31 janeiro 2006

Juízes do Supremo têm acórdãos demais

«"Juízes do Supremo têm acórdãos demais"
“Em Portugal, um juiz do Supremo Tribunal tem, por semana, dois acórdãos para relatar e quatro para intervir como adjunto. Isto não dá possibilidade de ponderação séria: por ano, são cerca de 75 recursos para relatar e 150 para intervir como adjunto”.
Quem fala assim é Miguel Galvão Teles (na fotografia), que critica o facto de a qualidade das decisões não ter impacto na carreira dos juízes.»

Jornal de Negócios on line, 31.JAN2006
Esclareça-se que, em 2005, os juízes das secções criminais do STJ receberam 90 processos para relatar e tiveram intervenção em outros 250 como adjuntos

31 de Janeiro

Comemorar o 31 de Janeiro é reflectir com olhos do presente o significado patriótico e cívico desta data.

Somos herdeiros dum património de luta pelos valores da nossa dignidade colectiva que a revolta militar do Porto, em 31 de Janeiro de 1891, significou.

A história não se repete, mas os valores que dignificam uma Nação e fazem a sua identidade são perenes.

O sobressalto cívico que, então, despertou Sargentos, oficiais e intelectuais, não teve a sua origem apenas no humilhante e vexatório "Ultimato de Inglaterra".

O sobressalto cívico dos patriotas do 31 de Janeiro deveu-se, sobretudo, ao divórcio entre o Estado e a Nação.

A Coroa e o Governo, mostrando-se arrogantemente indiferentes às denúncias insistentes da corrupção do aparelho político e burocrático da administração monárquica, enfraqueceram a capacidade do Estado para responder ao Ultimato e abriram as portas à revolta da Nação.

Só a democracia pode ligar o Estado à Nação.

A democracia implica exercício de cidadania e não há cidadania numa sociedade que não se guie por uma ética, pelos valores essenciais à nossa vida colectiva.

As sociedades democráticas devem assentar no reconhecimento do direito/dever de cada cidadão se ver reflectido no progresso social e político da sua Pátria.

Comemorar o 31 de Janeiro‚ é querer uma democracia sempre melhorada no plano político, económico e social.

A democracia representou a conquista da regra da maioria contra a minoria privilegiada da aristocracia de outrora. Hoje, a democracia não pode voltar-se contra uma minoria representada pelos pobres, pelos marginalizados ou excluídos socialmente.

Administrar a "res-publica" deve significar gerir o que aos cidadãos pertence: são eles que votam, que pagam os impostos, que têm o direito a uma satisfação das suas aspirações.

Por isso, ao comemorarmos, hoje, o 31 de Janeiro, saudamos todos os que lutam, com paixão, pela causa da dignidade cívica, defendendo a liberdade, a solidariedade e a justiça social.

Viva o 31 de Janeiro.

30 janeiro 2006

Para a correcção de uma proposta

Duarte Lima propôs que se legislasse no sentido de pôr fim às escutas telefónicas, como meio de investigação criminal. No seu entender, só se deveria aceitar as escutas nos casos de «terrorismo organizado, tráfico de droga e crimes de sangue». Ficava de fora a investigação através de escutas dos crimes de corrupção, tráfico de influências e criminalidade económica.

Já agora, por que não propõe o referido deputado que a lei deixe de considerar crimes a corrupção, o tráfico de influências e a fuga ao fisco?!... Se esta matéria, sem a colocação de escutas, é de difícil prova, acabe-se com a criminalização do que se torna incriminável. Ou seja, democratize-se esses crimes, para que eles não sejam só de funcionários que fazem um jeitinho ao pessoal.

Abuso de posição dominante

Todos conhecemos inúmeros exemplos de abusos por parte de empresas que têm uma posição dominante ou de monopólio no mercado. Acontece nas telecomunicações, na electricidade, nas águas, nas auto-estradas, etc. Os exemplos que hoje aqui trago prendem-se com duas concessionárias de auto-estradas, o serviço que prestam e o preço cobrado.
Na A4, concessionada à Brisa, acontece em todos os Invernos que, antes da saída para Marco de Canaveses, no sentido de quem vai do Porto, é cortada ao trânsito uma faixa de rodagem por causa do gelo que se acumula na estrada. Ora, em vez de corrigir o piso ou o traçado, a Brisa limita-se a cortar a faixa de rodagem todos os anos, durante umas centenas de metros, e o desgraçado do utilizador acaba por pagar o mesmo valor na portagem como se pudesse usar em pleno a dita auto-estrada.
O segundo caso acontece na própria saída da auto-estrada para Marco de Canaveses. Com a recente ligação da A4 com a A11, foi desactivada a portagem da Brisa e agora paga-se na portagem da Aenor, uns metros à frente. O trajecto é precisamente o mesmo, mas a portagem da nova concessionária, vá lá saber-se porquê, passou a ser mais cara. O pobre do utilizador só tem mesmo de pagar e não bufar!

Histórias da minha vida

Houve um tempo em que fugi das pessoas. Fobia social, dizia-me quem sabe de fobias sociais mas pouco das pessoas. Era o tempo em que eu, quando via alguém conhecido na rua, mudava rapidamente de passeio, para que não houvesse um encontro. E menos um confronto. Era o tempo em que eu sabia - menos do que sei hoje e ainda bem - que estava a ser absolutamente demolido, numa campanha de contornos impensáveis, abominável, de quem queria justificar o injustificável à custa dos defeitos que tinha e que tenho e - ó, dor imensa! - daqueles que eu sei que não tenho, nunca tive e provavelmente nunca terei. Era o tempo em que fui ameaçado de todas as coisas improváveis, mesmo quando estava envolvido numa luta política desigual contra bandidos, e me agitavam essas ameaças em pretensos conluios de bandidos que nunca soube se foram consumados ou não. Era o tempo em que vi os meus pais envelhecer por causa das coisas desse tempo, numa absurda violência entre acreditar ou não acreditar, os olhos baços ou com lampejos de lágrimas, parados sobre o menino bom que eles conheciam e o bandido que lhe atiravam aos olhos, diariamente, de forma enviezada, coisa cirúrgica, que os mataram mais depressa e também a mim, que estas coisas não matam logo mas matam. Era o tempo em que cheguei a ver a minha vida profissional destroçada, que nesta vida as coisas correm depressa, sobretudo a mentira, e olhava para trás e pensava que afinal não tinham valido a pena as noites corridas a estudar processos, colectâneas e livros, à procura da perfeição possível, porque tudo estava a desmoronar-se à custa da manipulação cirúrgica em que tantos embarcaram, olhando-me de soslaio, bandido! eu, bandido, o amigo que não falha, o pai amigo, o parvo que ficou sitiado nas coisas em que acreditava e acredita e vai continuar a acreditar porque é um crédulo compulsivo.

Foi assim que construí a minha circunferência de que há tempos falei, aqui, num desabafo como este é um desabafo, aquelas coisas que as pessoas da história do tempo entendem que é uma exposição excessiva e mais ainda desnecessária, sim, por que raio há-de o homem de falar destas coisas em público? E eu respondo: é porque me apetece! Inimputável, já se viu. E depois? Depois, eu agora continuo na minha circunferência, alvo fácil de todas as bandidagens e dos acasos. Surpresas inopinadas: eu sou o mesmo que há alguns anos foi ostracizado, bandido cirurgicamente banido, o rei da festa que passou a homem do lixo. Mas, pouco a pouco, volto a ser o amigo, o que se procura porque dá bons conselhos e, afinal, porque nos afastámos? E eu, que não sou um matador, nem vivo de rancores, limito-me a explicar o que é óbvio. Sem sobranceria. Sem rancores. Num sussurro calmo, num afago que se transmite aos meninos. Sem esperar penitências. Livre. Sem ser condescendente.

Não mudei nada, afinal. Por que será? Porque não fui capaz? Porque não havia nada de essencial a mudar? Ou porque senti que se algum dia mudasse era para ser o bandido?

Luís Filipe Menezes

Esta noite, domingo, encontrei Luís Filipe Menezes, agora que somos vizinhos e passeamos pelos mesmo sítios, coisas da vida. Uma conversa rápida sobre o PSD, sobre o congresso que aí vem, sobre os que ameaçam mas não vão a jogo, sobre importantes figuras que julgam que são importantes e o mesmo que Cavaco mas não são. O mundo pode dar as voltas que der, mas Menezes continua a ser um "bicho" que sabe de política, com todos os seus defeitos e muitas virtudes que poucos lhe conhecem, mesmo quando tem aquela atracção pelo abismo.

29 janeiro 2006

Neve


Nevou em todo lado. Em Trás-os-Montes, em Lisboa, em Évora (foto) e até no Algarve. No Porto, não. Apenas sol e frio. Não há dúvida: o Porto está cada vez menos influente.

