escrito a página negra que faltava a este luto cultural que persiste em usar o pseudónimo de “cultura portuense”.

*r.a.s.: rien a signaler. título de um belo filme de Yves Boisset (1973) sobre a guerra da Argélia.

Referendo aprovado na Assembleia da República

Foi hoje aprovada, com o voto favorável dos deputados do PS, do PSD e do BE, a proposta de referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras dez semanas (ler aqui). Muito bem. Apesar de haver uma maioria de esquerda que poderia aprovar uma lei sobre o assunto favorável à despenalização – como sempre defendeu o PCP – o Partido Socialista não recuou no propósito de voltar a referendar esta importante questão, oito anos passados sobre a consulta de 1998.

Abre-se agora uma oportunidade para o debate, que se deseja esclarecedor, livre e sem fundamentalismos de qualquer espécie.

Au Bonheur des Dames 37

Carta a um leitor

Eu, Caríssimo Leitor, não sou um escritor. Lá gostar de ser, gostava, mas de facto, e aqui entre nós, não o sou. Escrevo muito, pois venho de uma família que durante longuíssimos e bons anos, se espalhou por esses imenso mundo fora, por todas as razões possíveis, exílio político incluído. Unidos como eram, e somos, escreviam longas cartas uns aos outros/outras. A campeã era obviamente a minha avó Aldina que devia ter um qualquer acordo privilegiado com os correios porque diariamente dava ao dedo e pimba!, três cartas, pelo menos ela enviava. Mesmo naquele tempo, aquilo representava dinheiro. Todavia, a Velha Senhora (era assim que eu e a prima Maria Manuel lhe chamávamos...) não desistia de escrever. Aos filhos, aos netos, às primas e sobrinhas a um numeroso lote de amigas e sei lá a quem mais. A tia Néné, idem, escrevia que se desunhava. Entre ela e a minha mãe aquilo parecia um teletipo de jornal em hora de movimento: as cartas cruzavam-se sobre o mar carregadas de pequenas novidades, notícias sobre a moda, sobre livros e filmes, sobre os familiares tudo isto atado por uma vaga filosofia de comportamentos que elas iam trocando em miúdos. Outros tios, eu mesmo, idem, aspas, mas já em menor grau (nós de certeza não tínhamos desconto dos CTT!). E se insisto nisto dos descontos é apenas porque a minha mãe (agora tratada juntamente com a tia Néné por “Old Ladies” – sempre a perigosíssima Maria Manuel a pôr nomes) que conta com uns garbosos oitenta e quatro anos, tem alguns extraordinários hábitos gastronómicos. Gosta de comer fora. E gosta porque aí não é obrigada a seguir a férrea dieta que se impôs a si própria por via do que ela chama uns probleminhas de saúde. Portanto, comer fora, é um álibi para o mais que venial pecado da gulodice numa senhora desta idade. Perto de casa dela, havia um restaurante chinês de grande qualidade. Mais caro que os congéneres, mas muito melhor, mais variado e com uma cozinha muito mais rigorosa. O venerando Manuel Simas Santos, grande conhecedor de cozinha chinesa, pode atestar o que digo. A senhora minha mãe tantas vezes lá ia, levava lá tantas, e tão diferentes, pessoas que o dono do restaurante, lhe ofereceu um cartão vermelho que a creditava como cliente especial com direito a 10% de desconto em qualquer despesa. Quando vi aquilo, comecei por pensar que o cartãozinho era uma primeira versão do famoso livro vermelho do falecido presidente Mao. O mariola do chinês seria um agente secreto encarregado de recrutar membros da 3ª idade para a boa causa. Mas o meu irmão, desiludiu-me: que não, que a China já não precisa de agentes idosos em Portugal ou em qualquer outra parte do mundo. A segunda hipótese que me veio à ideia era de que o caviloso gerente do restaurante quisesse de uma forma indirecta, cativar a minha “Old Lady” e, quiçá, propor-lhe casamento para poder estabelecer-se definitivamente em Portugal. (Coitado, pensei, nem sabes no que te metes...). Todavia, apesar de romântica, esta hipótese esboroou-se quando, numa vez que lá fui, ele nos mostrou dois filhos pequeninos, gordinhos, bonitos e absolutamente chineses.
