31 outubro 2004

Direitos

Depois de algum tempo de ausência, at e o seu direitos regressaram, se possível ainda com mais vigor e sentido de oportunidade, como se constata, para além de muito mais, desta prosa:

"Auto-incriminação

O bastonário da Ordem dos Advogados está indignado com a forma como tem sido conduzida a investigação do «caso Joana», sustentando que os direitos humanos dos arguidos não foram salvaguardados. «O que se passou no Iraque é a mesma coisa que se passou no Algarve», comparou José Miguel Júdice.Falando ao DN à margem das jornadas Direitos Fundamentais, em Évora, o bastonário considerou «inadmissível» que se recorra «à lógica da tortura». É que, referiu, «se se começar a dar choques eléctricos, se se partirem dedos, se se obrigar a estar de pé sem comer nem beber, a pessoa acaba por confessar». «Há muita coisa em Portugal que ainda tem a ver com a barbárie», acrescentou. Para Júdice, o crime do Algarve «foi horrível», mas a sua mediatização levou as autoridades a tentarem fazer com que as pessoas se «auto-incriminassem».

Vem no DN.

Dado que o Senhor Bastonário não estava a falar de cor, espera-se que o Ministério da Justiça, ou Assembleia da República, ou a Procuradoria-Geral da República adoptem os procedimentos adequados ao esclarecimento daquilo que é denunciado: a barbárie policial. Será que o Dr. Maximiano tem razão, no que disse ao Independente, sobre a PJ?"

Ecos do Funchal (cont)

A estrutura do Ministério Público ainda está desadaptada das novas solicitações decorrentes das reformas legislativas efectuadas nos últimos tempos em Portugal, concluiu ontem, no Funchal, o presidente do sindicato dos Magistrados do MP, Luís Felgueiras. Este responsável transmitia aos jornalistas algumas das conclusões do colóquio que esta estrutura sindical promoveu nos últimos dois dias no Funchal, subordinado ao tema "as novas áreas de intervenção do Ministério Público e a defesa dos interesses colectivos", que reuniu dezenas de magistrados. (...)
Para este representante dos magistrados, "a função do MP é, continua a ser e será, dentro do quadro legal, relevante na defesa dos interesses da colectividade", pelo que sustenta que a "estrutura orgânica deve ser aperfeiçoada, melhorada e enriquecida por forma a dar uma melhor resposta ao leque de novas solicitações".
"Temos a nossa parte de responsabilidade, não sacudimos a água do capote, temos de nos esforçar, mas não depende só de nós", concluiu Luís Felgueiras.

Excertos de artigo do Público de hoje.

Não atam nem desatam

O Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) de Vilamoura a Vila Real de Santo António começou a ser elaborado há oito anos. Finalmente há a promessa de o aprovar até final do ano. A costa algarvia, entretanto, sofreu muitas metamorfoses. Há praias que quase desapareceram, vivendas de luxo que foram penduradas nas falésias e mais casas clandestinas que foram erguidas nas ilhas-barreira. Por outro lado, o reforço do cordão dunar e o desassoreamento da Ria Formosa, na zona de Cacela e noutros pontos mais frágeis do ecossistema, custou em 1999 cerca de dez milhões de euros.

A elaboração do POOC foi apresentada como uma panaceia para este troço da costa algarvia, mas agora que a legislação está para sair parece que tudo vai ficar em aberto.
A demolição das mais de 1500 casas de veraneio, clandestinas, ficará dependente de planos de pormenor e de requalificação, a elaborar não se sabe quando. Quanto às vivendas, hotéis e golfes junto ao mar, cada caso é visto com um caso especifico. De resto, nem seria necessário aprovar o POOC para mandar demolir as mais de 500 casas ilegais na Ria Formosa. "O POOC não apresenta uma proposta significativamente diferente da do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Ria Formosa (PNRF), não sendo necessária a aprovação deste plano para que se dê o início das demolições", lê-se no documento.

O ministro do Ambiente, na sua última deslocação ao Algarve, garantiu que até final do ano o POOC estaria aprovado. Já no que diz respeito a demolições, foi mais vago: "Vai abaixo o que tem de ir abaixo". Anteriormente, outros governantes tinham proferido, sem resultados práticos, idênticas declarações.

Mais informação no Público on line

Nem só da indefinição do POOC se fez a degradação da magnífica paisagem e ecosistema algarvios. Nos últimos anos, ao abrigo dos celebrados "direitos adquiridos", dezenas de condomínios continuam a emergir em ritmo cada vez mais acelerado (quais cogumelos alucinogéneos) entre a EN 125 e o mar. As suas grandes dimensões, as suas corres berrantes, as suas colunatas, frontões e tudo o mais que o binómio patos bravos/desenhadores tem como atraente, erguem-se inopinadamente no meio de hortas e do que resta dos laranjais, num cenário totalmente deprimente. Tudo (a gosto e) a bem da bem da saúde financeira das autarquias, esse embrião da sebastiânica regionalização.
Salva-se, por enqunto, o que fica para o interior da EN 125. No barrocal, até agora a salvo da gula dos grandes empreendedores, aposta-se cada vez mais no turismo rural de qualidade, em muitos casos (quiçá a maioria), por iniciativa de estrangeiros.
Entretanto, os empresários do sector hoteleiro continuam/rão a chorar em coro pela perdida galinha dos ovos de ouro, os particulares continuarão a anunciar profusamente, nos jornais, o arrendamento de casas nos meses de verão, sabedores que o fisco se está nas tintas, os empresários turísticos continuarão a apostar no turismo de massas que tornou um autêntico pesadelo, entre outras, a outrora magnífica zona de Albufeira e a classe média cada vez mais poderá adquirir a sua habitação de férias com vista para o matagal ou para urbanização idêntica. Nem Vilamoura, salvaguardadas as devidas diferenças, foge a esta lógica: a pura visão do imediato.
E venham mais 5 planos, para tudo ficar cada vez mais na mesma, se não se mudarem as GENTES e as VONTADES.

Ecos do Funchal

(...) «Na PGR não se planifica nada.»A frase é do procurador da República João Rato, magistrado com assento no Conselho Superior do MP. Um outro magistrado lembrou que, para além de falta de definição de metas no combate ao crime para todo o MP, os magistrados, por vezes, sentem a falta de apoio da hierarquia, sobretudo quando têm entre mãos processos complexos.

João Rato, em declarações ao DN, chamou a atenção para a necessidade de se contextualizar a expressão por si proferida. «Tratou-se de uma força de expressão porque, senão, estaria a ser injusto», disse, lembrando que há tarefas que têm de ser planificadas diária, mensal e anualmente. Nesse caso, «questionava se é possível, ou não, antes do início de cada ano judicial, a PGR definir como metas para todo o MP, nesse ano - nas suas várias funções - determinados objectivos».

«Esse plano não é feito», reconheceu. A PGR faz um relatório anual sobre toda a actividade do MP, «mas não se vê que no ano seguinte se tirem as ilações desse mesmo relatório para se fazer a planificação», explicou o magistrado, ao que acrescentou: «Esta ausência de planificação tem de ser superada, embora não exista nada na lei que obrigue a PGR a fazê-lo.»

Há um constrangimento no meio de tudo isto que se deve ter em conta: o MP rege-se pelo princípio da legalidade e não pelo da oportunidade. Neste sentido, a planificação poderá ser inútil, «pormenor» que pode ser ultrapassado, frisou.

Quanto à alegada falta de apoio que alguns procuradores dizem sentir por parte da sua hierarquia, considera que «há quem se queixe de interferência a mais e quem se queixe de abandono». Por isso, os magistrados vão ter de debater o assunto e chegar a uma conclusão. «Têm de dizer que tipo de hierarquia é que querem», salientou.

In DN

29 outubro 2004

Apanhados... de surpresa

«O Conselho de Ministro aprovou, ontem, alterações ao Código Penal e ao Código de Processo Penal, (...) num processo-relâmpago que apanhou todos de surpresa. Ordem dos Advogados, associações representativas das magistraturas, partidos da Oposição e Sindicato dos Jornalistas ainda não conhecem os documentos aprovados, embora Aguiar Branco tenha passado as últimas semanas em rondas com os intervenientes judiciais, com vista à realização do anunciado "Pacto da Justiça". (...)
As alterações ao Código Penal e Código de Processo Penal comportam poucas novidades, relativamente ao já proposto pela anterior ministra da Justiça, Celeste Cardona."

Ler mais no JN de hoje.

Do Portugal Profundo

António Balbino Caldeira, professor universitário, autor do Do Portugal Profundo (blog inicialmente generalista e que, ultimamente, se tem dedicado a denunciar aquilo a que chama "o domínio do aparelho de estado pelos pedófilos" e tem publicado documentação do processo Casa Pia e, muito recentemente, o relatório do SIS sobre pedofilia em Portugal) foi constituído arguido pelo crime de desobediência simples, relacionado com a referida divulgação, tendo sido objecto de busca(s) domiciliária(s), na qual foi(ram) apreendido(s) o(s) seu(s) computador(es).

ABC

O repto lançado na blogoesfera, por Nuno Peralta (http://janelaparaorio.weblog.com.pt/), em 6 de Outubro, para criação de um movimento político - Alternativa ao Bloco Central, teve adesão rápida de alguns estimulantes bloggers (alguns “visita” aqui do Incursões) e tem proporcionado interessantes debates, que podem ser acompanhados no blog Alternativa (http://alternativa.weblog.com.pt/).

Queremos uma Alternativa Real ao Bloco Central. Acreditamos na liberdade. Na liberdade de expressão. Na liberdade de iniciativa. Mas também defendemos a responsabilidade. E defendemos que quem clama por direitos não se pode esquecer dos seus deveres. Não há por aí mais gente desiludida com os partidos de poder, que se posicione ideologicamente ao centro, interessada em criar um movimento político que condicione o actual "bloco central"? Alguém que se preocupe com o futuro do país e que queira fazer algo, levar avante as reformas necessárias, sem objectivos de carreirismo partidário? Como fazer? Vamos a ver. Se fosse fácil, já outros o teriam feito."

O repto-declaração de princípios do Nuno e dos demais aderentes, bem como a group policy e a ficha de inscrição podem ser encontrados aqui e aqui.

A cabeça de Nobre Gudes

Em 20 de Julho dei conta, aqui no Incursoes de notícia do Público relativa à proposta de Sidónio Pardal para a alteração do regime jurídico da RAN e da REN e que me parecia apontar no sentido da preparação de um golpe de estado ambiental”.