Ainda VPV


Caro d'Oliveira: tentei colocar este comentário no seu excelente postal sobre VPV, mas não consegui. Tudo para dizer que o VPV também tem textos de grande qualidade. Como este, sobre Mário Soares, em http://kapa.blogspot.com/2005/09/uma-aventura-com-o-dr-mrio-soares.html

Diário Político 12

VPV, 2 vezes
Um pouco mais abaixo o Dr Coutinho Ribeiro pergunta-se a razão de algumas opiniões de Vasco Pulido Valente. Sem ter a contund~encia do ilustre historiador e articulista e muito menos a sua escrita brilhante atrevo-me a publicar dois textos sobre VPV que datam dos finais do governo Nogueira e do início do governo Guterres


VASCO REDEPUTA




Julho, para além do fraco tempo que se faz sentir e desespera banhistas e operadores turísticos, corria demasiadamente calmo e sensaborão para quem, como o dr. Fernando Nogueira, necessita urgentemente de um fait-divers que apague da memória colectiva as inquietantes manias do SIS ou a irrequieta segurança pública de que se vangloria a despropósito o dr. Loureiro.

Por um breve momento houve a esperança de que o despique ministra de educação nacional/ assistentes universitários trouxesse ao partido no poder algum oxigénio. De facto os senhores professores, pouco habituados a estas andanças tinham demonstrado ter uma anormal falta de jeito para publicitar a sua reivindicação. Primeiro porque a situação de menoridade salarial de que se queixam existe desde há uma boa meia dúzia de anos. Segundo porque a desastrosa situação que se vive na universidade pública é também ela velha e relha e de todos conhecida. Finalmente porque a greve vem sobretudo prejudicar umas dezenas de milhares de jovens que passaram os dois últimos anos a esforçar-se de um modo cruel, estúpido e anti-pedagógico para entrar na universidade. Isto para já não referir a completa tolice que é exigir a um governo de malas aviadas e a temer as próximas eleições um qualquer vago acordo quanto a retribuições.

Infelizmente a senhora ministra da educação nacional (não estou a brincar -este é, acreditem ou não, o nome do departamento governamental que, no jardim lusitano, tem por missão preparar as inexistentes elites.) não estava à altura do que se esperava: soçobrou sem galhardia num combate em que, à falta de vencedor, sobraram vencidos. Um dos reitores que com ela reuniu resumiu a situação em poucas palavras: a ministra já não manda nada.

Eventualmente o referido reitor poderia ter levado o seu acesso de lucidez um pouco mais longe: nas areias movediças da "educação nacional" ninguém risca. Universidades, conselhos directivos, científicos e pedagógicos, reitores e estudantes, sindicatos e associações conseguem parar (se é que ela anda...) a universidade mas por mais que porfiem não a põem a funcionar. Para isso nunca tiveram os meios financeiros (não é só da guerra que o dinheiro é nervo...) e muito menos o poder político.

Esta situação tem permitido tudo: desde professores que se distribuem generosa e milagrosamente por várias universidades e outras tantas mordomias até licenciados que escrevem licenciatura com dois ss e c de cedilha. Há departamentos onde os professores agregados desconfiam que nunca chegarão a catedráticos tão escassos (e tão preenchidos) estão os minguados quadros. O mandarinato, na versão cretinizante e nacional, de tão comum que é, já nem denúncia merece e aos assistentes dá-se ligeiramente mais importância do que aos contínuos (em Coimbra nem todos os assistentes se podem comparar aos archeiros ou, pelo menos, aos que tocam na charamela). E nem sequer têm direito a farda.

A situação de que acima se dá conta leva os assistentes a cometer toda a espécie de excessos de que a greve às provas específicas é um mero exemplo e não o mais significativo. Para isso valerá mais recorrer ao que uma imprensa ruidosa chamou "o caso Pulido Valente”. Ora vejamos.

O caso PV não é aquele de há cerca de 30 anos em que um cavalheiro com esse nome passou as do Algarve com a polícia política e se portou com inegável coragem.

Trata-se, hoje, e apenas, do recrutamento do dr. Vasco Pulido Valente, investigador, historiador e comentador político de reconhecida e fatal virulência, pelo dr. Fernando Nogueira para as listas do PPD. O simples anúncio desta verdadeira lança em África desatou um coro de comentários e não poucas imprecações.

Curiosamente foi no PPD que a gritaria mais subiu. A militância não perdoa a Vasco a violência das diatribes que ainda por cima eram servidas com uma verve e um vigor dignos de melhores causas. Valeu tudo numa reunião de que o "Público" de 15 dá saborosa notícia. Para além das razões políticas que, de facto, não escasseavam, sobraram as mais variadas acusações aos hábitos de Vasco que seriam deploráveis.

Estranhamente ninguém brandiu o argumento que a todo o momento me acode: tenho as mais sérias dúvidas que VPV não se zangue antes de passada meia legislatura se é que tanto ele resistirá. O parlamento não é o jornal onde o articulista, em acordando com dor de dentes, até o bey de Tunes pode desancar. Nas Câmaras há a ordem do dia e as mais subtis ordens do grupo e da direcção parlamentar, os tempos de intervenção parcimoniosamente repartidos e a restante gentinha deputante que, se não liga ao estilo de VPV, tão-pouco lhe dará o salve sem mais nem menos.

Prevendo estas futuras dificuldades o dr. Rebelo de Sousa, outro luminar produzido na faculdade de direito e passado pelo purgatório assistencial, já avisou que Vasco tem formação de esquerda se é que no fundo, muito no fundo, não continua esquerdista. Sousa, em vendo uma pessoa inteligente, não resiste: passa-lhe um atestado de esquerda o que é simpático mas ligeiramente exagerado. Vasco é de direita e foi-o sempre mesmo quando nos loucos anos de juventude perorava à estudantada em greve ou mais tarde no breve período em que terá militado no fantasmático "Movimento de Acção Revolucionária". O que Vasco não foi, não é, nem será, é um reaccionário como o é a esmagadora maioria da direita a que ora se acolhe por desejo de "intervenção".

Suponho que o fantasma pouco atraente do Padre José Agostinho de Macedo anda a atormentar, mais do que é permitido a não vivente, a alma tenra de Vasco quando este se propõe, de parceria com o dr. Nogueira, salvar a pátria do bolchevismo de Guterres. Mesmo que seja tolice tudo quanto disse sobre o ex ministro de Cavaco (e algumas fortes tonterias escreveu sobre ele) subsiste esse pequeno mas definitivo escolho que é a multidão ppd, a deputadagem de 2ª linha que abomina intelectuais, detesta quem a aponta a dedo e não suporta a inteligência sobretudo se aliada à ironia e (no caso) ao sarcasmo.

VPV já esteve no partido onde pretende re-ingressar, já terá sido deputado ou pelo menos eleito e já foi, sem glória nem vergonha excessivas, Secretário de Estado da Cultura. Terá conspirado q.b., aconselhado outro tanto e tido o poder que a sua idiossincrasia lhe permitiu. Ocorre, então, perguntar : porque redeputa Vasco?

Poder? Não terá mais do que a página do "Independente" lhe dava!
Dinheiro? Não acredito que o editor lhe não dobrasse a semanada se ele o pedisse tantos são os leitores que compram o jornal só para o ler .
Fama? Escrevendo o que escreveu, do modo como o fez e durante tanto tempo, VPV é conhecido de meio mundo sem contar com os 50 ou 60 mil inimigos que angariou com os mimos que foi distribuindo.

A menos que... a menos que o agregado em história, o investigador, o historiador de quem se esperava tanto, julgue não ter mais nada a fazer e a dizer neste domínio. Assim, sem mistérios nem memórias de Rimbaud enterrando-se em África, aos cinquenta e tais desiludidos anos, Vasco redeputa. Ou deputa, que é, hélas, o mesmo.


18 de Julho, 1995 dia de SSas Marina e Gundenes, virgens.
O calendário promete, para depois de dias sufocantes, ventos de O e NO que refrescarão o ambiente e despejarão os céus. Assim seja!





VASCO OUTRA VEZ


Eram já horas do leitinho, xixi e cama quando um amigo mais ansioso me telefonou. "O Vasco arreou!", disparou. "Vasco? Que Vasco? " repontei mal desperto de uma inocente modorra a que a tv e a lareira acesas não eram estranhas. E acudiam-me, tresmalhados todos os Vascos conhecidos desde o Gama altivo perante o Samorim de Calecut até ao "companheiro Vasco, força, que nós somos a muralha de aço". Pelo meio, sem o brilho da fama, perpassavam o Vasco Henriques e o Vasco Reis, amigos de outros tempos e estúrdias.