A terceira ideia que me surgiu foi a de que talvez ele precisasse de uma sócia e preveni a minha mãe que, mais dia menos dia, a via na caixa do restaurante, a conferir as despesas dos clientes. A minha mãe disse-me então que, nesse caso, teria de pedir um desconto maior, um ordenado condigno, cabaias chinesas a condizer (Não vou andar lá vestida à ocidental!), caixa de previdência, 13º, 14º e 15º mês (é o mês lunar, disse-me a excelente senhora, na China é assim. Claro que não é mas eu não podia desiludir uma leitora de Somerseth Maugham e de Pearl Buck.). Enfim, acabei por acreditar que era mesmo um pequeno gesto de amizade e o reconhecimento devido a uma freguesa constante. Sempre que vou a Lisboa, lá agarro na autora dos meus dias e zás, Miraflores com os dois para o Palácio da China (pois o das vizinhanças, e do mesmo dono, fechou com enorme desgosto da minha mãe, das suas habituais parceiras de canasta que ela viciara em arroz chau-chau, em shop suey, chau min ou guo bao de San Xian, do meu tio Quim, e dos meus sobrinhos...).
Meu Caro leitor DMF, como V. pode ver eu já me perdi: estava a dizer que não era escritor e já lá vão duas laudas de comida com desconto!
Esta é a primeira razão porque não sou, nem nunca poderei ser escritor: perco-me. Pareço um desses viajantes que só o são porque, indo à mercearia por um quilo de batatas, só aparecem, quando aparecem, dali a una anos, muito queimados pelo sol, trazendo uma arara ao ombro e uma tremenda pronúncia brasileira. Vai-se a ver, esqueceram-se da compra urgente para o jantar e andaram, andaram até que tomaram o primeiro barco, fizeram-se aos trópicos, foram atacados por piratas, naufragaram nas Caraíbas, encontraram o Corto Maltese ou um bando de maoris neurasténicos e, pronto!, foram ficando, sabe-se por onde, sabe-se lá a fazer o quê, filhos claro, que isto de portuga vagabundo acaba sempre na cama de mulher doutras geografias...
Vê? Se não me acautelava lá apanhava com uma de luso tropicalismo pelas ventas, assim, como quem não quer a coisa.
Ponhamos que eu não sou escritor porque de facto sou um leitor. Como Você. Exactamente! Um tipo que, em apanhando uma folga, rapa da primeira coisa impressa que esteja à mão, senta-se, encavalita os óculos na ponta do nariz, pede uma bica e um copo de água, saca um cigarro (não, um cigarro não que eu já não fumo, que é impoliticamente incorrecto fumar mesmo num blog, ouviu Carteiro? - nem num blog!!!, que vem aí o dr. Correia de Campos e prega-lhe com uma taxa moderadora, e se não for ele, é outro como ele, mas mais magro, por exemplo o Dr. Vital Moreira, que agora vende banha da cobra pró-governamental que se farta, nada é mais triste do que um ex-comunista envergonhado, e lá estou eu outra vez a descarrilar, senhoras e senhores leitores façam o favor de não ler o que acima se escreveu, de o esquecer, de o negar, risquem as palavras, apaguem o computador, apertem os cintos que o comandante mcr e a sua tripulação vos desejam muito boa viagem) e lê, um livro, o jornal, a ementa, um anúncio, um edital ou, na falta disto tudo, a literatura inclusa que vem numa embalagem de aspirina.
Um gajo desta cepa nunca poderá ser um escritor, mesmo que o queira, que lho digam, que ele sonhe, pense, ou sequer suspeite. Um gajo deste género suja papel, mete letras num ecrã, tropeça no teclado e repara que, em três quartos de hora, conseguiu transformar uma carta séria e agradecida ao leitor David Monteiro Ferreira nesta babel que entretanto assina, mete no sobrescrito, cola um selo e expede ao cuidado dos CTT que agora se chamam, valha-lhes Deus!, comezinhamente Correios de Portugal.
Vai para David, com um abraço e um forte agradecimento: os leitores, Caro Amigo de Cortegaça, ainda por cima, terra marítima deste litoral maninho que se chama Portugal, são o sal da terra. E o prazer da escrita só é verdadeiro se for acompanhado desse outro que se chama o prazer da leitura. Melhor: a escrita só o é se, do outro lado, houver um leitor amável e atento. Até lá, é tão só uma garrafa com um papel dentro, deitada ao mar forte e franco que, de Caminha até Vila Real de Santo António, nos afeiçoou o ser, nos calejou o corpo com sal e sol e nos fez assim, diferentes mas iguais, mais de horizonte que de presente, mais portugueses do que qualquer outra coisa. É a nossa sina. Encomendemo-nos, pois, a S. Pedro, a S. Bartolomeu, à Senhora da boa Viagem ou tão só ao azar das ondas e do vento.