Ontem, no Público, dava-se conta que o Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CNADS) emitira, na véspera, um parecer negativo sobre tal proposta e que “ Os conselheiros fizeram a defesa da continuação das figuras da REN e da RAN, acentuando o seu carácter nacional, indo assim contra o essencial da doutrina defendida por Sidónio Pardal, que defendia a transferência da tutela sobre estas áreas para os municípios.” E que “ A Comissão Nacional da REN também já emitiu um parecer muito negativo sobre a proposta, considerando que as reservas eram nesta vistos "como regulamentos urbanísticos quando, na verdade, estas duas reservas devem ser entendidas como servidões, com o objectivo de assegurar a protecção dos recursos considerados fundamentais para a manutenção e preservação do equilíbrio ecológico e de uma estrutura biofísica básica, indispensável ao uso sustentado do território".

Noutro local do mesmo diário, dá-se conta que o ministro do ambiente, Luís Nobre Guedes afirmou, na abertura da 8ª Conferência Nacional da Qualidade do Ambiente, em Lisboa "O meu problema não é com os ambientalistas, é com os interesses", tendo lançado à sua plateia de estudantes universitários, professores e outros especialistas ligados ao ambiente, o seguinte repto: "Peço a vossa ajuda porque vou passar por maus bocados." E apelou à solidariedade dos jovens, universidades e da "gente do ambiente".
Sobre o "caos" do ordenamento do território em Portugal, o ministro reafirmou que o ambiente tem como principal opositor os "ilegítimos interesses". "Não tenho dúvida que tenho a cabeça a prémio", disse, acrescentando: "Os senhores vão ver o que vai acontecer quando eu decidir sobre a RAN [Reserva Agrícola Nacional] e a REN [Reserva Ecológica Nacional], porque têm interesses muito poderosos."

Que este ministro se tem revelado politicamente mais hábil que a maioria, concedo, mas sem esquecer que o ponto de comparação está abaixo dos mínimos. Por isso, como já referi a propósito dos encómios que lhe fez Miguel Sousa Tavares, por ora vou continuar a ver para crer, na terrível dualidade de não querer mal ao nosso putativo Rambo, mas poder ser uma benção para o país que LNG perca a cabeça...

28 outubro 2004

Ameaças

Juízes ameaçam romper o pacto para a justiça.
Para ler, sem preocupações, aqui.

Equipa do Centro de Estudo Judicários já está formada

... anuncia o Público:

Os nomes dos directores adjuntos escolhidos para trabalhar com a nova directora do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), Anabela Rodrigues, foram aprovados, ontem, por unanimidade, pelo conselho de gestão daquela escola de magistrados.
Os juízes desembargadores Manuel Tomé Soares Gomes e Jorge dos Santos, do Tribunal da Relação de Lisboa, o procurador da República da comarca do Porto, João António Gonçalves Fernandes Rato e António Carlos Rodrigues Duarte Fonseca, dos quadros do Instituto de Reinserção Social, vão integrar a nova direcção do CEJ.
Manuel Tomé Soares Gomes vai coordenar a formação inicial e permanente da escola de magistrados e substituir a directora, quando for necessário.
O conselho de gestão do CEJ integra o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o procurador-geral da República, o bastonário da Ordem dos Advogados, representantes do Conselho Superior do Ministério Público e da Magistratura, bem como da Assembleia da República e das faculdades de Direito.
A professora universitária de Coimbra, Anabela Rodrigues, toma posse, hoje, no Ministério da Justiça, em Lisboa. A sua nomeação tem sido alvo de contestação no meio judicial, sobretudo junto dos juízes, que preferiam ver um magistrado à frente do CEJ em vez de um académico. P.T. C.

27 outubro 2004

Jorge Sampaio recebe Medalha de Ouro da Ordem dos Advogados

Ver aqui.
Salienta-se esta passagem do importante discurso do Presidente da República:

(...) Os acontecimentos judiciários que, nos últimos dois anos, têm ocupado parte significativa do palco mediático, propiciaram, numa democracia de opinião como é a nossa, uma generalizada convicção de que a reforma da Justiça é condição essencial para que haja uma cidadania suficiente.
E com isso ficam colocados, na ordem das urgências, temas como o quadro de melhor legitimação democrática das magistraturas e da sua responsabilização, a organização do território judiciário, a estrutura e atribuições dos tribunais superiores, a formação dos agentes da Justiça, o regime de recursos, e o reforço, sobretudo na fase de inquérito, dos direitos de arguidos e de vítimas, para citar apenas alguns dos temas mais significativos.
Uma melhor legitimação democrática das magistraturas e da sua responsabilização terá de abrir caminho para que, sem perda da indispensável independência da magistratura judicial, e preservando-se a não menos indispensável autonomia do Ministério Público, se realize, finalmente, no judicial, a plena interdependência e cooperação de poderes do Estado, e se criem condições para que Governo e Assembleia da República exerçam, eficientemente, as suas funções em matéria de política de justiça, incluindo a política criminal, como exige, aliás, a Constituição da República.
Política de justiça que é indissociável de uma adequada organização do território judicial, que terá de ter em conta que as instituições judiciárias não podem entrar na lógica de aplicação de fundos ou de resposta a reivindicações autárquicas, mas são antes de mais uma exigência de eficácia, por cujos critérios deverá ser aferida uma divisão e organização territoriais, feita, tantas vezes, ao arrepio da racionalidade que lhes é própria.
Com este tema, cruza-se o dos tribunais superiores, cujos quadros e regime de funcionamento não podem estar à mercê quer de um sistema de recursos inaceitavelmente generoso, sobretudo no Supremo Tribunal de Justiça, quer de fundadas expectativas de ascensão profissional dos magistrados, cuja satisfação não tem de passar, necessariamente, pelo acesso aos tribunais superiores.
Importa, nesta linha, ter em conta o regime de avaliação do desempenho das magistraturas e de progressão nas respectivas carreiras, para que se promovam, sempre, as boas práticas e o mérito, e se encontre um estatuto de progressão profissional e remuneratória que deixe de estar ligado ao sobredimensionamento dos quadros dos tribunais superiores.
E depois a formação, onde importa revisitar a necessidade de abater egoísmos e de promover hábitos de convivência, a aconselhar o chamado tronco comum de formação das profissões forenses, de par com o aprofundamento das disciplinas relativas aos direitos fundamentais, claramente exigido pelas vicissitudes da prática judiciária dos últimos anos.
Todos estes temas evidenciam que a reforma da justiça não pode ser concebida como mera resposta às interpelações da conjuntura.
O que não impede que sejam consideradas as várias questões que, ultimamente, se têm suscitado no domínio do processo penal, onde importará reforçar, sobretudo na fase de inquérito, os direitos de arguidos e de vítimas, e libertar o sistema processual de toda uma tessitura dilatória, que contribui, decisivamente, para a sua lentidão. Tudo exuberantemente demonstrado, à vista de todos, nos processos judiciais que têm estado mais em cena.
Por eles se vê que não faltava razão ao Presidente da República quando se referia ao excesso de garantismo em determinadas áreas, excesso que convivia e convive, como, nas mesmas ocasiões, sempre sublinhei, com inaceitáveis áreas de desprotecção de vítimas e de arguidos. (...)

Sesta segura

Santana Lopes, segundo noticia a TSF, decidiu-se pela SESTA SEGURA. E, nesse sentido, substituiu cerca de metade dos seguranças que zelavam pela sua protecção. O que estava mal para o Primeiro Ministro eram os seguranças que assistiram à sesta e não a própria sesta. Com outros seguranças a sua sesta torna-se sesta segura. Com esta lógica, muito em breve o Primeiro Ministro terá de substituir os portugueses: “o que estará mal não será a sua gestão do País, mas os portugueses que a contestam”.
O que é preciso é ter imaginação!
O povo é sereno.

Cooperação

Lê-se nos direitos:

"Teria sido conveniente que a polícia da Venezuela tivesse procedido à apreensão de tão elevada quantidade de cocaína graças a informação/cooperação das autoridades policiais portuguesas.
Essa falta ou falha, seja o que lhe quiserem chamar, exige uma explicação cabal, já não da Polícia Judicária, mas do Senhor Ministro da Justiça.
Não é uma questão de polícia mas de política."

26 outubro 2004

Não será altura…?

O escrito que aqui aparece publicado neste jornal de grande difusão, se não fôra isso, não mereceria sequer ser lido. Mas, porque aí teve guarida, sabe-se lá porquê, suscita um breve comentário, mesmo no espaço deste humilde blogue.

Não tanto pelo que nele se diz. Praticamente reproduz ideias requentadas que ciclicamente teimam em vir ao de cima e que desde há muito se julgavam definitivamente sepultadas no limbo da sucata obsoleta. E, talvez por deformação profissional, limita-se a pouco mais que citar um conhecido administrativista do passado, ainda por cima indisfarçavelmente ressentido pelo estatuto de arguido, a que ele e mais algumas pessoas, tidas por intocáveis, se viram sujeitos, quando os melhores constitucionalistas, como Gomes Canotilho, Vital Moreira ou Jorge Miranda, já se deram ao trabalho de esclarecer qual o verdadeiro papel do Ministério Público nos tribunais.

O que mais custa observar, na prosa de tão iluminado juiz, é a mentalidade deleteriamente doentia que o anima. Fala de “agentes” e “funcionários” como se de algo de ignominioso de tratasse, esquecendo-se que também os juízes são, antes e acima de tudo, agentes e funcionários da Justiça, no sentido nobre e genuíno destes termos. E alcandora-se a um falso estatuto de “casta”, qual divindade parida por um ignoto meteorito pré-histórico caído do Além, como se os demais habitantes terráqueos não passassem de seres de inferior dignidade. Fala desdenhosamente de “promotores de justiça” como se estes, exactamente porque o são, não fossem tão indispensáveis à realização da justiça como os passivos “decisores de justiça”, que julgam o que lhes é levado. Confunde, obtusamente, a respeito da autonomia do Ministério Público, tal como o poderia fazer em relação à independência dos juízes, a titularidade da qualidade com a função da mesma, como se esta não fosse complementar daquela. Exclui da responsabilidade civil do Estado uma das magistraturas, precisamente a que o representa, como se só os juízes fossem Estado. Desdenha soberanamente do actual modelo de processo penal, sem argumentação, como se fosse uma autoridade ofuscante de nomes tão prestigiados como Figueiredo Dias e outros. E critica a nomeação de uma "insignificante" académica, para mais discípula, para a direcção de uma Escola, que só coutada de juízes deve ser, para enaltecer a excelência para o cargo de um juiz desembargador ou de um juiz conselheiro, seus émulos.

Eu, que tenho orgulho de já ter sido “agente do Ministério Público”, como poderia ter sido um modesto “funcionário de justiça” ou um simples trolha – não é essa condição que lhes retira a dignidade, a mesma dignidade, de que os juízes também gozam –, córo ao ler os dislates destes novos soberanos e senhores do mundo. E enojo-me ao ver tanta cagança (desculpem-me o termo) pelas bandas da Justiça.