É nesses temíveis nanossegundos, em que tentamos identificar uma voz, uma pessoa ou um acontecido, que nos acodem as mais lúgubres ideias: É um credor! Morreu fulano! O Saramago ganhou o Nobel! O dr. Manuel Monteiro teve uma ideia!

A coisa complica-se se, como disse, estamos, empanzinados pela jantarada, a tentar fazer o metafórico quilo diante da tv e ao aconchego da lareira. Passa-se de um estado de sonolenta beatitude para um mundo de campainhas estrídulas e notícias ameaçadoras: "Morreu alguém!" pensei. "Morreu o Vasquinho, porra!". E neste sentido porra lá ia mais um pedaço de infância roto pelo remorso de quem não deu nem pediu notícias durante anos e anos...

Todavia, e neste caso, o desengano foi rápido: Dos Vascos citados a Parca só levara -e já há um par largo de séculos! - o primeiro, poupando os companheiros (de infância e juventude uns e da muralha de aço o outro) citados. O Vasco da história estava vivo e recomendava-se. Não morrera, não corria risco de vida que se soubesse, apenas se demitira de deputado. Demorei a localizá-lo por lhe ter perdido a pista. Durante os últimos meses dele só se ouvia um silêncio espesso e grave como convém a um recém eleito pai da pátria em trabalhos de parlamento.

A minha querida amiga e leitora Judite Mendes de Abreu (para quem esta vai com beijos e saudades) já percebeu que me refiro a Vasco Pulido Valente pseudónimo literário e parlamentar do Doutor Vasco Correia Guedes. Lembrar-se-á, seguramente, do pequeno frémito com que foi acolhida a sua candidatura a deputado pelo PSD aceitando o convite do dr. Fernando Nogueira. Vasco foi uma espécie de parada-resposta ao anúncio da candidatura Portas pelo Partido Popular.

A imprensa (incluindo o conspícuo "Publico") futurou coisas espantosas para S Bento graças à fulgurante entrada destes dois conhecidos comentaristas. Os partidos mais à esquerda eram cruelmente caricaturados por não recorrerem, eles também, a um par de jornalistas com créditos firmados na verrina hebdomadária. Houve mesmo quem anunciasse uma nova idade de ouro para o parlamento com mais e renovadas orações à moda de José Estêvão. Anteviam-se, com impaciente júbilo e orelhas atentíssimas (e lavadas...), duelos, desgarradas oratórias, verve, talento e ironia a rodos.

Acrescente-se, todavia, que também neste quadro mimoso e resplendente apareceram os habituais velhos do Restelo. "Deixa-os pousar..." terão regougado, solertes, alguns deputados do PS partido que, há que convir, conta com poucos leões da Metro ( e de parco rugido...) na arena parlamentar.

Os maus só não ganham nas histórias infantis e em certo antigo cinema de Hollywood: não foram precisos mais de quatro meses (se tantos foram...) para VPV anunciar urbi et orbi o seu abandono do parlamento. Terá sido esse, até, o momento em que mais foi ouvido em tão augusta casa. Aliás não consigo recordar qualquer intervenção do combativo articulista. E não foi por falta de motivo há que dizê-lo que, com o espesso silêncio a que se tem remetido o antigo partido do poder, até um gago –querendo - poderia ter repetido a saga de Demóstenes.

Perdem-se em conjecturas os habituais observadores da cena política: terá Vasco, secretamente, decidido alistar-se no partido do governo e por isso entende só dever hostilizá-lo fora do areópago? Terá perdido a voz, enrouqueceu, entaramelou-se-lhe a língua e preferiu a mudez forte do açoite ao véu diáfano da crítica?

Num samizdat perpetrado em 18 de Junho de 95, afirmava-se que Vasco, qual Rimbaud lusitano e de via estreita se refugiava no parlamento por nada mais ter a dizer. Convenhamos que ia naquele pobre naco de prosa alguma verdade. Vasco, se os deputados fossem pagos à peça oratória, teria vivido das economias estes últimos meses.

Vasco redeputa? , perguntava-se. A resposta, mais rápida do que seria de esperar, é negativa: Não, Vasco não redeputou. Arreou simplesmente. E, com a mesma falta de glória com que entrou, sai de S Bento. Boa viagem, dirão os mais piedosos. Ao articulista, cada vez mais afrancesado apetece dizer: "Bon débarras" !

Fevereiro, 28 dia de S Macário e companheiros mártires
1996



Democracia à Felgueiras

José Carlos Pereira é funcionário da Câmara Municipal de Felgueiras e correspondente do JN, o que não tem agradado a Fátima Felgueiras.

Na passada quinta-feira, José Carlos Pereira recebeu um ofício da autarquia a dar-lhe conhecimento que tinha de "cessar a actividade de colaborador do Jornal de Notícias”. E, como represália por notícias que escreveu enquanto colaborador do JN., o funcionário em causa foi transferido para o edifício do veterinário municipal, sendo forçado a trabalhar num espaço humilhante, sem condições de salubridade.

Ontem, José Carlos recebeu a solidariedade de todos os partidos. "Estamos perante uma situação que atenta contra os direitos humanos", considerou, por exemplo, o deputado do BE, João Teixeira Lopes, que fez um requerimento ao Parlamento a pedir ao Governo que averigúe o que se passa em Felgueiras.

Como se vê, o estilo do antigo regedor do Marco de Canaveses já faz escola.

Para complementar

Poema para o Rio



Suor e maresia
nos envolvem.

Sente-se o mormaço
do calor do dia,
no corpo todo,
no requebrado das mulheres,
nos olhos masculinos
deslizando pelas ancas .

Observa este povo,
e saberás a cadência
da música,
de onde vem, de onde vem,
de onde...

Atenta o ouvido
e perceberás o ritmo
nos ruídos cotidianos.
Assim como os saltos
nas calçadas,
um cantarolar surdo
que nos atravessa.
A música a sobrepor-se
ao lado áspero
da cidade grande,
a alegria.

Todos os caminhos dão no mar,
chamado irresistível,
oceânico,
de nos desfazermos n'água.
De nos despirmos
da pele de circunstâncias.

O olhar atento verá
por entre os edifícios,
a história,
a mistura das raças.
O negro que há em nós,
música e libido à flor da pele
e o sorriso por dentro.
O índio,
liberdade e selva.
O europeu,
pose e civilidade mescladas
às tentaçôes da cidade.

A geografia,
a acolher todos os gostos.

Amo esta cidade
com a consciência crucial da beleza,
da alegria , da miséria,

da violência.
Da cidade sedutora.

Rio de Janeiro,
céu, inferno,
e purgatório.



Silvia Chueire

O JCP quarentão

O nosso JCP, rapaz pouco dado às tarefas do lar mas que tem a Olga que resolve e muito bem, lá teve que convocar os amigos, para a noite deste sábado, para comerem umas coisas volantes e beberem umas coisas volantes a propósito da comemoração do seu quadragésimo aniversário, coisa que, como já aqui disse, me ficou cara quando por lá passei, não tarda muito faz seis anos.

O leitãozinho estava bom e o resto também estava e a conversa animada e, no fim de contas, era quase tudo gente do Marco, gente que se conhece há muitos anos o que vem provar a minha velha teoria de que os nossos melhores amigos são aqueles que conhecemos até determinado tempo da vida, aqueles que se cimentam nos tempos das dificuldades e não aqueles que vêm depois, quando acham que temos alguma coisa que se lhes acrescente. Tudo isto, obviamente, descontando algum exagero, coisa em que, como se sabe, estou a tornar-me especialista, não sei se é da idade ou se da inimputabilidade que cada vez mais reivindico, porque dá jeito para desculpar as tolices.

Heterogénea plateia e uma conclusão: todos, mas mesmos todos, estão mais calmos, menos agitados, mais comedidos. Um sinal de velhice, digo eu, ou um sinal de que o espaço começa a ser conquistado pelos meninos - os filhos dos adultos - que não páram e que nos mostram que o tempo tem passado rápido, porque eles crescem rapidamente, tão depressa como o nosso cabelo fica mais branco e mais raro, e talvez também, na parte que me toca, uma dor incisiva por não estarem ali os meus meninos, que estavam em casa da mãe. E uma dor atrevida, uma pontada de saudade e uma vertigem desalmada por saber que a minha filha estava de castigo - merecido, sem dúvida -, mas que me pediu pelo telefone que a fosse buscar porque precisava de sair e ir ver os amigos e queria que eu fosse com ela, mas eu não podia porque não podia nem queria desautorizar o castigo. Não fui. Mas ela esteve sempre ali, a toldar-me a alegria de estar entre amigos e a comemorar o JCP quarentão, que, à conta disso, aumentou a sua colecção de gravatas ao ponto de receber duas iguais e a que lhe ofereci e não era igual às outras e que, por sinal - mau sinal - ainda por cima não era das que a loja tinha em promoção.