No Porto, no Molhe do Ferreira, em dia de mar forte e chuva, entre as cinco e as seis da tarde. Para David Monteiro Ferreira, leitor e amigo dos incursionistas, acompanhando a separata “gaudeamus igitur”.


«A votação foi secreta, mas face a rumores de que o resultado teria sido condicionado por influências do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), o PÚBLICO apurou que apenas três dos 18 conselheiros presentes foram eleitos em listas apoiadas pela estrutura sindical liderada por António Cluny.» (excerto de noticia do Público)
*
Funções do CSMMP - ver aqui
Composição do CSMMP
Presidente
Procurador-Geral da República, Conselheiro Fernando José Matos Pinto Monteiro
Vogais
Membros eleitos pela Assembleia da República
Dr. Rui Carlos Pereira , Dr. Filipe Madeira Marques Fraústo da Silva, Dr. Eduardo Manuel Hintze da Paz Ferreira, Dr. João José Garcia Correia, Dr. António José Barradas Leitão - vogal a tempo inteiro
Membros designados pelo Ministro da Justiça
Dr. Júlio Castro Caldas, Dr. António Henrique Rodrigues Maximiano
*
Procuradores-Gerais Distritais
Dr. João Dias Borges, Dr. Alberto José Pinto Nogueira, Dr. Alberto Mário Coelho Braga Temido, Dr. Luís Armando Bilro Verão
Procurador-Geral Adjunto (eleito pelos pares)
Dr. João Manuel Cabral Tavares
Procuradores da República (eleitos pelos pares)
Dr.ª Helena Cecília Vera Cruz Pinto - vogal a tempo inteiro, Dr. João António Gonçalves Fernandes Rato
Procuradores-adjuntos (eleitos pelos pares)
Dr. José Mário Nogueira da Costa, Dr. Paulo Eduardo Afonso Gonçalves, Dr.ª Edite Paula de Almeida Pinho, Dr.ª Aurora Rosa Salvador Rodrigues


Silvia Chueire - sessão de poesia na Capela de Fradelos, 13-10-06

18 outubro 2006

Pintura de Maria Rosas em exposição no Porto

A artista portuense Maria Rosas, a quem já aqui me referi anteriormente, apresenta as suas obras mais recentes numa exposição colectiva que será inaugurada amanhã, quinta-feira, dia 19, pelas 21h30, na galeria do Ipanema Park Hotel, na cidade do Porto.

Essa exposição acolherá também os últimos trabalhos de Pi Osório, Inês Costa e Joana Gonçalves, podendo ser visitada pelos interessados até ao próximo dia 29 de Outubro.

17 outubro 2006



Au Boheur des Dames 36

A jornada portuense relatada a Madame Kamikaze
por mcr chauffeur de Madame Sílvia Chueire

