Coisas de que não gosto
(a propósito de mais uma guerra inútil, e não o serão todas?, em que nunca haverá vencedores)
Nunca aceitei, e não vai ser agora que sou velho, que um Estado, seja ele qual for, se entenda, defina, julgue, um Estado de um povo eleito. Não há povos eleitos. Aliás, excepção feita a algum perdido rincão, povo, no sentido de etnia sem mácula nem mistura, não há. O mundo, as guerras, os azares, as migrações mestiçaram, e de que maneira, a esmagadora maioria dos povos.
No caso de Israel então, não há dúvida alguma. Os actuais israelitas são provenientes de cem países, há-os loiros e de olhos azuis, há-os negros (os falacha da Abissínia) há os que imigraram de diferentes pontos do médio oriente e por aí fora.
Nunca aceitei, e também não será agora, a teoria da conspiração sionista que vem de longe, como o Judeu Errante, passa pelos Protocolos dos Sábios de Sião, e acaba nas invectivas infames de dirigentes iranianos ou de grupos religiosos integristas árabes. A ideia de expulsar os judeus até se afogarem no mar, por sobre ser ridícula e presunçosa, cheira a genocídio desejado. Mesmo que, em certos momentos, o Estado de Israel tenha ultrapassado (e ultrapassou várias vezes) a mais elementar obediência às regras de convivência internacional...
Nunca aceitei, e não aceitarei jamais, a infâmia que é usar escudos humanos seja a que pretexto for. Não é apenas uma questão de cobardia, que já seria suficiente, mas é sobretudo um revelador terrível do desprezo que se tem pela vida humana, sobretudo pela dos outros.
Não aceito, do ponto de vista ético, a teoria do olho por olho e, muito menos, a resposta à agressão com outra infinitamente maior.
Não aceito que seja quem for torne o estatuto de refugiado num estatuto hereditário que, no caso da Palestina já vai na terceira (e em alguns casos) quarta geração. Também, obviamente, não aceito mesmo que isso seja apenas folclore, a situação tantas vezes descrita entre descendentes de judeus expulsos da península ibérica que mantém e ostentam umas alegadas chaves das casas que deixaram em Toledo ou em vila Pouca de Aguiar.
Não aceito que as perseguições anti-judaicas de há quatrocentos anos imponham aos actuais portugueses um pedido de desculpas que não só não altera a história, que é retórico, vácuo e apenas satisfaz a nossa bem-pensância. Não sou, enquanto cidadão ou enquanto português, responsável pela inquisição, pelo tráfico de escravos ou pelo assassinato indiscriminado de qualquer minoria que tenha habitado este país. Respondo pelo que se passa, ou passou, desde a idade em que tive oportunidade e possibilidade de pensar o mundo e de aceitar ou recusar o que se passava à minha volta. Ou seja, sinto-me responsável pelo que fiz, não fiz ou omiti desde, digamos, os meus dezoito anos.
Não aceito que a sombra da Shoa, do Holocausto, dos campos de concentração, dos guettos de Varsóvia, de Baby-Yar ou de outro qualquer lugar, sirva de desculpa para que as vítimas de então, ou os seus descendentes, parentes, simples próximos, usem de meios violentos contra as minorias próprias ou contra os vizinhos.
Aceito ainda menos porque não admito a mentira espúria que isso representa que alguém qualifique de genocídio ou holocausto o que se passa na Palestina. Chame-se o autor dessa infâmia Saramago ou Zé da Esquina.
Não aceito que por trás das campanhas de apoio ou repúdio ao Hamas, ao Hezbolah, a Israel ou ao Iraque (vítima também de um ataque baseado em falsidades absolutas) exista como muitas vezes, anti-semitismo. E digo anti-semitismo pela simples e modesta razão de serem semitas ambos os protagonistas. Há muito anti-semitismo (anti-judeu) por esta esquerda europeia que, incapaz de fazer a revolução em casa, vive as pseudo-revoluções dos outros. Há muito anti-semitismo (anti-árabe) por preconceito, por inveja da riqueza do petróleo, por desconhecimento ou medo puro e simples.
Não aceito que, agora que passaram vinte ou trinta anos, se esqueça, ou finja que nunca aconteceu, aquela longa série de atentados que tornaram tristemente famosos nomes como o de Abu-Nidal recentemente falecido na cama e quase em estado de santidade.
Não aceito que, a pretexto de erros passados, de progroms passados, agora se defenda a outrance o estado de Israel. Um crime não se apaga com o silêncio sobre outro crime.
Não aceito finalmente que se confunda uma guerra (com tudo o que tem de horrível) de baixa intensidade, servida por “bombardeamentos cirúrgicos” mesmo com danos colaterais, como claramente ocorre em Gaza com um massacre absoluto. Se Israel quisesse levar a cabo um “genocídio” como por aí se lê amiúde, bastava-lhe cercar as cidades e varrê-las a tiro de artilharia. Tem canhões suficientes, tanques suficientes, aviões suficientes, navios suficientes para transformar uma cidade cujos edifícios são feitos de materiais relativamente ligeiros num cemitério, num “grande cemitério sob a lua”, se me é permitido citar o católico Bernanos quando escrevia sobre a infâmia franquista.
Não aceito que se confunda um Estado que, apesar de tudo, se rege pela lei, reconhecido pela comunidade internacional (que aliás o criou via ONU em 1948) com uma região submetida ao poder de um grupo islamista fanático que se apoderou da governação por meio de um golpe de estado sangrento cujas vítimas são, por enquanto largamente superiores ao milhar confirmado de mortos palestinianos. E que ainda por cima eram, como os seus executores, membros desditosos da comunidade palestiniana, defensores da mesma causa independentista e nacional.
Não aceito, finalmente, o relativismo moral que faz com que se encare esta guerra como apenas um conflito entre dois povos, duas religiões que a nós europeus e ocidentais dizem muito pouco. Há por aí muito racismo disfarçado e uma guerra como esta vem mesmo a calhar. entre matadores de Cristo e infieis, diz-se, venha o diabo e escolha. Eles que façam o que as cruzadas e Hitler não ocnseguiram fazer...