Sim. O ritual manteve-se. Os cigarrinhos na varanda. Mas julgo que não haverá problemas, a temperatura não estava negativa - 3 graus positivos quando vim embora - e eu, que sei do que a casa gasta, tinha levado uma camisola mais grossa pelo que presumo não ser ainda desta que repito a pneumonia que um dia ganhei na Póvoa.

O José tem 40 anos. Parece que ainda foi ontem que éramos putos. Bom resto de vida, José!

28 janeiro 2006

Sobre amigos, música e a cidade

Ia para uma rua que não sabia bem onde era, tinha o endereço e o bairro: Botafogo.

Ia assistir a uma apresentação de um trio de jazz, convidada por amigos que me garantiam ser muito bons os músicos.

Ia apesar da distância do lugar onde moro. Moro num bairro afastado, a
quase uma hora de distância, mas gosto de música e havia me comprometido a estar lá. A cidade como é de conhecimento de todos é violenta, e as pessoas se preocupam quando uma mulher sai sozinha e vai retornar à casa tarde ( neste caso nem tão tarde ) da noite.

Ia apesar de estar cansada do dia de trabalho, era uma quarta feira, e porque a violência da cidade nunca me impediu de sair de casa, fosse a que hora fosse. Vou e volto dirigindo meu carro. Já passei por acidentes, no caminho, automóveis destruídos. Nunca por assaltos ou tiroteios. Tomo cuidados, é certo. Mantenho os vidros fechados e presto atenção aos sinais. Mas tiros ou assaltos ainda não vi.

Ia porque gosto de divertir-me e ouvir blues e jazz tem o efeito de repor minhas energias, ou humor, ou seja lá como decidam chamar. O fato é que a música é-me importante. Muito.

Ia , sem dúvidas, também porque é um prazer dirigir ao longo das praias, à noite, a lua refletida no mar, Metade desta cidade são praias. É nelas, em torno delas que as pessoas passeiam, divertem-se, se encontram.

Ia naquela noite de lua cheia, a ver as pessoas andando nas calçadas à beira mar. É verão mas estava fresco.

Ia encontrar-me com amigos e música, um bom motivo para ir.

Ia, mas não conhecia muito bem a rua exata e ao chegar onde pensava ser, errei o lugar. Parei o carro numa esquina e perguntei ao vendedor que estava dentro de uma van que vendia cachorros-quentes, onde era a rua tal. Ele respondeu-me que eu errara a rua por uns cinquenta metros. É logo perto, aquela esquina que a senhora passou, disse-me. Um seu cliente que comia ali, de pé, acrescentou apontando: lá, ó. E eu raciocinando a volta que teria que dar, por onde, e quanto tempo levaria, por causa de um erro de metros, quando o tal homem me diz : faça o seguinte, dê a ré, porque é tão perto que não vale a pena dar uma volta tão grande, eu cuido do trânsito se vier algum carro. Interrompeu seu lanche e foi para o meio da rua, mais trás de onde estávamos, fazendo sinais para que eu fosse e para que os carros que vinham parassem por um instante. Dei a ré em segundos e entrei na rua que procurava, agradecendo com um acenar de mão, obrigada! Pude ver pelo retrovisor, o seu sorriso enquanto saía do meio da rua e voltava ao seu sanduiche.

Ia para uma pequena rua em Botafogo encontrar amigos e ouvir música. A casa onde o show se realizou era um bar num sobrado recuperado ao tempo, de excelente gosto e usando materias de demolição, portão de ferro batido em desenhos bordados do início do século passado, fora da casa, mas já dentro do pequeno jardim, uns guarda-sóis brancos quadrados logo junto às janelas abertas que se localizavam perto do pequeno tablado onde o trio tocaria, portas de pinho-de-riga muito altas, lindamente trabalhadas, pé direito muito alto, lá dentro mesas de desenho moderno distribuídas sem aperto. No segundo andar uma pequena galeria de arte com uma coleção de cadeiras assinadas, de design, a “mania”, disseram, do proprietário do bar.

Ia encontrar amigos e música e encontrei mais que isso. Encontrei mais uma vez a solidariedade de pessoas que sequer me conheciam (esta coisa tão tipicamente carioca ), uma bela casa com um bar acolhedor, música de qualidade, e, claro, os amigos, a conversa depois do show, um bom vinho, e petiscos, estas perdições.

Silvia Chueire


Este texto vai dedicado à Kamikaze que me perguntava outro dia porque não escrevo sobre o Brasil, a cidade, psiquiatria. Sobre psiquiatria, assuntos correlatos, quaquer dia escrevo. Perdoem-me a prosa. Não é dos meus fortes.

Antes que me esqueça, van é uma carrinha, como vocês que dizem aí. Cariocas, suponho que vocês saibam que é como se chamam às pessoas nascidas no Rio de Janeiro (ou pela cidade adotadas).

Casa inquieta, Rodrigo

Estava
o ano velho a acabar,
numa noite como esta em que o cansaço é muito e a noite insone e eu
(carregador do mundo) escrevi aqui
um texto, supostamente inteligente sobre o livro "Casa Quieta", de Rodrigo Guedes de Carvalho. Rodrigo
não gostou da
"gracinha"
e interpelou-me, via e-mail, e trocámos conversas inquietas sobre o assunto mas, como somos pessoas civilizadas, não ficou azedume nem melindre. E eu persisto
tal como prometi
a ler vou na página
56
mas torpecei no hospital e nas dúvidas sobre o encontro de irmãos, o Salvador e o outro, e sobretudo sobre a idade dos irmãos, do Salvador e do outro.
Do Salvador que ama a Mariana, a Mariana-morta-de-trás-para-a-frente, e há outra Mariana, Mariana de outro homem, que chora no corredor do hospital
e eu
que também amo a Mariana, a minha filha, inquieta
Casa Quieta.
E ontem fiquei mais contente porque uma bailarina do
Porto
(não me lembro do nome)
questionada sobre o seu livro preferido respondeu
Casa
Quieta.
Ela vingou-o. Rodrigo. Guedes. de. Carvalho.
(E eu sou mesmo um mau leitor, caríssimo. Mas tenho vindo a melhorar...)

VPV

Eu não conheço Vasco Pulido Valente de lado nenhum, a não ser do que leio do que ele escreve e escreve bem. Há dias, li uma crónica dele no Publico, que logo tive a tentação de comentar, mas esqueci-me. Falava VPV da ameaça de Chirac ao Irão, por causa do nuclear e, daí - que era a questão importante - passou para o acessório, dizendo, palavra menos palavra, que estava contra a França por causa da ameaça, ele que cresceu no tempo em que nós, portugueses, aprendíamos a falar e a escrever em francês. Li a crónica ao balcão de uma área de serviço, de pé, ice tea e sandes mista, manhã carregada e talvez com sono, mas houve uma ideia que me ficou: em que mundo vive VPV? Aprendeu a falar e escrever em francês, porque essa era a tónica dominante do tempo em que cresceu? Tónica dominante, onde? Se VPV soubesse das coisas do mundo, saberia que nesse tempo a maioria dos portugueses do mundo real não aprendia a ler ou a escrever em francês... nem em língua nenhuma.

27 janeiro 2006

O Presidente da República na abertura do ano judicial


As escutas telefónicas- A responsabilidade civil dos juízes - A independência da Magistratura Judicial - A autonomia do Ministério Público
*
O Presidente Sampaio referiu-se na Abertura do Ano Judicial, no Supremo Tribunal de Justiça, à regulamentação das escutas telefónicas como meio de investigação criminal, considerando que se foi longe demais.Defendeu então que “importa arrepiar caminho rapidamente, com um catálogo restrito e claro dos crimes graves que as podem justificar, de par com a consagração do seu carácter excepcional, da sua autorização e controlo efectivo pelo juiz de instrução e da proibição de se recorre a elas fora do inquérito criminal”. “O regime das escutas telefónicas tem de ser excepcional e minuciosamente controlado. Mas não se caía na tentação, por não se terem, até agora estabelecido regimes eficazes, de instituir entidades exteriores à administração judiciária, para controlar a legalidade das escutas. Com isso se daria uma machadada fatal no sistema judiciário, que casos vários tanto têm fragilizado”.
A propósito da responsabilidade civil dos juízes alertou para o risco de se pôr em causa a independência do poder judicial: “cuidado com as soluções que visem responsabilizar civilmente magistrados judiciais”. “Um juiz deve ser responsabilizado, sem quaisquer restrições quando erra intencionalmente. Mas “se estiver em causa a mera negligência, em que a vontade consciente não está presente e a recta intenção se mantém, responsabilizar o magistrado é ferir aquilo mesmo que nos garante a sua independência, a Irresponsabilidade pelos actos geradores de prejuízos quando não se verifique dolo”.
E alertou ainda: “a independência dos juízes e a autonomia do Ministério Público” são “elementos essenciais da nossa democracia” e “têm que ficar preservadas, sem quaisquer reticências”.