Escritos como o dado a lume não merecem ser rebatidos, a não ser ao estilo brejeiro como o deste “Agente do Ministério Público”. Se alguma coisa merecem é serem objecto de estudo num qualquer consultório psicanalítico, para que o mal se não alastre subtilmente e se não torne epidemia.

Não será altura de os anunciantes do Pacto da Justiça, ou outros responsáveis, avançarem para a unificação das magistraturas, mantendo a separação das funções? Se elas se iniciam num tronco comum, no Centro de Estudos Judiciários, e se unificam, em grande parte e com bons resultados, no Supremo Tribunal de Justiça, por que se hão separar ao longo da vida? Não seria essa a melhor forma de pôr fim a estéreis rivalidades corporativas e escusados atritos que só entorpecem a realização da Justiça?

Não será altura...?

2.º Congresso Mundial contra a pena de morte

Encontraram-se em Montreal, de 6 a 9 de Outubro de 2004, mais de 1000 pessoas, ONG, advogados, parlamentares, diplomatas, artistas, jornalistas e cidadãos, com a representação de 64 países. O Congresso constituiu o encontro trienal da comunidade dos abolicionistas. Entre os avanços conseguidos em Montreal situa-se designadamente a necessidade, reconhecida pelos abolicionistas, de inscrever o combate pela abolição universal numa reflexão global sobre as políticas penais (como desenvolver penas alternativas, como ter em conta os direitos das vítimas, como melhorar as condições de defesa e de detenção dos condenados à morte…). Montreal foi igualmente uma "ponte" entre os abolicionistas americanos, presentes em grande número no Congresso, e a comunidade internacional.
(Contributo de Simas Santos)

VI Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo

A Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa - Lisboa promove, nos dias 3 e 4 de Dezembro de 2004, o VI Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo, subordinado ao tema "As Concessões em Direito Público", com a coordenação dos Professores Doutores José Luís Martínez López-Muñiz e Fausto de Quadros e a presidência dos Professores Doutores José Luís Meilán Gil e Diogo Freitas do Amaral.
A entrada é gratuita, sendo necessária uma inscrição prévia, ao cuidado da Dra. Maria Cândida Andrade, por fax (21 721 41 77) ou por e-mail (para mcandrade@fd.ucp.pt).

(Pode consultar aqui o Plano das Sessões)

25 outubro 2004

"CSM pede aos juízes que recuem na demissão"

Notícia da TSF, 16:11 / 25 de Outubro 04

O Conselho Superior de Magistratura pede aos juízes formadores que reconsiderem a sua demissão para evitar prejudicar o processo formativo. Cerca de cem formadores demitiram-se após a nomeação da nova directora do Centro de Estudos Judiciário.
[...]
No final do plenário realizado hoje, o porta-voz do CSM, Antero Luís, disse que o Conselho reconhece a legalidade da nomeação da nova directora do CEJ, mas está preocupado com a formação dos juízes, posta em causa com as sucessivas demissões.
«O CSM vai apelar aos juízes formadores para que não haja quebras na formação que está a ser ministrada», disse Antero Luís.
Para o porta-voz a questão dos juízes deverá ficar resolvida em cerca de uma semana, lembrando que «há outras alternativas» e «um leque de juízes» que, no caso dos actuais manterem a sua posição, poderão avançar.

«Altura ideal» para rever processo de formação
Contudo, Antero Luís mostrou-se confiante que os cerca de cem juízes formadores reconsiderem a sua posição.
A demissão dos juízes está mais relacionada com o processo de formação e recrutamento dos magistrados do que com a personalidade escolhida para dirigir o CEJ, de acordo com o porta-voz.
Antero Luís referiu que é a «altura ideal» para que seja retomada a proposta de alteração do processo de formação e recrutamento dos magistrados. Uma dessas alterações prevê o fim dos actuais dois anos de espera para a entrada no Centro de Estudos Judiciários, adiantou o porta-voz do CSM.

Notre Dame de Haut


Notre Dame de Haut , 1954
Le Ronchamp (Franche-Comte), França
Arq. Le Corbusier

A JUSTIÇA DE MENORES NO BRASIL

O Dr. Siro Darlan, Juiz Titular da 1ª Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, que veio a Portugal para participar na II Bienal de Jurisprudência de Direito da Família e dos Menores, vai realizar duas Conferências, uma no Porto e outra em Lisboa.

PORTO
Dia 26 de Outubro, às 18h30m, na Sala de Audiências do Tribunal da Relação
O tema é:
"A EFECTIVAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. POLÍTICAS PÚBLICAS E CARÊNCIAS. CRIANÇAS NAS RUAS E VIOLÊNCIA CONTRA AS CRIANÇAS NO BRASIL"

LISBOA
Dia 28 de Outubro, às 18h30m, na Auditório do Centro de Estudos Judiciários
O tema é:
"JUSTIÇA DE MENORES NO BRASIL. COMPETÊNCIAS, PROGRAMAS SOCIAIS E MODUS OPERANDI"

Recomendo vivamente.

24 outubro 2004

FOLHETIM DE DOMINGO (em formato de blog)

por marinquieto

Capítulo V

"Porque é que não se juntam dois a dois?" - foi a mensagem que, dobrada em quatro, pedira ao empregado do café para lhe entregar. Desdobrou a folha, segurou-a com as duas mãos e manteve-se com os olhos fixos nela durante um longo período de tempo, que me pareceu ainda mais longo porque esperava dele uma reacção qualquer. Devia estar a sentir-se observado e sem saber muito bem o que fazer. Acabou por olhar para mim. Tínhamos duas mesas de permeio. Fixei-o e não baixei os olhos. Examinou-me de alto a baixo, embora sem grande minúcia. Pousou o bilhete em cima da mesa, utilizou o cinzeiro de vidro como pesa-papéis e voltou-se para o mar.
Escolhera-o porque parecia ser o menos ensimesmado de todos os que estavam na esplanada. E portanto, concluí, quem poderia ser mais receptivo à minha mensagem. O rapaz não tinha mais do que 23 anos, havia chegado depois de mim e ainda não tinha utilizado o telemóvel, que se mantinha surdo e mudo. Deve ter achado que eu estava no engate. Percebi-o pelo modo como me olhou, carregado de desdém e a querer acentuar a diferença de idade que nos separava. Estava de férias. Divertiu-me tão grosseira manifestação de falta de experiência da vida.
Tirei nova folha do bloco de notas, na qual voltei a escrever a mesma mensagem e chamei mais uma vez o empregado. Pedi-lhe então que a entregasse a uma mulher, que também havia chegado já depois de mim. Andava à volta dos 40 anos e tinha-se revelado como uma das mais compulsivas utilizadoras do telemóvel. Não estava ali há mais de meia hora e tinha recebido e enviado inúmeras mensagens nos intervalos dos inúmeros telefonemas. Recebeu o bilhete, perguntou qualquer coisa ao moço do café que lhe respondeu apontando-me com o olhar, abriu-o e leu-o rapidamente. Levantou-se como se estivesse a cumprir uma ordem e veio sentar-se na minha mesa.
- Aqui estou! È a dona do café?
- Não! Porque pergunta isso?
- Pensei que a sua ideia era rentabilizar o uso das mesas. O que se compreendia, pois só uma pessoa alapada em cada, quase toda a tarde, apenas pelo preço de um café, de uma cerveja, de uma água ou de um sumo de laranja, e tantas outras a chegarem e a irem-se embora por não terem lugar ...
- Se assim fosse, acha que eu estava também a ocupar uma delas?
- Também é verdade.
- Estou a passar uns dias de férias. Nunca aqui tinha vindo. Escrevi os bilhetes para vos provocar, pois, para além de toda a esplanada estar ocupada com uma só pessoa em cada mesa, como disse, todas têm o telemóvel nela pousado e praticamente todas dividem o tempo entre o seu manuseamento e a contemplação do mar. Com uma enorme ânsia de comunicar com alguém. Mas como se mais ninguém aqui estivesse. E reparei, ainda, que você era a que mais utilizava o telemóvel, sendo curiosamente a menos jovem ... à excepção de mim, claro, a quem aquele bonito rapaz já colocou no devido lugar - rematou, a sorrir.
- Sabe, dou-me com muita gente e gosto muito de conviver, de conversar. Conheço cada vez mais gente. O que é óptimo. Não gosto nada de estar sozinha. Pessoas que há uns anos diria que não conhecia porque nunca estive com elas. Contactamos muito pelo telefone e pela internet. Somos grande amigos.
- Mas não lhes conhece o cheiro, a textura da pele, o sorriso, o desenho das mãos, o movimento dos lábios ...
- Também os cegos, para compensarem a falta da visão, desenvolvem mais os outros sentidos.
- Não me diga que não tem curiosidade em conhecer fisicamente pelo menos alguns desses amigos que vai fazendo!?
- Já tive. Deixei de a ter quando me apercebi de que as nossas conversas perdiam a liberdade e a sinceridade de antes. E que a distanciação física permanecia mesmo quando estava junto deles, que no contacto pessoal perdíamos à-vontade, expressividade. Por outro lado, aprendi a distingui-los dos outros amigos e, vá-se lá saber porquê, a preferi-los.
Despediram-se. Ângela Novais ainda foi durante algum tempo, enquanto caminhava pelo passeio marítimo, a pensar no diálogo que mantivera com aquela mulher que conhecera acidentalmente. Deviam ter tido percursos de vida bem diferentes. Gostava de voltar a conversar com ela.

QUANTAS VEZES ...

"Em terra de cegos quem tem um olho é rei;
quem tem os dois é frequentemente abatido"


João Damasceno, in CORPO CRU
Fenda Edições, 1983, p.31

The Return

Return.jpg
Thomas Cole
The Return, 1837
Oil on canvas
39 3/4 x 63 in (101 x 160 cm)
The Corcoran Gallery of Art, Washington

Música de Domingo


George Gershwin (1898-1937)

Rhapsody in Blue, piano e banda de jazz (1924)


23 outubro 2004

"Economia portuguesa está a recuperar"

Topei esta fotografia no Portal do Governo.
O que fará estes senhores rirem-se tanto?
Será o título da notícia?


O Guru

No princípio, era juiz. A seu cargo, tivera um processo no qual evitara que uma notável do reino fosse a julgamento devido a mortes ocorridas por transfusões de sangue ruim. Divisara ele, então, em peça jurídica de tomo, a destrinça entre dolo eventual e negligência consciente, repondo a clareza que faltara aos magistrados que nesse processo haviam intervindo antes.
Foi então que a sua estrela começou a brilhar.Sentiu-se predestinado.