Perdoarão as gentis leitoras que esta vá em forma de carta para Madame Kamikaze, aliás Lili Marlene, aliás hospedeira do ano. Razões, poucas mas substanciosas, como verão. Na verdade, a referida destinatária (gosto deste tom seco, indefinido, muito de auto de notícia ou de cursillo de formação, ou similar) estava em grande cuidado por não ter podido aproximar-se da capital do trabalho (ah, ah, boa esta, capital do trabalho...) tutelando os passos da nossa (do incursões) Cônsul Geral na praia de Ipanema e seu termo. Ou seja da Sílvia.
Fui testemunha, ainda que só de vista de telefonemas da Frau K. para a pupila. Pelas respostas adivinhavam-se as perguntas: estão a tratá-la bem?, o Carteiro ainda não fez propostas de alto teor lírico?, o mcr tem sido o chauffeur impecável que prometia?, têm-lhe dado de comer a horas decentes? E de beber? já lhe deram alguma coisa melhor do que o Mouchão (cfr Au Bonheur 35)?
Em suma, a coisa parecia um interrogatório de uma juíza de instrução a uma inocente testemunha em vias de se perder no meio de um grupo desordeiro, nortenho, de portistas fanáticos com a notável excepção de um navalista (de Naval 1º de Maio, essa mesma que ontem meteu uma seca ao Boavista em casa deste, desculpe lá senhor major mas a malta figueirense não ia vir por aí acima para ver as vistas...). Convém dizer que a Sílvia se portou bem, sem ceder aos cantos de sereia que lhe vinham de lá de baixo. Respondeu a tudo dizendo “bacana! Bacaníssimo” num brasileiro impecável estranhamente parecido com o português que usamos. Vejam lá o que a empatia é capaz de fazer.
Mas para que se faça luz definitiva sobre este derby Porto-Lisboa, deve ser aqui deixado relatório sintético da passagem do cometa Chueire pela cidade invicta.
Quem estas traça, encarregara-se com muito gosto de ir buscar a visitante vinda do outro lado do mar a Campanhã. Com a pressa esqueci-me de pôr boné e de lavar o carro. Desculpe lá Sílvia, foi o nervoso. De Campanhã para o hotel teve a nossa convidada possibilidade de conhecer uma cidade engarrafada e de verificar que o seu chauffeur não desdenha manobras perigosas, proibidas e de alto valor artístico. O passeio programado reduziu-se a ir do hotel da Bolsa até uma explanada do molhe para um “chopinho” e conversa porque o engarrafamento não mostrava sinais de cansaço. Nessa noite a Sílvia deu um recital na capela de Fradelos e alguns dos incursionistas tiveram o prazer de conhecer o leitor “Ferreira”. (Saravah, leitor amigo e atento! Mande a sua direcção para cá para na volta do correio lhe poder mandar uma separatinha que há tempos publiquei.). Cumpridas as funções poéticas fomos beber um copo a um dos múltiplos poisos do noctívago Carteiro. Pelo número de meninas que ele beijocou, ficamos a saber (já suspeitávamos...) que o cavalheiro é mais conhecido que a broa de Avintes e estimado na mesma ou em maior medida. Que inveja!
E já que se fala de broa, convém dizer que no sábado pela fresca matina foi a nossa convidada levada a conhecer uma verdadeira casa de pasto de Matosinhos para se bater com sardinha assada, broa e uns choquinhos grelhados. Como os convidantes eram dois (o próprio e o venerável Simas Santos, Manuelzinho para amigos, Sílvia incluída) não ficámos totalmente arruinados pelo animoso apetite que ela demonstrou.
Do jantar que reuniu a esmagadora maioria dos incursionistas nortenhos, verifico agora que ela própria já falou (acabo de ver no blog um texto da Sílvia que assim, à má fila me passa a palheta) que só peca numa coisa: esqueceu-se de referir o amável Carneiro, dono do restaurante que nos aturou até uma hora relativamente tardia.
Claro que a Sílvia ainda não percebeu porque é que a recebemos assim. Estas brasileiras são umas inocentes. A malta está já a consultar preços de avião, a estudar o calendário, a pedir informações meteorológicas sobre o Rio de Janeiro para em alegre excursão lá desembarcar e alojar-se, como está bem de ver, chez Sílvia, que os hotéis devem estar cheios e os restaurantes esgotados...

ps: Sílvia V ainda não partiu e já estamos com saudades!

O encontro no Porto

O encontro, a constatação de que as pessoas são mais do que eu podia esperar. Mais em gentileza, no olhar carinhoso para esta estrangeira que por razões do acaso foi parar num blog tão especial a torcar impressões com pessoas inesperadas.

A extrema confiança, a delicadeza, a inteligência, no trato comigo. As portas abertas. A amabilidade e a compreensão de todos. Os posts cheios de carinho.
Tem sido mais que um prazer estar com vocês. Muito mais. Tem sido a descoberta da capacidade das pessoas de serem próximas, humanas, francas e acolhedoras.
Hei de saber escrever sobre isto. Hei de estar à altura de vocês. Hei de poder apresentar o meu país com a mesma generosidade que vocês têm me reapresentado Portugal.
Como não amar um país que nos foi mostrado assim? Primeiro com os olhos do amor e agora com os olhos da amizade ?
Tenho ainda uma semana a desfrutar da hospitalidade da Kamikaze. A Kamilaze, esta pessoa que tem sido impecável comigo, que mais do que isso é um ser humano como há poucos. Não perderei um só minuto, sorvo-os com a clareza de que dias assim são um privilégio raro. E que sairei deles com outro privilégio ainda mais raro, o da amizade . Ainda volto aqui para escrever a respeito.

MCR, você foi perfeito! Mocho, você foi uma revelação. "O meu olhar" você confirmou o que eu suspeitava, a mulher inteligente, observadora aguda, seríamos já amigas se nos conhecessemos antes, tenho certeza. LC, eu sabia que vc seria esta pessoa elegante e discreta, de uma discrição que disfarça mas não oculta as qualidades que existem. Carteiro, havemos de ser amigos. JCP, obrigada pela sua mão na organização das coisas e pela presença, precisamos conversar mais. José, foi bom conhecer o seu olhar franco, muito bom. Estendam o meu agradecimento às esposas, ao marido, não se esqueçam. Apresentaram-me ao Porto que eu não conhecia. A cidade é encantadora e intrigante. Hei de voltar aí, para conhecê-la melhor.