Au Bonheur des Dames nº 17

Gloriosos Naufrágios 1

Isto para ser levado de forma profissional havia de ser destacado do bonheur e apresentado como série própria, com matrícula na polícia (como as antigas peripatéticas, tão bem cantadas pelo Assis) e registo na repartição de patentes (coisa fácil de arranjar se tivermos um patrono como o DLM que a seu tempo verá nascer uma secção “ad usum delphini” que eu estou em boa idade para ensinar e ele para aprender). Mas sou mais anarqueirão que um bando de pardais e já não há santo que me valha. Que eu até tenho 18 santos com o meu nome, sendo que um deles foi papa em 308-309 com o seu próprio nome (ora tomem lá!) e diz a lenda que o malvado imperador Maxêncio o fez moço de estrebaria e depois que o mandou matar pisado pelos cavalos. Mas parece que o papa Marcello 1º (terá havido mais?) morreu de morte natural e não pelos coices das cavalgaduras. Terá deixado esse destino ao escriba que estas vai traçando e que sobre ser ingénuo é canhoto de pata e de coração. E fiquem sabendo que eu até já fui à igreja de S. Marcello sita em Roma e numa rua bem principal. Mas a gente, com estas e outras que a seu tempo virão, vai-se desviando do propósito inicial e depois o leitor José fala dos textos fleuve do mcr.
Ora então anuncie-se ao que vimos: um certo Galo (mais galispo que galo, pelos vistos...) acolitado por um certo Francisco Bruto da Costa conhecido gourmet de especiarias orientais (e não só..., acrescentaria eu) resolveu perguntar-me que destino tiveram duas jovens que eu, inocentemente segui até um anfiteatro. E a coisa não ficou por aqui: o Carteiro (que *** sempre duas vezes), o José e até a nossa transatlântica Sílvia insistem em saber destes “idílios difíceis” (para citar um texto do meu amadíssimo Ítalo Calvino, lido por essas longínquas épocas em que bemgastava a minha “juventud divino tesoro” por Coimbra.
Um dos meus ancestros, conhecido pela sua longa e bem sucedida vida amorosa deixou aos herdeiros um par de dívidas e uma máxima: “um cavalheiro nunca se gaba das aventuras amorosas que lhe foram concedidas”. Ou, no máximo, prosseguia o varão ilustre (e nunca duas palavras foram tão bem aplicadas...) contará a história sem citar datas nomes e lugares. Exceptuam-se as grandes cidades (Paris, Viena ou Roma) porque aí a multidão torna tudo anónimo.
Portanto os leitores ficam desde já avisados que o que aconteceu irá com um manto forte de fantasia sobre a nudez frágil da realidade. Isto não é bem Eça (oh quem me dera!...) mas serve.
Vejamos então, e em dose aconselhável para os cavalheiros e a gentil dama já citados, o que se passou com uma das duas meninas. Pois pouco, maravalhas, há que confessá-lo. E vejamos. Durante um par de semanas cruzei-me com uma caloira de Germânicas, cujo nome rapidamente descobri, no Bar de Letras. A coisa era mais ou menos assim: ela sentava-se numa mesa com um par de amigas ou colegas, e eu mais rápido que um mig-21, avião muito em voga na época, picava em voo rasante pelas imediações até conseguir mesa propícia em frente da ninfa inocentinha. Uma vez colocado, iniciava um ataque de olhares na altura conhecido como oftálmica assassina”. Fitava a jovem com o ar absorto e frio dos verdadeiros libertinos (na altura os rapazolas educados liam muito Roger Vaillant, trazido por Cardoso Pires e os que persistiam nesse caminho perigoso começavam a interessar-se por Stendhal e Laclos e acabavam nos chamados “infernos das literaturas”) e quando ela levantava os olhos apanhava de frente a dita oftálmica paralisante. Ora ocorre que, logo pela 2ª ou 3ª tentativa, a criaturinha sustentou o meu olhar com uma firmeza altamente prometedora. Isto, para abreviar, durou quinze dias, e eu andava desesperado por encontrar alguém que ma apresentasse. Naquele ano de 1961 as coisas corriam dessa maneira. Havia necessidade de apresentação, arranjada num encontro “casual” com três pares de aspas e normalmente a visada já tinha informação certa e segura do gavião que lhe rondava o beiral.
Devo dizer-vos que a donzela em questão valia o seu peso (aliás leve) em metais preciosos. Cabelo negro, bem apessoada e uns olhos azul escuro, ai!, uns olhos de danar um santo quanto mais um leigo que, por junto, de virtude só tinha um papa com o seu nome...
Como os leitores já perceberam esta troca de olhares esta “oftálmica” prolongada fazia-me andar a cem pulsações. Caloiro em terra estranha (eu até nasci na maternidade de Coimbra mas à traição: resolvi anunciar a minha vinda com alguma antecedência e a minha boa mãe, dezanove anos inocentes, quando sentiu romper-se o saco das águas em pleno cinema Peninsular da Figueira da Foz ficou envergonhadíssima e murmurou ao meu pai que tinha feito xixi. O Pater, médico e ginecologista, logo desconfiou e, ala que se faz tarde, para a maternidade de Coimbra. E aí, assistido pelo professor Lúcio de Almeida e mais não sei quantos colegas de curso e da mesma especialidade, nasci eu, bonito e repolhudo como se deve. De todo o modo o que eu não daria por ter nascido em pleno cinema durante um filme americano com, se não estou em erro, o Tyrone Power!!!)
Raios partam estes parêntesis que me tiram do sério... Voltemos à vaca fria: o romance alimentado a olhares que eu pensava frios e deveriam ser mais langorosos que uma valsa de Strauss. Vergonhas porque um passa. Quem nunca fez figuras ridículas por amor é favor sair desta leitura.
Ora chegou o dia entre todos fausto em que encontrei um colega que me disse conhecer perfeitamente o objecto da minha paixão. Valha a verdade que, mesmo apaixonado (ou algo no género), eu não era imprudente. Vai daí com rodeios de índio moicano fui-lhe extorquindo informação valiosa. Quem era, donde, namorados? etc... Tudo correu às mil maravilhas até ao momento em que ele me confidenciou que a jovem era míope como uma toupeira mas que se recusava a usar óculos. Que não via a um metro, metro e meio de distancia e que até “tinha havido um par de parvos que tomando a sua miopia por convite se tinham acercado lampeiros e dolicodoces!”
A bomba atómica que me caiu na cabeçorra não tem descrição. Era todo um idílio que se esfumava pela falta miserável dumas lentes de contacto que só começaram a vulgarizar-se dois ou três anos depois.
Embezerrado, comecei a passar de largo e nunca cheguei à fala com a míope mais misteriosa que cruzou o meu caminho.
Ora aqui está uma boa “estória” para os voyeurs que queriam coisa mais suculenta. É para que saibam! Eu, histórias destas, de naufrágios, tenho mais que a História Trágico Marítima inteira. Mas...não sei porquê recordo-as hoje com um doce sabor de Verão e laranjas. E alfazema, muita.
Como os leitores vêm a cultura clássica e os amores dão-se bem. Ou como dizia o espanhol : “con el palo dando y a Dios rogando”. Eu sigo a velha regra: primum vivere deinde philosophare. Com uma diferença: vai tudo ao mesmo tempo.

Vai dedicada aos senhores “Galo”, DLM, F.B. da Costa, Carteiro, José leitor e amigo, e à nossa especialíssima convidada do ultramar Sílvia.
Escrito sob os auspícios de Wolfgang Amadeus que faz hoje 250 anos. Na companhia do canal Mezzo que vai dar 24 horas de Mozart.

Mozart, Mozart, musica

O canal mezzo está hoje a passar vinte e quatro horas de Mozart. Depois não digam que não sabiam.
Boas "escutas". Estas não fazem mal a ninguém e devem mesmo multiplicar-se...
Um abraço

O estilo promove o homem

Pacheco Pereira publicou (significativamente) na editora que Zita Seabra dirige, o livro “Quod erat demonstrandum”.

O livro reproduz os seus comentários políticos e pretende ser uma espécie de “escrita de contacto”, publicando o que pensa em cima dos acontecimentos.

Sempre pensei que Pacheco Pereira diz o que pensa o senso comum mais esclarecido, com o inconveniente de “puxar as brasas para a sua sardinha”, como diz o ditado.

O livro é muito datado e não é com esta sua última produção que, finalmente, conseguirá ficar na história.