Depois, foi sempre subindo, em esforço de erudição. Doutorou-se em leis, podendo vir a ser lente. Não o quis logo, cuidando ter missão mais elevada, assim continuando a julgar em juízo criminal da capital do reino. Julgou processos de plebeus e de grandes do reino. Sempre com mui douta postura, e maior sapiência.

Naquele tempo, cuidando ele de suas altas qualidades de pensador de todo o sistema, apresentou-se candidato ao tribunal de direitos do homem do continente, sendo nele preterido, por indesculpável falta de atenção ao seu mérito e notável saber.

Desanimado por tamanha injustiça, apostou-se em reforçar os dotes de estudioso e pensador. Ao caber-lhe em sorte o julgamento de processo crime de ofensas contra-natura, envolvendo crianças, saiu, então, da magistratura. Haveria ele de confessar a razão de tal abandono, com a circunstância de haver magistrados a mais no reino, segundo crónica da época da capitania da Madeira, assim contribuindo para a (necessária) redução da quota de magistrados por súbditos do reino.

Nesse tempo, o que era regente-mor havia defendido, sagazmente, como forma de minorar os problemas da justiça, que os professores do reino desempregados fossem postos na assessoria aos juízes (que apesar de muitos magistrados haver, os juízes eram poucos).
Por seu lado, e sentindo o apelo da necessidade de trazer luz a tamanhas trevas de ideias, decidiu-se ele a escrever e falar a muitos cronistas, que o ouviam com enlevo, bem como alguns grandes do reino.

Nesse tempo, o ministro-regente da justiça, que não sabia o que fazer, mas queria mostrar trabalho, pela mão do seu braço direito, tratou com o herói desta crónica, encomendando-lhe pensamentos sobre a forma de resolver as magnas questões do sistema de justiça do reino, entre elas o exagerado poder da corporação dos meirinhos do reino, por haverem eles pedido e conseguido a prisão de algumas gradas figuras. Falou, então, no notável conceito de «refundação democrática» da corporação dos meirinhos, tendo estes poder desproporcionado, conseguindo fazer prender notáveis do reino. Quiseram destinar-lhe uma missão em grupo, ou vice-versa, como lhe chamaram. Queria também o ministro-regente um pato, digo, um pacto de regime, coisa de que não falara o programa da sua governança, mas que o haviam convencido a propor. Para isso, contaria com a inteligentsia do reino e aliados, mui do agrado de um bastonário dos legistas, que pouco tempo antes chegara a acordo com os demais notáveis da justiça sem nisso, no entanto, falar.
A sua estrela brilhava como nunca.
Com o apoio de um secretário, homem estudado noutras paragens, e que já estudara assuntos sobre a legitimidade dos juízes, o nosso herói volveu-se em oráculo.
As suas palavras eram gulosamente sorvidas no ministério, o que não ocorria com as ideias, por serem elas pouco claras. Mas a sua estrela foi brilhando, cada vez mais alto. O oráculo tinha agora cátedra em leis carcerárias e ordenamento dos tribunais, nos estudos de Nosso Senhor.

Tornou-se guru. Guru rima com peru.
Mas este era pinto, dos albuquerques.

contributo de mangadalpaca©
(ilustrações: Kamikaze)

Ainda a direcção do CEJ

A propósito da indigitação da professora universitária Anabela Rodrigues para directora do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), constituiu, de certo modo, uma surpresa a reacção que se lhe seguiu por parte dos juízes directores de estágios e formadores, solidariamente apoiados pela eufemisticamente chamada Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP). Surpresa, não só pela desproporção da reacção, como sobretudo pela dimensão e pelo efeito propagador do fenómeno corporativo que, sob esse pretexto, saltou para a ribalta.
Ainda bem que isso aconteceu, pois serviu para mostrar ao país até que ponto está ainda arreigado na magistratura judicial um espírito de casta só imaginável na Idade das Trevas. Fenómeno preocupante para uma sociedade que se reclama de valores democráticos.
Sou do tempo em que o acesso e a progressão na carreira judicial pressupunham, sem contestação, severo veredicto de professores universitários nos júris de selecção. Hoje em dia, pelos vistos, os académicos são vistos como intrusos indesejáveis na formação de magistrados.
Qual a razão desta mudança radical de atitude? Um défice da formação ministrada pelo CEJ nos últimos anos? Ou um sintoma inquietante dos sinais dos tempos, em que os valores da solidariedade, da humildade e do espírito de servir, foram substituídos pelo individualismo extremo, pelo egoísmo excludente e pelo venha a nós o vosso reino?
A resposta não será simples. Mas, só pelo facto de ver tantos garnisés de crista levantada, torço afincadamente por que o Ministro se aguente na caneta e mantenha a nomeação daquela professora universitária. E espero que esta não se deixe soçobrar à primeira investida. Mais, faço votos por que o anunciado Pacto da Justiça se preocupe com a erradicação daquele tipo de mentalidades e, em vez de falar em poder judicial, expressão que a Constituição não conhece, ponha a ênfase na função de administrar justiça em nome do povo.
Viva a democracia!

nove dias

Nove dias foi o tempo que estive sem ler jornais portugueses e sem aceder à internet.
Ontem, 6ª feira, ao retomar contacto (aliás, ávido, vá-se lá compreender!), uma sensação de irrisão acometeu-me. "Desligara-me" já no abrandamento mediático das ondas de choque do "caso Marcelo" e mergulhara no olvido dos fait divers diários que fazem as manchetes da nossa comunicação nacional, na difusa convicção que o panorama não podia piorar.
Anjinho...
Apanho, por alto (pelo que admito que posso não ter percebido bem), um comunicado oficial a desmentir a ocorrência de uma sesta do 1º Ministro, uma proposta deste no sentido de professores com "horário zero" (de que ele demonstrou desconhecer o significado) passarem a fazer assessoria dos magistrados (antes PSL dormisse a sesta do que estar em onirismo permanente), declarações de altos responsáveis governamentais a defender a governamentalização da RTP, mais desabafos ad hoc do PGR e os inevitáveis subsequentes esclarecimentos, títulos de notícias que não correspondem ao conteúdo das mesmas (na tentativa de colar o MP à posição da ASJP na questão da direcção do CEJ - ver, p. ex., aqui ), um "barão" da droga libertado por lapso judicial, o colectivo que há-de apreciar o recurso relativo à não pronúncia de Paulo Pedroso ainda por definir, Ferreira Torres que parece já ter saído da lavandaria e preparar-se para novas investidas municipais e mensagens cifradas na GLQL que ainda não tive tempo de tentar descodificar mas que, presumo, devem conter a chave para acontecimentos passados, presentes e futuros bem mais importantes... :)
Pensei escrever um post, mas eis que José António Barreiros me leu o pensamento :) e se antecipou no artigo que hoje publica no DN e cuja leitura recomendo vivamente a todos em geral e, em especial, aos «procuradores que, nas suas comarcas» "olham desanimados para o palácio de Palmela, receosos de que venha aí uma arremetida contra eles, e não haja ali quem os socorra."

E agora vou comprar o Expresso, que Souto Moura dá uma entrevista de alto risco (dito pelo próprio, ouço na TSF) e até o Venerável Irmão Manuel desabafa, desta feita, na GLQL, que se trata de uma pungente entrevista e que alguém devia explicar a Souto Moura que o excesso de honestidade é mesmo pecado.

Voltando ligeiramente à questão de Derrida

O texto que segue tem como pano de fundo uma discussão entre colegas, via Internet, mas em circuito fechado, em que, a propósito da morte de Derrida, se afirmava, «grosso modo», a possibilidade de «desconstrução» de uma decisão feita a partir de dentro, nomeadamente através de notas de rodapé, como acto auto-assumido de «abertura» e mesmo de «relativização». Assumo-o aqui, a pedido de colegas, com todas as imperfeições que possa conter (e acho que contém). Imperfeições que são fruto do imediatismo próprio de um «chat», não obstante as citações do texto, que fiz por recurso também imediato a livros que tinha à mão, parecerem desmentir essas características.


Voltando ligeiramente à questão de Derrida.
A «desconstrução» do texto, a desmontagem dos seus mecanismos, vem claramente da época do estruturalismo, embora seja um conceito «cunhado» por Derrida. Então, era de bom tom entre os intelectuais, sobretudo os de raiz marxista, falar em «desconstrução». Aliás, um dos «textos» célebres de Derrida, datado de 1993, tem como tema central o marxismo – o texto marxista de uma forma geral – e chama-se «Spectres de Marx». «Desconstruir» um texto (e texto, aqui, não está empregue em sentido literário, ou seja, como termo que tende a substituir-se a «obra literária», que foi, enquanto tal, posta em causa pelos estruturalistas), significava desmontar a ideologia dominante que, dentro do «texto», se erigia sob a forma de verdade expressiva, visto que a ideologia sempre tentou passar como expressão da verdade universal. Isto é, uma forma de «naturalizar» a própria ideologia. Assim é que todo o trabalho de um Roland Barthes, por exemplo, se cifrou em desmontar incessantemente a ideologia dominante que capciosamente se escondia nas malhas do texto, da sua tessitura (texto vem de «tecer»). Daí essa fabulosa obra que é «As Mitologias», que desmonta o sistema de comunicação, ou seja, na terminologia semiológica de Barthes, tudo aquilo que se apresenta como «signo», desde os anúncios publicitários às linhas do Citroen-boca-de-sapo, aos textos literários e ao discurso de uma sentença (Ver, por exemplo, Dominici ou o triunfo da literatura, que gira à volta da condenação de um camponês e onde a psicologia do condenado se reconduz, segundo Barthes, à pretensa «psicologia universal» do presidente do tribunal e do agente do Ministério Público, nela assentando a estrutura da condenação). Daí a sua análise ao «Sistema da Moda», ao discurso amoroso («Fragmentos de um Discurso Amoroso», a partir da análise da Paixão do Jovem Werther, de Goethe ), etc.
Esta abordagem estruturalista, por influência de Freud na teoria dos sonhos, tem sempre presente que um «texto», mesmo evidentemente o de uma sentença, tem dois textos: o texto manifesto ou aparente e o texto latente ou oculto. Normalmente, nós ficamo-nos (isto, a nível hermenêutico, claro) pelo texto aparente. É o escamoteamento da ideologia. Por exemplo, a «verdade» que nós constantemente afirmamos, de forma candidamente científica, sobre a finalidade da pena como «protecção dos bens jurídicos» e necessidade de «estabilização contrafáctica da norma jurídica violada». Na realidade, o que está por detrás disso, dessa fraseologia, é a descrença ou pelo menos o afrouxamento «ideológico» nas possibilidades de recuperação social do condenado, que ficam subalternizadas à função de prevenção geral. «As ligações entre o declínio do sector social do Estado e o desenvolvimento do seu braço penal são evidentes. Em simultâneo com o pedido de «menos Estado», na ordem económica e social, exige-se «mais Estado» para mascarar e conter as consequências sociais deletérias onde se verifica a deterioração da protecção social. O Estado individualista deve ser também um Estado punitivo» (Anabela Miranda Rodrigues, Consensualismo e prisão, Documentação e Direito Comparado, 1999, n.º 79/80).
Pois bem, a «desconstrução» no sentido que atrás foquei e que, aliás, hoje, também está – parece-me - em crise com a chamada «crise das ideologias», nunca nós a poderemos fazer, sob pena de estarmos a «descontruirmo-nos» a nós mesmos e a desmontarmos um poder cuja eficácia assenta justamente numa dada estrutura de verdade e de afirmação (coerciva) do direito, cujas soluções tendem para a certeza declarada com trânsito em julgado, e não para a provisoriedade.
Quanto ao conceito de «desconstrução» em Derrida, o seu verdadeiro criador (ele é o «filósofo da desconstrução»), vem a traduzir-se num trabalho (teórico) incessante no sentido de desmontar a «impostura» que constitui o cerne de todos os discursos organizados em torno de um significado «transcendental», e isto – para ele – é característico do pensamento ocidental: «As ideologias produzem um sujeito fetichizado por um jogo de dicotomias – bem/mal; são/doente; subjectivo/objectivo; norma/desvio; natureza/cultura – de que compete ao pensador pós-estruturalista mostrar o arbitrário e a vacuidade fundamental».
Ora, um trabalho destes não está ao nosso alcance, enquanto juízes produtores de sentenças, como parece evidente.
Quando se fala de «abertura» de uma decisão não é neste sentido. É antes num sentido muito mais comezinho e que se calhar passa muito mais (e ainda) por Kafka. Porque em Kafka o conceito que me parece enquadrar melhor o seu universo da justiça (ainda vigente) é o de «alienação», no sentido do juiz fechado no seu mundo desumanizado. «Estava tudo tão claro e estudado, que era como se todas as pessoas em seu redor se metessem num assunto que só a ele dizia respeito» - escreve Kafka no «Fragmento do delegado do procurador da República».
Ora, a abertura da decisão é tão-só o sair desse mundo fechado, hieroglífico, absurdo, totalitário, que fecha todas as pessoas em redor num assunto que só ao juiz parece dizer respeito.