Amigos, o jantar foi uma delícia, um jantar como sói ser, o prazer de uma fantástica refeição aliado à conversa ineligente e bem humorada, ao riso, ao vinho fazendo o complemento sem uma aresta sequer, ao afeto.

Escrevo este post com a noção clara de que é pouco o que digo. Com a noção perfeitamente clara que há momentos em que as palavras são insuficientes, pequenas. Mas o que posso fazer? Sou pequena e pouca frente a tudo que me tem sido oferecido. E não é falsa modéstia. É, isto sim, lucidez. Faço o possível.
Ainda voltarei para dizer algo sobre Lisboa e as pessoas daqui. Porque sou teimosa e estou tão encantada e grata.

Muito obrigada por tudo ! Muito!

Silvia Chueire

15 outubro 2006

tacones lejanos (*)


Foto: Kamikaze


Os táxis não têm taxímetro e acordar o preço da corrida não é empresa fácil, não só pela barreira da língua e endémica antipatia dos residentes para com os estrangeiros (há quem lhe chame xenofobia), mas também pelo sistema organizado de "caça aos patos"; no Metro anda-se quase tanto por corredores de ligação e escadas rolantes, sem fim à vista, como entre estações; mas a cidade é plana e tudo em redor parece merecer o olhar, disposto ao agrado, do passeante em férias. Percorre-la a pé parece a melhor solução.


Foto: Kamikaze Turistas modernos, munidos de sapatos cómodos (ainda que não necessariamente ténis), cruzam-se com os autóctones. Eles, charlando animadamente, em bandos machos ou acompanhando molemente raparigas elegantes como poucas, mantém fidelidade ao modelo calças escuras com pinças/camisa clara de colarinho entreaberto; de cabelos à Iuri dos filmes do tempo do MacCarthy, exibem sapatos de biqueira longa, fina e levantada, ao velho estilo "matar baratas", que as deve haver e muitas, naquelas casas que já foram imensos e ricos palácios e que, transformadas em habitação colectiva, se degradaram até ao limite e agora, fachadas deslumbrantes restauradas ao pormenor para glória da pátria russa, se adivinham ainda decrépitas no interior;

Foto: kamikaze

elas, queixos empinados em pescoços de garça, semi-nuas (**), olham em frente indiferentes aos olhares que não despertam (a não ser dos tais "patos" e mesmo "patas") e, empoleiradas nas suas andas, pisam o chão com firmeza. Com ruído e por vezes mesmo com estilo, lá vão taconando, taconando. Na caríssima São Petersburgo não há escassez que impeça as jovens mulheres de exibirem os últimos trapos da moda, numa curiosa interpretação do "estilo MTV", nem pézinhos que não saibam calcorrear quilómetros, com segurança, ainda que envoltos em finas tiras douradas cobertas de falsos brilhantes, encarrapitados nuns saltos agulha de fazer inveja a qualquer habitué da calçada portuguesa.Foto: Kamikaze
Por vezes um pré-adolescente passa rasando no seu skate mas, mesmo sendo já avançada a noite - as gentes desta cidade são animadamente noctívagas - nem o ruído das rodas chispando na inesperada utrapassagem as faz desviar o olhar do seu rumo, um ponto fixo algures no além inatingível dos intermináveis prospeckts, exibindo os seus dourados refulgentes de novos, que parecem querer levar o ofuscado visitante ao clímax, no brilho do sem fim das cúpulas em cebolinha que encimam outras tantas basílicas resgatadas da longa noite estalinista.

(**) por inveja (claro!) só coloco aqui fotos das semi-vestidas.


(*) postal dedicado à Silvia Chueire, brasileira descendente de libaneses, loira inteligente, elegante e classuda, que até nas calçadas mais antigas de Lisboa mantém a compustura e o estilo do alto dos seus... tacones lejanos :)
E à Gigi Mizrahi, mexicana também descendente de libaneses, ruiva, igualmente inteligente elegante e classuda, há muito consagrada desenhadora de jóias e que, vão la os homens entender (as mulheres percebem...) voltou no ano passado aos bancos da escola, agora em Itália, ombreando galhardamente com jovencitas de Milan aprendizes de... desenhadoras de sapatos. Passou com maestria, claro! Saudades, Gigi! :)
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Fotos Kamikaze - S. Petersburgo, Agosto 06