Se o marketing que o apoia continuar eficiente, o (bem visto) Pacheco Pereira ainda terá direito a uma nota de rodapé na história do tempo em que vivemos.

O beneficio não será de Pacheco Pereira, mas da mania de colocar notas de rodapé.

Mozart (1756-91)

Wolfgang Amadeus Mozart nasceu a 27 de Janeiro de 1756 em Salzburgo, há 250 anos.

Aos três anos tirava melodias no cravo e chorava quando alguém tocava alto demais ou de forma dissonante. Aos quatro anos, sabia tocar cravo e violino fluentemente. Aos cinco começou a compor minuetos e outras peças.

Os seus dons preocupavam a família e o pai preferia que tivesse uma outra profissão e soubesse poupar o dinheiro. Mas, Mozart era incapaz de gerir as suas finanças: tudo o que ganhava gastava-o rapidamente.

Gostava de viajar e na vida adulta mudava constantemente de residência. Quando tinha doze anos, já havia visitado doze países, proposto casamento à rainha Maria Antonieta da França que respondeu, sorrindo: “peça-me de novo, quando for mais velho”.

Diz-se que viveu a sua vida em carruagens, hospedarias e nos salões das cortes.

Escreveu música para dança, peças didáticas, sinfonias, concertos, áreas para óperas, todos os géneros musicais do tempo. Toda a gente se lembra de “As bodas de Fígaro, Don Giovanni e Flauta mágica”.

Os seus últimos anos, apesar de musicalmente ricos, passaram-se entre dívidas e numa extrema pobreza.

Morreu aos 35 anos, na madrugada de 5 de Dezembro de 1791.O seu corpo foi enterrado no pequeno cemitério de Sankt Marx, nos arredores de Viena, numa vala comum, tal como eram sepultados os indigentes.

Um dos seus biógrafos descreveu-o como "o músico mais consumado que jamais viveu". Quem gosta de música, sabe que isso é verdade.

26 janeiro 2006

Paradoxal necessidade de entendimento

O Hamas ganhou as eleições e naturalmente constituirá o governo da Palestina. Chega ao poder através de um método democrática e a sua legitimidade já não pode estar em causa.

Israel diz que não dialoga com o Hamas. Mas será isso possível?!...

Lembremo-nos da evolução da relação entre Israel e al Fatah! A situação, paradoxalmente, é, agora, mais difícil a Israel, porque o Hamas conseguiu a legitimidade que lhe faltava.

Não resta a Israel outra solução que não seja o diálogo, directo ou indirecto, para conquistar a paz naquela zona “barril-de-pólvora” do mundo.

Lei-quadro da política criminal

Noticia a LUSA:

«A Assembleia da República aprovou esta quinta-feira a lei-quadro que define as prioridades da política criminal, com os votos favoráveis de PS e CDS/PP, a rejeição de PCP e Verdes e a abstenção de PSD e BE.

O ministro da Justiça, Alberto Costa, defendeu que o diploma cria instrumentos para que periodicamente haja uma avaliação e uma prestação de contas em relação à política criminal.

Disse Alberto Costa:"A proposta que apresentamos está do lado do princípio da responsabilidade, quer na vertente da resposta aos problemas, quer na vertente fundamental da prestação de contas".

O Ministro garantiu também que a autonomia do Ministério Público e a independência dos tribunais não serão afectadas por esta lei.

No seu entender, estão criadas condições para dar "mais coerência, mais eficácia e mais eficiência no emprego de meios a uma linha extensa de actuação sobre o fenómeno criminal".

ACTUALIZAÇAO:

Ja a 27 de Janeiro, ALM opina com contundente substancia no aqui Cum Grano Salis.

Sistema de escutas e prisão preventiva

Noticia, hoje, a lusa:
No último discurso na Abertura do Ano Judicial como Chefe de Estado, Jorge Sampaio apontou como «situações mais gritantes» em matéria de restrições dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, aspectos ligados à prisão preventiva, escutas telefónicas e violação do segredo de justiça. Disse que não se pode admitir que «enquanto não haja uma acusação definitiva, a notícia da suspeita seja lida como certeza, e a pendência de processo como se condenação definitiva já houvesse». No seu entender, importa «arrepiar caminho rapidamente, com um catálogo restrito e claro dos crimes graves que podem justificar escutas telefónicas» e apelou ao «consenso» entre comunidade forense «sobre o mapa judiciário, as regras de processo, o regime de recursos, a organização e espécies de tribunais e seu reflexo nas carreiras, a formação de magistrados, advogados, oficiais de justiça e polícias.
A par da anunciada restrição em matérias de recursos para as instâncias superiores, Jorge Sampaio também defendeu que «deixem de ser colocados injustificáveis entraves a que, sobretudo o Supremo Tribunal de Justiça, seja um tribunal a que possam ter acesso efectivo todos os juristas».
Jorge Sampaio sublinhou, ainda, que é preciso ter cuidado com as «soluções que visem responsabilizar civilmente magistrados judiciais», mas que se estes errarem intencionalmente «devem ser responsabilizados, sem quaisquer restrições». Por último, defendeu a preservação da independência dos juízes, a autonomia do Ministério Público e o adequado controlo das polícias de investigação criminal.

estes dias que passam 12

Para os leitores e companheiros que não passaram por Coimbra convem desde logo dizer que a Faculdade de Direito ocupa o núcleo histórico da Universidade (os Gerais) e que logo que se saia pela Porta Férrea à direita fica a Faculdade de Letras. Aviada a geografia vamos á história: no ano da graça de 1960 aportei á "Coimbra de lavados ares" para assentar arraiais na faculdade de direito.
Não precisei de mais de uma hora para verificar duas coisas na altura essenciais para um jovem caloiro: 1) que em Direito mulher era artigo praticamente inexistente, mas 2) havia-as em quantidades para além de toda a imaginação em Letras. E já agora um terceiro ponto à moda do eng. Ângelo Correia: em Letras havia um bar coisa que em direito pecava pela ausência.
As minhas amabilíssimas leitoras conceder-me-ão que a junção dessas duas valências na faculdade vizinha eram motivo imperioso para a frequentar sempre que possível. E mesmo quando não era possível pois depressa me habituei a faltar às aulas mais chatas e passar uma hora no bar sempre afreguesadíssimo de Letras. E então as faltas, perguntará o nosso simpatico amigo DLM sempre saudoso dessses tempos de disciplina e sacrifício. Ora, ora, meu Caro, Bastava comprar o bedel ou até apenas o seu ajudante para se ter um programa de faltas "a la carte". Em me apetecendo dizia ao Santos: "Santos ponha-me aí duas faltas a práticas de constitucional!" - "Duas senhor doutor? -espantava-se o requerido com esta munificiência. "Pronto, homem ponha só uma!" E a vida corria docemente até ao miserável mês de Maio em que toda a gente se punha a estudar doidamente para tentar salvar o ano.
Ora numa dessas manhãs de embevecimento, descobri que um par de raparigas que me pareciam ser exactamente o que o meu médico me recomendara para curar os humores melancólicos se levantavam e desapareciam num anfiteatro enorme.
Caloiro que se prezasse naquele tempo tinha uma só obrigação "desenrascar-se". E foi o que fiz seguindo-as e precipitando-me numa aula de Cultura Clássica. Sentei-me lá para trás, com ar compostinho e resolvi fingir uma enorme atenção não fosse a professora, senhora de ar amável, óculos, sem idade e bonita voz, mandar-me dar uma volta ao bilhar grande.
Para não maçar mais devo dizer que só fingi cinco minutos. Aquilo, a aula, versava sobre o encontro de Ulisses com Nausicaa na sublime ilha dos Feácios e depressa me entusiasmou tanto quanto a história do direito português me entristecia.
As alunas não passaram para segundo plano (não faltava mais nada! Homessa!!!) mas as explicações da professora abriam-me, meus ricos e ignorantes dezoito aninhos!, perspectivas fantásticas. Nunca mais falhei uma dessas aulas e até a professora já me cumprimentava. Devo dizer que reuni a coragem suficiente para lhe ir pedir para assistir ás aulas licença que foi rapidamente concedida.
Depois os anos passaram, fui-me tornando ligeiramente menos ignorante, li e reli todos os gregos que apanhei à mão e desses anos de vinho e rosas resta-me, entre outras, uma saudade: munca ter estudado grego clássico. Quando deambulei pela Grécia fui a vários sítios citados pelos meus autores, cheirei o ar, comovido e grato e in immo pectore terei recitado um que outro passo recordado.
Hoje ao abrir o jornal dou de caras com a notícia, gratíssima entre todas, que essa senhora Professora Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, hoje com oitentas e tais, ganhara a terceira edição do prémio Universidade de Coimbra, dotado com trinta e cinco mil euros.
Num gesto único a velha escola premiara uma dos seus, a primeira doutorada aliás, e finalmente punha-se ao lado de muitas (e das melhores) universidades europeias que também distinguiram esta mulher excepcional.
Ora aqui está, amigas companheiras, comentadoras e visitantes deste blogue uma boa nova que me apressei a compartilhar convosco. Num país ainda pouco dado a reconhecer os méritos das suas artistas, cientistas e professoras, esta parece-me ser notícia de bom augurio. Pela Justiça que representa e pelo reconhecimento de um labor científico traduzido numa boa centena de obras conhecidas cá e no estrangeiro.
Há meses saudeui neste mesmo blogue a tradução da Íliada e espero que alguém se tenha disposto a ler essa absoluta obra prima. Quem quiser perceber para lá dos versos magníficos, a história desses aqueus nossos antepassados culturais pode e deve passar por Maria Helena da Rocha Pereira. Cuidado porém: isto é vício que pega de estaca. Nunca mais se é o mesmo depois de ler e perceber essa poesia imortal.