Artur Costa

Il y a plus de courage que de talent...

... dans la plupart des réussites. - Félix Leclerc

O director do CEJ

Logo que soube da reacção da Associação Sindical dos Juízes e da dos docentes-juízes do CEJ à nomeação da Prof.ª Anabela Miranda Rodrigues para directora daquele Centro, apeteceu-me exprimir de imediato o meu desapontamento (para usar um termo moderado). Porém, os afazeres profissionais impediram-me um desabafo em cima da hora.

A meu ver, a nomeação de uma pessoa prestigiada, fora das magistraturas, para dirigir uma escola de magistrados só deveria ser motivo de orgulho para estes, sobretudo numa época em que a denominada «crise da justiça» passa por uma evidente crise de legitimação e, logo, por um alargamento da «suspeita corporativa».

Reivindicar a ocupação de tal cargo por um magistrado, seja em nome da tradição, seja em nome de uma «natural» pertinência, por sobre os próprios critérios legais, traduz, mais do que corporativismo, um completo desfasamento dos tempos que estamos a viver.

E não lembra ao diabo invocar a «independência do Poder Judicial» a propósito de tal questão. Aqui, a «independência» é o rabo que o gato escondido deixou de fora.

Ainda admito, como questão académica, que se discuta o receio do pendor teórico, reprodutivo do ensino universitário, para onde poderia descambar a docência do CEJ com a nomeação de uma professora universitária. Mas é uma questão académica. Nem um professor universitário deixa, por isso, de ter ligação à prática (até porque não há teoria sem prática nem prática sem teoria), nem um prático do direito dá garantia de não ser um teórico, só que frequentemente com a agravante de ser um teórico de segunda e sem perspectiva crítica.

Artur Costa

22 outubro 2004

Legitimidade e (ir)responsabilidade

Da legitimidade da indigitação, pelo Ministro da Justiça, de Anabela Rodrigues para Directora do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), não podem restar dúvidas, face ao actual quadro normativo do CEJ. E não me parece despiciendo salientar que tal quadro não foi objecto, nesse particular, de qualquer proposta de alteração por parte quer do Conselho Superior da Magistratura (que – de facto - liderou o processo que levou à elaboração de proposta de alteração da Lei do CEJ entregue, ainda este ano, à então Ministra da Justiça Celeste Cardona) quer da ASJP; desconheço, aliás, quaisquer propostas nesse sentido por banda de entidades e personalidade que, publicamente, se tenham pronunciado sobre o tema Formação de Magistrados.
Acresce que o Conselho de Gestão do CEJ, onde têm assento, designadamente, o Presidente do STJ e um magistrado designado pelo CSM, deu parecer unânime à referida nomeação.

A posição de frontal discordância assumida pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) parece-me, assim, um novo sketch dos lamentáveis episódios protagonizados pelo CSM no que respeita à não renovação da comissão de serviço do então Director, Juiz Desembargador Mário Tavares Mendes, em Setembro passado, a dois dias do início das actividades de formação no CEJ e nos tribunais.

Recordo que as razões então invocadas pelo CSM para a não renovação de tal comissão não podiam deixar de ser há muito conhecidas daquele órgão (desde logo quando da nomeação de MTM, três anos antes…) e que, quando pela primeira vez (antes de férias judiciais) se debruçou sobre o pedido de renovação efectuado ainda pela Ministra da Justiça Celeste Cardona, o CSM decidiu sobrestar na sua decisão invocando, para tanto, a entretanto ocorrida queda do governo…
Tão frontal discordância afigura-se, assim, mais uma investida de sectores da judicatura que procuram, há muito, reforçar a sua influência no CEJ, desta feita colocando o Ministro da Justiça perante a necessidade de resolver urgentemente (30 dias, foi o prazo concedido…) a situação de crise assim gerada, na expectativa de que este fosse “forçado” a aceitar o nome que, de bandeja, o CSM lhe apresentasse(apresentou) para novo Director do CEJ.
Gorada a estratégia, eis tais sectores da magistratura judicial - que nunca viram com bons olhos o exercício, por parte de um magistrado do MP da função de Director de Estudos do CEJ (o que, aliás, sucedeu poucas vezes), quanto mais a de Director - a namorar a direcção do Sindicato dos Magistrados do MP (SMMP) para, em conjunto, verberarem a nomeação de Anabela Rodrigues, por não se tratar de um magistrado/a

A posição do SMMP, veiculada ontem pelo seu Presidente, em sintonia com a já anteriormente transmitida pelo Secretário-geral, tem sido referida, em comentários aqui no Incursões, como tão ou mais corporativa que a da ASJP, por assumir que a nomeação de um magistrado do MP teria sido bem vinda, por questões de “alternância” na direcção do CEJ.

Compreendendo tais críticas não posso, contudo, deixar de referir que, ao contrário de outros comentários aqui também efectuados, não me parece ambígua a posição do SMMP e que dizer-se que se dá “o benefício da dúvida” a Anabela Rodrigues não é uma posição descabida e/ou arrogante, uma vez que, a meu ver, o facto de ser reconhecido o mérito académico da indigitada, não faz dela, automaticamente, uma escolha razoável para o cargo e, muito menos, uma escolha inquestionável. Afinal, que se sabe do pensamento de Anabela Rodrigues sobre formação de magistrados? (e que experiência judiciária tem? ou será tal factor irrelevante numa escola profissionalizante que vem, de há muito, a ser "acusada" de proporcionar aos futuros magistrados uma formação excessivamente académica?)
Presumo que Aguiar Branco terá resposta a esta e outras questões que justificarão, do seu ponto de vista, a adequação da nomeação, não obstante a existência de várias outras personalidades com currículo, a priori, mais adequado ao cargo. E admito e espero que Anabela Rodrigues se venha a revelar uma solução em prol do aperfeiçoamento da formação de magistrados (note-se que vai actuar, ao menos nos próximos tempos, no actual quadro legal).
Para tanto será determinante, desde logo, as escolhas que fizer para preenchimento dos lugares de Director-adjunto (quatro, todos vagos, sendo um deles o de director para a fase inicial de formação no CEJ e na formação permanente; dois para a formação nos tribunais e a formação complementar, a preencher obrigatoriamente por um juiz e por um magistrado do MP; e um outro, por preencher há 3 anos (!), para o departamento de estudos jurídico-sociais).
E a capacidade que tiver para obter de Aguiar Branco condições de trabalho, de há muito em permanente degradação e já quase inexistentes, mormente no que respeita à contratação de pessoal administrativo qualificado e maior desafogo financeiro.
Bem como, last but not the least, a sua capacidade de motivação/liderança.

Sendo legítima a escolha de Aguiar Branco (e, reitero, igualmente legítimas as críticas à escolha efectuada), mas antevendo-se facilmente forte contestação por sectores influentes da magistratura judicial, será de concluir que a decisão de Aguiar Branco foi politicamente canhestra?
Tenho para mim que qualquer ministro da Justiça que quisesse dar-se ao respeito, nas circunstâncias acima referidas não poderia, neste momento, nomear um juiz para Director do CEJ e que, ainda que a nomeação recaísse sobre um magistrado do MP, sempre haveria reacções de oposição corporativa por banda dos costumeiros sectores daquela magistratura, ainda que de forma menos óbvia para a opinião pública mas, ainda assim, perturbadoras da actividade da escola de formação de magistrados.
Creio que, neste contexto, o Ministro pretendeu, com a nomeação de Anabela Rodrigues (para além do mais que decorrerá do conhecimento, que presumo terá, de especiais capacidades da mesma para o exercíco, com mais valia, do cargo) fugir à lógica corporativa da “alternância”, no intuito - pelos vistos gorado - de apaziguar tenções inter-corporativas, com o que me parece ter mostrado capacidade de decisão e sentido de Estado.
Poder-se-á, contudo, argumentar que, na medida em que não foi capaz (?) de prever a extensão da reacção corporativa dos juízes, lhe faltou sensibilidade política e, nessa medida, foi irresponsável, pois as recentes demissões no CEJ, mais as que se adivinham (demais juízes formadores, nos distritos judiciais de Évora e Porto), podem paralisar a instituição por um período de tempo que será sempre excessivo, no que respeita à formação que é feita nos tribunais (formação inicial e estágio).

