As ONG multiplicaram-se como coelhos. Há ONG para tudo numa profusão tal que, às vezes, um cristão confunde-se com tanta generosidade à solta. Depois vais-se a ver e há umas ONG mais ong que as outras. Ele é os seus dirigentes bem pagos (coitados, abandonaram tudo para se dedicar ao amor pelo próximo...), os métodos nem sempre escorreitos, a intervenção por vezes desastrada, e nem vale a pena prosseguir.
Desta feita foi uma Arca de Zoe que lançou o olho cúpido sobre o desgraçado Darfur (para quem não me tenha lido com atenção, o Darfur, repito agora, dura desde os anos sessenta. Digamos que já vai na terceira geração de combates, de misérias, de latrocínios e violações, de mortes. Lá a excepção é a vida, mesmo curta.) e entendeu dever salvar um milhar de órfãos dos desastres da guerra. Por acaso nem o Chade nem o Sudão aceitam que cidadãos seus de menor idade possam ser alvo de adopção. Por acaso a ARCA em causa disse, por interpostos responsáveis, que se estava nas tintas para estas leis provavelmente “celeradas”. Disse igualmente que os fins justificavam os meios. E não me venham com fosquinhas que eu vi e ouvi com estes e estas que me hão-de acompanhar até á cova.
Vai-se a ver e os órfãos não vinham da zona de guerra. E também não eram órfãos. Mas eram pretinhos e pequenos, o que já é um princípio. E já tinham à espera deles uns centos de putativos adoptantes, brancos, ricos e sem filhos. A Europa agora está cheia de casais estéreis ou será que preferem um produto mais colorido e já nascido e desmamado?
E esses casais ou alguns deles já tinham até adiantado uns milhares de euros para as despesas da ONG... A generosidade e o altruísmo estão pela hora da morte!
E agora o Chade num ataque de mau humor e ingratidão quer julgar estes abnegados missionários laicos! Mas o mundo está de pernas para o ar! Então agora os antropófagos, os selvagens, os “indígenas” ousam levantar a pata imunda contra quem os ensinou a comer (quando comem) com garfo, contra quem lhes revelou a história gloriosa dos “nossos antepassados os gauleses”?
A França, num primeiro tempo, reconheceu que a ONG em causa era um pouco expedita, um pouco extravagante, um pouco “estranha”. Parece até que o Quai d’Orsay preveniu o governo chadiano e a própria embaixada de que achava a Arca um pouco “heterodoxa”. Mas, ao mesmo tempo, e isso disse-se hoje no parlamento francês, foi em aviões fretados pelo governo francês que os funcionários da ong apareceram no Chade.
Entretanto, depois do sentimento de vergonha vem um outro mais escondido, et pour cause, mais clandestino, menos confessável. Não seria melhor repatriar os da ong e julgá-los em França?, perguntam agora. É que, provavelmente no Chade não há juízes, procuradores, prisões, tribunais, sei lá, dignos de receber cidadãos europeus, caucasianos, arianos, o que se queira, enfim não pretos.
O mundo está cheio de histórias sórdidas como esta. Não foi a primeira e não será a última. Mas podiam pelo menos poupar-nos ao insuportável espectáculo da bondade que se exporta para os confins de um deserto onde só há fome, pretos e calor.