nota: de MHRP lê-se com agrado "Estudos de História da Cultura Clássica" I e II bem como as belíssimas antologias "Hélade" e "Romana". A primeira obra está publicada pela Gulbenkian e as duas antologias têm o selo da Asa.
A expressão meus dezoito aninhos rapinei-a a António Manuel Lopes Dias que no próximo sábado dá à luz o livro de poemas "Sobre escritos". Ora aí está um belo fim de tarde!

Realmente, não é nada comigo

Encontrei, por mero acaso, no Primeiro Moicano, esta referência a um post que aqui escrevi há alguns dias.

Li, no Incursões, um post de Coutinho Ribeiro escandalizado com um magistrado judicial que disse que o problema das listagens era com o Mº. Pº. e que assim não perceberia que o problema era antes da justiça. E logo uma série de comentários a apoiar e a bater nos juízes, no C. E. J. e a aplaudir a vestibular fase do Mº. Pº. prévia à magistratura judicial. Bem, que tenho eu, juiz de uma comarca, a ver com o facto de num processo de Lisboa, em julgamento, com pseudo poderosos, se descobrir agora que há uma listagem encriptada com nºs. de telefone de agentes do Estado e que se tratou de lapso da P. T.? Eu até acho que o P. G. R. pouco ou nada tem a ver com isso. Mas, é tão fácil dizer que todos temos de viver os problemas da justiça. Será que eles vivem os problemas menores da justiça e que tanto têm desmotivado os juízes? Pode ser que sim.

Que se pode dizer? Talvez o autor do comentário tenha razão. O melhor mesmo é cada um olhar para o seu pequeno quintal e deixar que a casa do vizinho arda... Afinal que importância tem o assunto da listagem, se o meu nome não está lá nem é na minha comarca?

«A Força das Ligações na Internet»

Um estudo do instituto Pew Internet, acaba por demonstrar que a Internet e a troca de e-mails fortalecem as relações sociais e desempenham papel importante nas decisões tomadas por milhões de utilizadores, seja para pedir conselhos, aferir procedimentos, procurar informações, ajudar sobre doenças, comprar casa, conseguir casamento, avaliar sistemas e até influenciar eleitorados.

Segundo o sociólogo Barry Wellman, co-autor do estudo, a Internet está a criar um novo fenómeno social, a “comunicação-em-rede”. Este tipo de comunicação, não substituindo a tradicional, vai, no entanto, ganhando cada vez mais força e levando, inclusivamente, as instituições a tomarem-na em consideração, nomeadamente o que é dito nos blogs.

Sobre a Lei de Politica Criminal em debate na A.R.

A análise do Procurador-Geral da Republica, feita na audição de 3ª feira passada, dia 24, na 1ª Comissão da AR, consta sumariada aqui no DN (em artigo cujo título - "Procurador diz que a lei visa controlar o Ministério Público" em bom rigor não condiz com o teor das afirmações que o jornal lhe imputa na noticia...).

Os comentários e propostas do SMMP constam aqui em extenso documento.

No DN de hoje refere-se a crítica cerrada feita ontem na AR pela oposição. A intervenção da deputada Odete santos do PCP pode ser lida aqui.

A opinião do nosso colaborador Rui do Carmo, tal como exposta na Conferência Nacional que o SMMP realizou no dia 9 de Dez. 05, já consta aqui no Incursões. (outras opiniões expressas na Conferência estão referenciadas nos comentários neste outro post)

No blawg Sine Die tem sido publicados vários posts sobre a questão, o ultimo dos quais aqui neste link.

Atençao

Chamo a atenção dos companheiros de blogue e dos nossos visitantes para o interessante comentário de Delfim Lourenço Mendes inserido num post do compadre Esteves sobre pensões de políticos. Peço desculpa por o título vir sem til mas são manias do maquinismo e não erro meu ou sequer gralha.

25 janeiro 2006

Globalização

A partir de hoje e até Domingo, em Davos, na Suíça, 2340 representantes da elite política e económica mundial reúnem-se num Fórum para debater assuntos relacionados com as reservas de petróleo e gás mundiais, e, ainda, sobre a força e a importância da China e da Índia na economia internacional.

Para possibilitar aos participantes a descontração que na circunstância o bom gosto exige, também foram convidadas personalidades como o vocalista dos U2, Bono, a actriz Angelina Jolie e o ex-jogador de Futebol Péle.

Entretanto, nos arredores de Davos, no próximo sábado, centenas de pessoas vão participar numa manifestação contra o encontro que consideram a promoção de valores neo-liberais. Como de costume, cerca de três mil soldados estarão no local para evitar que esta manifestação perturbe os participantes do Fórum.

Paralelamente ao Fórum Económico Mundial começa também, esta quarta-feira, o Fórum Social, em Caracas. Vão discutir formas de organização mundial alternativas, anti-guerra, anti-pobreza, assim como formas de combater os problemas ambientais.

No Domingo realiza-se uma marcha onde se estima poder estar cerca de 50 mil pessoas de 170 países.

Estranha-se

Faz manchete na edição de hoje do jornal Correio da Manhã a seguinte noticia:
Várias dezenas de ex-goverantes e deputados, além do Presidente da República eleito, recebem reformas chorudas do Banco de Portugal, atribuídas após apenas cinco anos de serviço. Além de uma pensão escandalosa, os contemplados mantêm todas as regalias concedidas aos administradores no activo, ou seja, carro e cartão de crédito.
Entre os beneficiários, conta-se Campos e Cunha, ex-vice-governador do Banco de Portugal e detentor, como tal de uma reforma de oito mil euros, Miguel Beleza, ex-ministro das Finanças no primeiro Governo de Cavaco Silva com 3.062 €, o próprio Cavaco Silva, que chegou a ser técnico consultor de nível 18B, saindo com uma reforma de 2.679 € e Octávio Teixeira, ex-técnico consultor de nível 18ª no Banco de Portugal, que deixou a instituição com uma reforma de 2.385 €.
Estranha-se que Cavaco Silva não tenha denunciado esta flagrante situação de escandaloso privilégio e recusado a mesma.

Esclarecendo

Eu subscrevi a candidatura do presidente Cavaco Silva. E, por causa disso, comecei a receber regularmente mensagens da candidatura sobre a agenda de campanha e coisas que tal. Na noite das eleições, enviei para o site da candidatura a minha mensagem, cordialmente agradecida no dia seguinte via e-mail. Ontem, recebi de Luís Marques Mendes (com um abraço) uma mensagem que dizia: «Depois da enorme vitória nas eleições autárquicas surge agora a grande vitória de Cavaco Silva, o candidato que o PSD apoiou. Agradeço a sua inestimável colaboração.» Trata-se, em todos os casos, de mensagens pré-formatadas. Mas não consigo passar sem dizer o seguinte: eu votei no presidente Cavaco Silva por duas razões: em primeiro lugar, porque achei que era o melhor para o país (daí que na mensagem que enviei tenha dado parabéns a Portugal por ter sabido escolher); e só em segundo lugar por entender que o presidente Cavaco Silva merecia ganhar.
Eu gosto do Dr. Luís Marques Mendes (foi meu ministro quando o meu secretário de Estado era o Dr. Luís Filipe Menezes, ironias do destino...). E porque gosto, sou obrigado a dizer aqui que o PSD não tem nada que me agradecer. Em primeiro lugar, porque a minha colaboração nem sequer foi "inestimável"; depois, porque o que fiz não foi pelo PSD. Foi pelo pelo que acho ser melhor para o país e pelo presidente Cavaco Silva. Com o PSD só tenho umas contas a ajustar...