Mas, pergunto, seria expectável que as previsíveis reacções corporativas pudessem ir tão longe?
Que a directora-adjunta para a magistratura judicial, juíza desembargadora Assunção Raimundo (de nomeação ministerial e oportunamente sugerida para o cargo por sectores afectos aos ora “descontentes”) se demitisse face a discordância com a nomeação, ainda se entende e, muito provavelmente, foi previsto.
Mas seria expectável que juízes que foram formalmente nomeados pelo CSM como seus representantes no CEJ (os directores distritais) se demitissem sem que deste órgão tivesse sido dado qualquer sinal de discordância com aquela nomeação (antes tendo os seus membros com assento no C. de Gestão do CEJ dado parecer positivo)?
E seria expectável que, na sequência daquelas demissões e à cadência da realização de encontros funcionais já anteriormente agendados com a referida directora-adjunta, se demitissem, em bloco, magistrados formalmente nomeados pelo CSM como formadores para os Cursos actualmente em formação nos tribunais?

E, segundo creio saber, “a partir de 2 de Novembro”, quando exactamente nesse dia se inicia um novo período de formação de auditores (com duração até final de Março) e a formação dos estagiários mal começou? (8 meses, iniciados em 15 de Setembro passado)?

Não, não creio que fosse expectável, pois tais atitudes ultrapassam em tudo a “dose digerível” de corporativismo e configuram-se como posições totalmente irresponsáveis face à situação dos formandos (aqui na posição de “terceiros e boa fé”), meros joguetes neste braço de ferro com o poder político. É que se a nomeação como formador pressupõe o acordo do próprio, certamente revogável devido a circunstancialismos pessoais ou profissionais supervenientes, também é de pressupor que a aceitação de tal nomeação é feita com sentido de serviço e no intuito de contribuir para o regular desenvolvimento das actividades formativas dos futuros magistrados .


« "Estamos a acompanhar a situação e sentimo-nos naturalmente preocupados", disse ao Público, António Bernardino, vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura, o órgão máximo de gestão e de disciplina dos juízes. Para debater o assunto, no mais curto prazo de tempo, o Conselho está a preparar-se para marcar uma reunião de "carácter extraordinário", adiantou António Bernardino. »
Eis pois (mais) uma boa ocasião para o CSM demonstrar que pode ser mais do que um veículo de interesses corporativos ou de grupos dentro da corporação. Espera-se, sinceramente, que a aproveite.

Preocupações edificantes

No jornal “A verdade”, órgão do regime de Avelino Ferreira Torres, havia uma preocupação dilacerante (é o termo!) que passo a transcrever: «Apesar da clausura da quinta, o autarca não será, possivelmente, privado de assistir à missa dominical, uma vez que o colega José Castelo Branco exigiu a presença de padre para rezar semanalmente uma missa».Esta preocupação entre celebridades que se afirmam colegas é edificante. Mas Avelino não deixa os seus planos em mãos alheias. O Autarca, para além de já ter confirmado que o seu filho será candidato à Câmara do Marco e ele à de Amarante, parece ter tido também o cuidado de programar a sua saída da “quinta”. É isso o que garantem revistas cor-de-rosa, assegurando que afinal não foi a doença, mas outras questões já previstas (é que há instituições que impõem prazos) que tinham levado o Avelino a planear sair da “quinta” nessa altura. Mas valeu a pena: a despedida foi compungente! São, assim, as celebridades deste País que Eça e Ramalho tão bem saberiam descrever!

PROLEGÓMENO

Fica-te mundo cada vez a pior. Fosse Cristo, Voltaire ou João Fernandes o primeiro a formular esta máxima, tem a minha inteira concordância. Antigamente, quando alguém se queria desfazer dum cão, atava-lhe uma pedra ao pescoço e atirava-o ao rio. Hoje quem se quer desfazer dum cão leva-o para longe e abandona-o. Tão revoltante é um procedimento como o outro. Vem isto a propósito duma pulhice que me traz revoltado.
Haverá uns três meses, e estando eu aqui na aldeia, um familiar meu de visita perguntou-me:
- Arranjaste um cão?
- Eu?!
- Tens um preso no combarro?
Fui ver. Lá estava um cachorro preso ao chedeiro dum carro. Julgando tratar-se de brincadeira de crianças, desfiz o nó do cordel que o prendia pelo pescoço e, convicto de que o canídeo, uma vez liberto, iria procurar o dono, dei o caso por arrumado.
Qual não foi a minha surpresa quando, passados uns quinze dias, de volta à aldeia, deparo com a mancha cor de limão sujo do cachorro à entrada do coberto onde costumo recolher o carro. Tão imóvel e esparramado que o julguei morto. Aproximei-me. Afinal respirava. Tão lentamente como deve respirar um urso em hibernação. Chamei por ele. Não reagiu. Toquei-lhe com a ponta do sapato. Levantou a cabeça. Reparei então que no lugar do olho direito tem uma bola branca. No esquerdo, sumido na órbita à sombra dum tufo de pêlo eriçado, uma tristeza, uma resignação, uma dor sem limites. Pedi-lhe, por gestos, que se desviasse para eu meter o carro. Deve ter compreendido porque arrastadamente se ergueu e afastou mal equilibrado nas quatro patas. Pude então reparar até onde ia a miséria do pobre animal: um tumor nos testículos, os quadris em chaga, espinha em bossa de camelo, membros titubeantes - um esqueleto semovente com a morte às cavalitas. Perguntei de quem era o cão. Ninguém me soube ou quis responder.
- Então não é cá da aldeia?
- Não. Isso são cães abandonados. Trazem-nos de longe e deixam-nos.
- E ninguém o alimenta?
- Suponho que não.
- Nesse caso, de que é que ele consegue sobreviver?
- Sei lá? Alguns restos que por aí apanha...
Compreendi então porque, de há três meses a esta parte, encontro sempre o cão deitado na minha eira. É o único lugar donde ele não é escorraçado.
Gostava de saber quem foi o safardana que abandonou o, cão nestas condições. Queria ter com ele uma conversinha particular. Dizer-lhe, cara a cara:
Quem faz isto a um cão, é bem capaz de fazer o mesmo ao pai ou à mãe...
VIVA BARROSO!

Bento da Cruz, Correio do Planalto, 30-9-2004

La logique mène à tout...

... à condition d'en sortir.
Alphonse Allais, Pas de bile

21 outubro 2004

O samurai de serviço

Desculpem, mas não resisto a transcrever aqui esta deliciosa crónica:

A Cabala Involuntária

Por EDUARDO PRADO COELHO, o fio do horizonte
Quinta-feira, 21 de Outubro de 2004

O caso Rui Gomes da Silva continua a fascinar-nos. Há algo de tão invulgar e surpreendente na personagem que nós não acreditamos que possa ser apenas aquilo que está diante dos nossos olhos. Deverá existir uma armadilha, um alçapão, um truque escondido, que explique aquele comportamento obtuso. Afinal de contas, por muito fortes que sejam os laços de amizade, ninguém chega a ministro com um tal grau de aparente indigência mental. Tem de haver outra coisa.

É óbvio que Gomes da Silva executa uma tarefa de assassino profissional por conta do primeiro-ministro Santana Lopes. O primeiro-ministro abre os braços, num gesto de comovida inocência, e declara: "Eu? De modo algum, não é possível, eu até estava a dormir a sesta..." Entretanto, embuçado na sua personalidade de samurai de serviço, Gomes da Silva executa. É aqui que se coloca a pergunta: executa mal para que não se pense que ele acredita no que está a fazer, ou executa mal porque não é capaz de executar melhor? Como justificar uma "performance" tão canhestra?

O depoimento prestado à Alta-Autoridade por Gomes da Silva foi de tal modo desastroso que tudo parece levar a pensar que ele só pode fazer de propósito. Ninguém é tonto tantas vezes. Há um Guiness para estas coisas. Gomes da Silva acha que é um político (se a política fosse isto, melhor seria o suicídio) respondendo a outro político. Ninguém explicou a Gomes da Silva que, tendo sido bafejado pela sorte de ser membro do Governo, é como membro do Governo que fala, e deste modo compromete todo o Governo. Dar-se-á conta de que andam membros do Governo encostados às paredes para que não os associem a tais alarvices? Um membro do Governo não pode dizer certas coisas sem que isso tenha consequências que, se ele fosse um mero político, não existiriam. Donde, dizer que não há fundamento que legitime a relação entre o que a infeliz personagem disse e a atitude da TVI é totalmente ridículo: nunca uma pressão foi tão descarada. Não pode ser negada porque milhões de portugueses a viram: sequência é consequência.

Que Marcelo dizia "inverdades" (admirável expressão que ainda ninguém distinguiu de "mentiras") e Gomes da Silva explica quais foram: a formação deste Governo foi uma manta de retalhos (até Santana Lopes sabe que foi); "há falta de coordenação" (o que é tão óbvio que levou o primeiro-ministro, num gesto inédito, a dizer que coordenava); que o primeiro-ministro não tem perfil (até Durão Barroso sabe que não); que o Governo foi desastroso no caso da Galp (o que se mete pelos olhos dentro). Se estas são as tais "inverdades", Gomes da Silva está lélé da cuca.

Achando que era pouco, Gomes da Silva foi mais longe e conseguiu enriquecer mais uma vez o léxico português. Já se lhe devia o "contraditório", motivo de gáudio em toda a parte. Temos agora essa espantosa aberração semântica que é "uma cabala involuntária". Alguém teve a caridade de explicar a Gomes da Silva o que significa a palavra "cabala"? Não será melhor arranjarem um assessor de português? Mais um, menos um, não é por aí que desequilibramos as contas do Orçamento Geral do Estado.

Braço de ferro

Aumenta a pressão corporativa de juízes sobre o Ministro da Justiça e o Governo a propósito da nomeação de uma extranea, por mais competente que seja, para a direcção do Centro de Estudos Judiciários (a ler aqui e aqui).

"Sarilhada"

Segundo o Diário de Notícias de ontem, a transferência dos processos da justiça militar para os tribunais comuns, decorrente da recente entrada em vigor do novo Código de Justiça Militar, está a provocar um conflito de competência entre juízes e magistrados do Ministério Público.
Dá-se aí conta da opinião do porta-voz do Conselho Superior da Magistratura (CSM), Antero Luís, que admite que se está perante «um problema grave» que terá de ser resolvido em sede de recurso. Segundo ele, em despacho de 14 de Setembro, o vice-presidente do CSM, Santos Bernardino, definiu que os processos em instrução que transitaram da justiça militar seriam da competência dos respectivos juízes de instrução. Entre outros argumentos, Santos Bernardino apoiou-se no n.º 9 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, o qual estabelece que «nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior». Ou seja, como no anterior Código de Justiça Militar, os processos estavam sob a alçada de um juiz de instrução, os mesmos não podem transitar agora para a esfera do MP, refere Antero Luís.
film stillA ser verdadeira a notícia, e é sob reserva o que se diz a seguir, trata-se de uma visão com um só olho, à Moshe Dayan, quando o que se impõe é uma leitura multifacetada da Constituição, à maneira de um qualquer insecto, desses que vêem para todos os lados.
Não basta ler isoladamente o n.º 9 do artigo 32.º da Constituição. Impõe-se fazê-lo articuladamente, por exemplo, com o n.º 5 do mesmo artigo, que diz que o processo criminal tem estrutura acusatória, e, sobretudo, com o artigo 219.º, n.ºs 1 e 2, que diz que é ao Ministério Público que, com autonomia, compete exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade.
É preciso ter presente ainda que a instrução de que falava o revogado Código de Justiça Militar nada tem a ver com a fase de instrução tal como hoje em dia é entendida.
E, já agora, talvez não seja despiciendo ler o que diz a nova lei – sempre, é claro, à luz da matriz constitucional –, segundo a qual as disposições processuais do [novo] Código de Justiça Militar são de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior (art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro), não se podendo dizer que a conversão da anterior “instrução”, dirigida por um juiz, na correspondente fase do actual inquérito, sob a direcção do Ministério Público, seguida, eventualmente, da moderna instrução, da titularidade de um juiz, limita os direitos de defesa do arguido.
O que a Constituição seguramente não diz é que possa ser o Conselho Superior da Magistratura, ou um seu qualquer membro, a regular administrativamente a competência para instruir os processos militares em que não foi ainda exercida a acção penal, e, muito menos, que essa regulamentação o possa ser sem publicidade, como que à socapa.
Como não diz que os juízes das secções criminais de instrução militar, contra o que há de mais elementar, possam ser colocados clandestinamente nos respectivos tribunais. Aí, sim, pode haver verdadeira limitação dos direitos de defesa do arguido, que tem direito a um juiz natural.
Em suma (a ser verdadeira a notícia): o senhor vice-presidente do CSM criou uma grande “sarilhada”. Apareça quem a deslinde.

Afinal...

... o prognóstico do "afilhado" do major deu certo.
Quem sabe, sabe!

Le cinéma...

... c'est de l'art de faire faire de jolies choses à de jolies femmes. -
François Truffaut

20 outubro 2004

O cair do pano

Diz-se aqui:

CEJ - Juízes Formadores demitem-se em bloco

Os Juízes formadores do Distrito Judicial de Lisboa, em sinal de discordância com a divulgada indigitação da nova Directora do Centro de Estudos Judiciários, renunciaram conjuntamente à colaboração com o C.E.J., na formação de auditores de justiça, a partir do próximo dia 2 de Novembro.
A A.S.J.P. manifesta-lhes inteira solidariedade quanto à posição assumida.
Ainda bem que as coisas se clarificam!

Bem visto!

O primeiro-ministro sugeriu nesta quarta-feira transferir professores com horário zero para fazerem a assessoria a juizes. Santana Lopes considera que esta seria uma «gestão integrada de recursos humanos da administração».
O primeiro-ministro falava na abertura das Jornadas da Competitividade, em Lisboa.

Poder judicial, literalmente

Com certeira pertinência, diz Vital Moreira, hoje, no Causa Nossa:

Num agreste comunicado, a Associação Sindical dos Juízes (ASJP) manifesta «frontal discordância» em relação à nomeação de um não magistrado (a Prof. Anabela Rodrigues, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra) para director do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), a instituição pública de formação de magistrados judiciais e do Ministério Público. O sindicato dos juízes acrescenta que essa nomeação «não credibiliza as instituições judiciárias, e não é abonatória da independência do poder judicial».
O escândalo da ASJP tresanda a corporativismo vulgar. A lei não estabelece nenhuma "reserva judicial" desse cargo, e nada a impõe ou recomenda. Até há boas razões para uma direcção "leiga": do que se trata é de formar magistrados de acordo com o interesse geral da justiça e não necessariamente segundo a concepção endógena dos próprios interessados. Por último, não faz nenhum sentido neste contexto a invocação da «independência do poder judicial», que em nada é afectada pela qualidade do director do CEJ.
Só é pena que o zelo da ASJP na defesa da independência do "poder judicial" não se tenha expresso até agora numa igualmente «frontal discordância» da nomeação de juízes para cargos exteriores aos tribunais, na maior parte dos casos por escolha política do Governo, o que é seguramente muito mais comprometedor para a sua independência. Sol na eira e chuva no nabal...
(Revisto)

O mistério...

... adensa-se.
E a "sarilhada" instala-se.

Críticas

Como era previsível, Souto Moura torna-se alvo de críticas por parte de advogados e do presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, umas a propósito, outras claramente trocando alhos por bogalhos.

Receio o inverno...

... por ser a estação do conforto. - Arthur Rimbaud, Une saison en enfer

Portrait of Michel Leiris


Francis Bacon (1909-1992), Portrait of Michel Leiris

19 outubro 2004

Novo Vice-Presidente do STJ

Foi hoje eleito o Juiz-Conselheiro Dr. Manuel Maria Duarte Soares como novo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça com mais de 57 % dos votos (36) na primeira volta, para a vaga até agora ocupada pelo Juiz-Conselheiro Dr. José António Mesquita.
Apresentou-se outro candidato, o Juiz-Conselheiro Dr. António da Costa Neves Ribeiro, que obteve 18 votos. Foram ainda votados os Juízes-Conselheiros Dr. José António Carmona da Mota (4 votos) e Dr. Luís António Noronha do Nascimento (2 votos). Do total de 64, foram ainda registados três votos brancos e um nulo.

Exemplar

Um condutor profissional controlado pela PSP a conduzir o autocarro da empresa onde trabalha com uma taxa de álcool superior à permitida por lei, foi condenado em tribunal à pena acessória de inibição de conduzir qualquer veículo motorizado, durante seis meses. Aparentemente, tudo certo. O que não se percebe é o que vem a seguir: a inibição não abrange a condução de veículos pesados de passageiros!!!
A empresa empregadora do condutor tem por norma proceder ao despedimento dos seus motoristas que incorram em tal situação. E bem, parece-me. Todavia, com tal sentença, não me parece que consiga atingir os seus intentos. Se o juiz lhe permite continuar a conduzir o autocarro...
Atentemos, agora, no seguinte: admitamos a hipótese de, um destes dias, o referido condutor, embriagado, provocar um acidente grave. A quem devem os lesados pedir responsabilidades?

Sabedoria

"Pode-se saber muito e não se ter sabedoria, porque entre o conhecimento e a acção há um abismo."
Jacques Derrida

CGTP Critica Sistema de Apoio Judiciário

A ler aqui.

Casa Pia: PGR fala em hesitação na protecção das vítimas

O Procurador-Geral da República, Souto Moura, admitiu na segunda-feira que algumas decisões relativas ao processo da Casa Pia só foram tomadas porque estão envolvidas figuras conhecidas. Em declarações aos jornalistas no final de um colóquio em Badajoz, teceu duras críticas à forma como o caso foi conduzido.

Souto Moura reiterou que se este caso tivesse acontecido em França, as crianças teriam sido ouvidas para memória futura, obrigatoriamente. Se tivesse sido em Espanha, em princípio seriam ouvidas em declarações para memória futura.
Na sua opinião, houve hesitação no que diz respeito à protecção das alegadas vítimas devido à importância das pessoas acusadas.

Diário Digital, 19-10-2004 7:37:50

(Notícia mais desenvolvida aqui)

On concède la liberté en gros...

... pour la contraindre dans le détail. - Robert Sabatier, Le livre de la déraison souriante

18 outubro 2004

POIS É --

Diz o "Público" de hoje que o primeiro-ministro desmentiu, irritado, uma "alegada sesta após o debate parlamentar de quinta-feira passada", noticiada pelo "Expresso".
A mim irrita-me não poder dormir a sesta todos os dias!

Mistério

Desde o dia 14 de Setembro último que se encontra em vigor o novo Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro, desaparecendo assim a ordem judiciária militar enquanto jurisdição autónoma para passar a integrar o foro comum.
Mercê do novo sistema, surgiu no Tribunal de Instrução Criminal do Porto, auxiliado por um funcionário judicial, um senhor juiz a exercer funções, em regime de acumulação, numa nova Secção Militar. Só que ninguém conhece o título que o designou para esse cargo. O que suscita sérias dúvidas quanto à legalidade e, mesmo, existência jurídica dos despachos que aí vai proferindo.
A par disso, também parece que existe um despacho inédito do Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura sobre o destino a dar aos processos pendentes nas instâncias militares em 14 de Setembro de 2004, cuja legalidade é, no mínimo, discutível.
Alguém saberá esclarecer esta misteriosa situação?

A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada.
Não, nem é ditosa porque o não merece,
nem minha amada, porque é só madrasta
nem pátria minha, porque eu não mereço
a pouca sorte de ter nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
Quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela
Saudosamente nela,
Mas amigos são por serem meus amigos
e mais nada.
Torpe dejecto de romano império,
Babugem de invasões,
Salsujem porca de esgoto atlântico,
Irrisória face de lama, de cobiça e de vileza,
De mesquinhez, de fátua ignorância.
Terra de escravos, de cú para o ar,
Ouvindo ranger no nevoeiro a nau do Encoberto.
Terra de funcionários e de prostitutas,
Devotos todos do Milagre,
Castos nas horas vagas, de doença oculta.
Terra de heróis a peso de ouro e sangue,
E santos com balcão de secos e molhados,
No fundo da virtude.
Terra triste à luz do Sol caiada,
Arrebicada, pulha,
Cheia de afáveis para os estrangeiros,
Que deixam moedas e transportam pulgas
(Oh!, pulgas lusitanas!) pela Europa.
Terra de monumentos
em que o povo assina a merda
o seu anonimato.
Terra-museu em que se vive ainda
com porcos pela rua em casas celtiberas.
Terra de poetas tão sentimentais
Que o cheiro de um sovaco os põe em transe.
Terra de pedras esburgadas,
Secas como esses sentimentos
De oito séculos de roubos e patrões,
Barões ou condes.
Oh! Terra de ninguém, ninguém, ninguém!
Eu te pertenço.
És cabra! És badalhoca!
És mais que cachorra pelo cio!
És peste e fome, e guerra e dor de coração!
Eu te pertenço!
Mas seres minha, não!
Jorge de Sena

«O talento e o gosto não chegam...

... o estilo é que conta» - Pierre Cardin.

17 outubro 2004

Insensatez

«Mas, como a insensatez humana não tem limites, transformou-se, uma vez mais, o exercício da justiça -que devia ser discreto e delicado- num reality show que, desde a presunção de culpa à investigação criminal, se dá com o precioso auxílio de muitas primeiras páginas de jornais e com directos em vários telejornais... Mesmo que isso incentivasse o lado maquiavélico de quem vai deixando pistas falsas...»

Eduardo Sá, do artigo Um silêncio indecente, Notícias Magazine de hoje

Efeméride

Em 17 de Outubro de 1931, Mobster Al Capone foi condenado, por evasão fiscal, a 11 anos de prisão.

Apelo aos Anonymous!

São cada vez mais os comentadores deste blogue que se subscrevem como “Anonymous”, o que cria uma grande confusão fantasmagórica e poderá causar alguma estranheza e perplexidade, sobretudo tratando-se de pessoas presumidamente de bem.
Julgo não ser caso de falta de coragem, própria de quem atira a pedra e esconde a mão, mas antes de falta de jeito para fazer o registo no Blogger, criando uma account própria. Por isso, aqui fica uma dica para o registo, que só se faz uma vez:

1. Clicar em “Comentários”, no fundo do post a que se quer aditar um comentário;
2. Clicar depois em “Post a Comment”;
3. Na janela que a seguir se abre, clicar em “Get One Now”, no canto inferior esquerdo;
4. Preencher o formulário da nova janela que se abre – “Create an account” –, não esquecendo de assinalar a quadrícula de “I accept the terms of Service”, e passar à fase seguinte, clicando em “Continue”.
5. E, para quem não pretenda criar um blogue próprio, é tudo.
6. Fechar a página. Da próxima vez que pretenda fazer um comentário, é só introduzir o “username” e a “password” previamente escolhidos no campo “Comment Sign In” (no canto superior esquerdo), depois de se ter percorrido os passos 1. e 2. acima indicados.
Registem-se, pois, e comentem à vontade! Sempre que possível, responsavelmente!

BOM PRENÚNCIO

Há umas semanas atrás, quando o CSM negou autorização ao Desembargador Mário Mendes para nova comissão de serviço como Director do CEJ, discutiu-se aqui no Incursões a possibilidade de, pela primeira vez desde a sua criação, o CEJ poder vir a ter um não magistrado como seu director.
Escrevi, na altura, que a posição do CSM era um desafio para o novo Ministro da Justiça: ou este mostrava capacidade para afrontar as corporações judiciárias e nomeava um não juiz - fosse um magistrado do MP, fosse um não magistrado - ou cedia perante a pressão dos juizes e nomeava quem o CSM sugerira.
Na minha opinião, o Dr. Aguiar Branco passou no teste.
A indigitação de uma professora universitária para directora do CEJ é sinal de que o ministro não cedeu às pressões ilegítimas do órgão de cúpula dos juizes e exerceu devidamente as suas competências.
A posição corporativa, no mau sentido, expressa no comunicado da ASJP, apenas demonstra que ainda há um longo caminho a percorrer até que certos magistrados entendam que não são uma casta privilegiada, mas sim servidores da Justiça e do Povo em nome de quem esta é feita.
A nomeação da Professora Anabela Rodrigues pode ser um primeiro passo nessa caminhada.

Música de Domingo


Dmitri Shostakovich (Rússia, 1906-1975)

2º Movimento do Concerto nº 2 para piano, opus 102 (1957)

FOLHETIM DE DOMINGO (em formato de blog)

por marinquieto

Capítulo IV


Nas horas que se seguiram, Açucena procurava reproduzir o poema, de que tinha guardado apenas uma imagem gráfica forte e um sentimento de fusão. A leitura apressada e sobressaltada não lhe permitira reter na memória senão o gesto e o momento. Assistia ao saltar das palavras – fantasia, fogo, beijo, espera, lento, corpo, maré-cheia – sem que conseguisse ir além da confirmação da sua euritmia.
Incapaz de lhes transmitir serenidade para que se pudessem entrelaçar sem pudor. Escreveu-as, porque tinha a esperança de que prendendo-as ao papel as sossegava e conseguiria encontrar o encadeamento perfeito. Ilusão! Não só as palavras não se deixaram prender, como descobriu que não existe um encadeamento perfeito. E, ao envolver-se com elas, tinha também descoberto que um poema é uma longa hesitação entre som e sentido*.
Para Eduardo já tinha sido uma grande ousadia dar-lho a ler. Tomar a iniciativa de lho entregar, mesmo que pela via impessoal do correio electrónico como chegou a pensar, excedia em muito a sua capacidade de combater a timidez que o tolhia. Ficou à espera que fosse agora ela a provocar o jogo de acasos que os levasse a encontrarem-se de novo. O que demorava.
Foi num dos dias seguintes que Açucena, ao ler o jornal, encontrou o anúncio de Ângela Novais. No mesmo dia em que Eduardo, já não suportando a privação, lhe havia enviado, logo pela manhã, um sms:

Percorre-nos um receio calado
quando o tempo do silêncio vai além
do eco da última palavra.
* Paul Valery

16 outubro 2004

Nova directora do Centro de Estudos Judiciários

Para o cargo de directora do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), foi indigitada a professora doutora Anabela Miranda Rodrigues, prestigiada penalista da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Como diz Manuel Lopes Porto, presidente do conselho directivo da FDUC, "é uma excelente escolha, trata-se de uma pessoa de alta qualidade, dedicada à área de ponta do direito penal europeu". Ainda segundo o mesmo catedrático, é "muito positiva" a nomeação para o CEJ de uma pessoa que, em termos institucionais, "faz a ligação entre uma escola de formação de magistrados e uma faculdade de direito".
Ver notícia aqui.

Vice-presidente da Câmara de Gondomar deixa cadeia e fica em prisão domiciliária

... Noticia O Comércio do Porto aqui.

"Salazar a Vomitar a Pátria"


Paula Rego, "Salazar a Vomitar a Pátria", 1960, Óleo,
FCG., Centro de Arte Moderna, Lisboa

Mais outra...

O indescritível Rocco Buttiglione, designado comissário europeu da Justiça, Liberdade e Segurança, que José Manuel Fernandes tanto aprecia, saiu-se com mais esta, durante uma reunião de assuntos económicos ontem realizada em Prato, perto de Florença:
"Diz Robert Kagan que a Europa é filha de Vénus e a América de Marte, mas a mim esta frase sempre me causou riso. Sei que para ter filhos é necessário um pai e uma mãe. Os meninos que só têm uma mãe e não têm um pai são filhos de uma mãe não muito boa, e os filhos que só têm um pai não são meninos porque um homem só pode fazer um robot, mas não pode ter meninos".
Esta nova frase polémica surge depois de a Comissão de Liberdades do Parlamento europeu ter vetado a nomeação de Buttiglione e de os socialistas terem ameaçado vetar a própria Comissão Europeia no seu conjunto no próximo dia 27 se Durão Barroso não o substituir naquelas funções.

Passe de mágica

O Público de hoje, a propósito da apresentação do orçamento de Estado para 2005, assente "numa previsão optimista do crescimento económico e na descida do preço do petróleo para 38 dólares o barril", traz na primeira página a fotografia do ministro Bagão Félix num gesto de verdadeiro passe de mágica.
Que é um homem de Fé, todos o sabemos. Oxalá a Providência o(nos) salve!

Os computadores...

... esses bichos estúpidos que só fazem o que lhes mandam, são mais uma vez responsabilizados pelos insucessos dos bichos humanos. Desta vez, é a reforma do contencioso administrativo que corre o risco de fracassar.
Leia mais aqui.

"Avelino na lavandaria"

Coutinho Ribeiro dá cartas, hoje, no Comércio do Porto.

15 outubro 2004

Paula Rego

... em Serralves, a não perder.

Segredos

«A Polícia Judiciária (PJ) voltou a aconselhar o padrasto da menina dada como morta há cerca de um mês, na aldeia de Figueira (Portimão), mas cujo corpo continua por encontrar, a não prestar declarações aos jornalistas, sob pena de quebrar o segredo de justiça, incorrendo, assim, no risco de ser detido», é o que se lê no DN.
Depois de tanto falar, e aí sim com manifesta violação do segredo de justiça, a PJ tenta impor a terceiros uma conduta que deveria ter sido a sua desde o início. Bem aconselha Frei Tomás...

14 outubro 2004

Brincar aos processos

É uma pequena mas reveladora história sobre o (mau) funcionamento da justiça penal:
Um cidadão comprou num estabelecimento do Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa, um pacote de leite, que, chegado a casa, percebeu estar estragado.
Apresentou queixa crime na Comarca de Lisboa.
Algum tempo depois, um ilustre e empenhado procurador despachou dizendo que a Comarca competente era a do Porto, por aí se situar a sede da empresa produtora do leite da marca que o pacote ostentava.
Chegado ao Porto o processo, com o pacote apenso, outro ilustre e não menos zeloso procurador entendeu, apesar de tudo, que a competência era da Comarca de Lisboa, tendo suscitado o competente conflito.
Cerca de um ano e meio depois, o conflito foi resolvido no sentido de atribuir a competência ao MP da Comarca de Lisboa, para onde transitaram de novo o processo e o pacote apenso.
O narrador não sabe qual o desfecho final de tão intrincado e bizarro caso.
Tem uma certeza apenas: o pacote vazio já não cheira sequer a azedo, tresanda a inoperância e brincadeira de duvidoso gosto.

Buttiglione cheio de convicções próprias

O italiano Rocco Buttiglione afirmou, hoje, não ter intenção de renunciar ao cargo de comissário europeu para a Justiça, apesar da oposição do Parlamento Europeu à sua nomeação.
Diz: «Não tenho a intenção de renunciar ao cargo, mas mantenho-me coerente com as minhas ideias, que não trocarei por um cargo». Estas considerações vieram na sequência das suas declarações controversas sobre homossexualidade, o que levou a Comissão de Liberdades Cívicas, Justiça e Assuntos Internos do Parlamento Europeu rejeitar segunda-feira, por 27 votos contra 26, a nomeação do comissário designado. Apesar deste «chumbo», José Manuel Durão Barroso fez saber que mantinha a confiança em toda a sua equipa, incluindo Buttiglione.
Este episódio traz para o debate uma questão já colocada por Max Weber (in: “O político e o cientista”) sobre a ética das convicções e a ética da responsabilidade. J.Habermas (in: “Consciência Moral e Agir Comunicativo”) introduz, a propósito de uma ética das convicções responsáveis, o conceito de “ética da argumentação” para referir que a consciência (invocada para legitimar convicções) não é infalível e, por isso, a relação moral entre o indivíduo e a sociedade deve ter em conta uma ética que avalie as consequências das convicções por um esforço dialogante. Tal esforço visa vincular um debate a razões que devem convencer todos os participantes que procuram com sinceridade, autenticidade e justeza harmonizar convicções com as melhores consequências e com uma vida em democracia.
Está-se, assim, perante um problema que não diz respeito apenas a Buttiglione ou a Durão Barroso, mas ao próprio sentido do encaminhamento da democracia na Europa. É que, no limite, também Hitler invocou, de forma monológica, a sua coerência com as suas próprias ideias ou convicções!