24 janeiro 2006

Estória "edificante"

No entender de Jerónimo de Sousa a candidatura de Manuel Alegre, ao se afirmar apartidária, favoreceu a estratégia supra-partidaria de Cavaco Silva.

Para o candidato do PC, o que está mal não é o funcionamento dos partidos, com as suas lógicas, por vezes, mafiosas, mas o criticar essas lógicas e colocar-se á margem das mesmas.

Este raciocínio fez-me lembrar uma estória do tempo colonial. Uma senhora branca tinha uma escrava negrinha ao seu serviço. Foi uma prendinha do abastado marido numa das vezes que veio à metrópole.

A senhora era gorda e sofria de flatulência, mas gostava de frequentar a vida social, nomeadamente os chás de caridade. Sempre que, ao sorver o chá, algum gás lhe saía atrevidamente pela parte onde as costas perdem o nome, batia na pretinha e gritava «suuua pooorca!»

Não sei se Jerónimo pensou que há preocupações edificantes que fazem lembrar estórias gaseificantes.

Para não esquecer

Escreve, hoje, o JN:

«O Conselho da Europa encontrou indícios de que as alegadas prisões secretas da CIA na Europa existiram mesmo, muito provavelmente com conhecimento dos governos europeus.

"Há muitos indícios coerentes e convergentes que apontam para a existência de um sistema de deslocalização ou subcontratação da tortura", disse o chefe da comissão de inquérito, Dick Marty, na apresentação do documento.

"Actos de tortura ou de severa violação da dignidade dos detidos através da administração de tratamentos desumanos ou degradantes são praticados fora do território nacional (norte-americano) e fora do alcance da autoridade dos serviços secretos nacionais", acrescentou.


"É altamente improvável que os governos europeus, ou pelo menos os seus serviços secretos, não tivessem conhecimento", sublinhou Dick Marty.

O Conselho da Europa decidiu abrir um inquérito depois de terem surgido alegações, em Novembro, de que agentes norte-americanos interrogaram destacados suspeitos da al-Qaeda em prisões clandestinas situadas no Leste da Europa e transportaram alguns suspeitos para outros países com escalas na Europa.

A "Human Rights Watch" denunciou que a Roménia e a Polónia eram países onde possivelmente existiriam centros de detenção secretos dirigidos pelos Estados Unidos»

Tribunal Universitário

Tribunal Universitário Europeu vai estar a funcionar dentro de dois anos em Coimbra

«O protocolo entre a Universidade de Coimbra (UC) e o Ministério da Justiça foi ontem assinado em Coimbra depois de o ideólogo do projecto, Gomes Canotilho, o ter apresentado. O TUJE, como frisou, não se pretende substituir, por exemplo, ao Centro de Estudos Judiciários, mas será um tribunal-âncora para o ensino do direito e formação de profissionais. O objectivo, como referiu, é contribuir para a melhoria dos serviços judiciais em Portugal, até porque funcionará como um tribunal de 1.ª instância nos mesmos moldes dos tribunais judiciários normais.»

in JN (ver também aqui no Diário de Coimbra)

Entretanto, na escolinha das 9 às 5 da senhora professora doutora (também de Coimbra) Anabela Rodrigues, retoma-se a discussão sobre o sexo dos anjos recuando aos promórdios do pré Adão e Eva.

Pós-presidenciais

Passaram as eleições, os portugueses elegeram um novo Presidente e está (quase) na hora de virar a página. Cavaco ganhou à primeira volta, como era previsível, mas sem conseguir aquela maioria avassaladora que os seus apaniguados esperavam. Por causa das coisas, Cavaco só pôde sair de casa bastante tarde, não fossem as contas acabar furadas. Cavaco teve um resultado bom, confortável, mas não teve um score que lhe permita “passar por cima” de Sócrates e da maioria parlamentar. Está assim criado um quadro que limitará, de algum modo, as ingerências que Cavaco poderia estar tentado a fazer na governação do país. Para pesar do PSD e do PP, que vão ter que saber lidar com esta coabitação.

A esquerda perdeu e aqui não há lugar a meias-vitórias. Alegre, político desde sempre, deputado há 30 anos, vice-presidente do Parlamento com todas as mordomias inerentes, recente candidato perdedor à liderança do PS (e do seu aparelho) e hesitante pré-candidato a PR, como já foi aqui reconhecido por apoiantes seus, federou, de forma assaz curiosa, o voto do descontentamento dos que estão sempre contra os partidos, os aparelhos e os políticos, o voto de alguma esquerda e direita “chique”, o voto “cultural”, o voto revivalista da revolução de Abril, o voto do povo simples que verdadeiramente não o conhecia, o voto dos que achavam que aos 81 anos é tarde, mas aos 70 está-se bem. É claro que havia muitos apoiantes convictos e conhecedores das características de Manuel Alegre, mas esses eram uma imensa minoria.

A propósito da abertura da política aos cidadãos e à cidadania – a palavra quase que se gastava de tanto ser usada – contava-me neste Sábado um ex-ministro independente dos governos de Guterres que Alegre chegou a tentar impedi-lo de participar numa reunião com o Grupo Parlamentar do PS por ser independente e “tecnocrata”!

Soares teve uma pesada derrota, que partilha com Sócrates e o PS. Soares não deveria ter-se candidatado e os seus próximos deveriam ter sido os primeiros a desencaminhá-lo. Mas a realidade foi outra e o resultado foi péssimo. Os portugueses nunca compreenderam a necessidade deste regresso de Soares e isso foi fatal. Contudo, gostei de ver a humildade e a solidariedade demonstradas por Soares e Sócrates na hora da derrota. E os que pensam que Sócrates é de plástico estão bem enganados.

Jerónimo teve um óptimo resultado do ponto de vista partidário, o mesmo não acontecendo a Louçã, que viu fugir muito eleitorado para Manuel Alegre. Garcia Pereira também não conseguiu reunir o habitual pleno do PCTP/MRPP, se calhar porque desta vez não havia a foice e o martelo.

Uma palavra final para dizer que, em minha opinião, Cavaco também ganharia na segunda volta. Ficaram demasiadas feridas entre os eleitorados de Alegre e de Soares para que pudesse haver uma transposição directa dos votantes de um para o outro candidato numa segunda volta. Uma maior mobilização do centro-direita e uma maior abstenção na esquerda conduziriam Cavaco à vitória.

A responsabilidade de A.G.

Texto de Ana Gomes no Causa Nossa:

Responsabilidades
O DN de 23.1.06, na página 7 («A coabitação de Sócrates com... Alegre») imputa-me incorrectamente a afirmação de que Manuel Alegre seria «o responsável pela derrota da esquerda».
Na página 12, (em «Mário Soares: como mais uma vez demonstrei, não desisto de lutar») no entanto, já me atribui que «se se confirmar a derrota da esquerda, Manuel Alegre é responsável». Esclareço: em momento algum eu disse ou quis dizer que Manuel Alegre é «o responsável», o único, pela derrota. Disse sim, e mantenho, que Manuel Alegre é «co-responsável», ou «também responsável». E, portanto, «responsável» pela derrota (e até me lembro de ter dito «e bem responsável»). Mas ele há mais responsáveis.

Claro que há mais responsáveis! Como, por exemplo, a autora do texto, que já ninguém atura!

23 janeiro 2006

A direita da direita e Alegre

A política (e a vida...) tem destas ironias. A maioria dos meus amigos de esquerda votou em Manuel Alegre. E, tal como eu suspeitava, quase todos os meus amigos mais à direita votaram... Manuel Alegre. Ainda há pouco um deles me confirmou isso mesmo. É que, ao contrário do que muitos pensam, a direita mais à direita não gosta de Cavaco. Por várias razões: em primeiro lugar, porque ele não é um homem da Caras, é um homem que veio do nada, de Boliqueime, filho do Sr. Teodoro (como eu vim de Soalhães, filho do Sr. Ribeiro), não cresceu na Quinta da Marinha, não se passeou pelas óperas, não andou pelas festas in. Teve, em suma, um trajecto feito a pulso. Em segundo lugar, a direita mais à direita, normalmente acantonada no CDS, nunca perdoou a Cavaco as suas maiorias absolutas que secaram o CDS, que fizeram dele um partido pequeno. A direita mais à direita, que abjura a social-democracia, nunca perdoou a Cavaco o ter matado as hipóteses do nascimento de um partido de marca populista à volta de figuras como Paulo Portas (não esquecer que o Independente de Paulo Portas foi o carrasco de Cavaco-1º Ministro, nem esquecer a posição de Santana Lopes contra Cavaco nesta campanha). Pois foi, curiosamente, em Alegre que parte desta direita se reviu. No homem que falava na Pátria, que nasceu bem, que tem porte aristocrático, que tem o vício da caça, que servia ao mesmo tempo para atirar contra Cavaco e contra Soares... É a vida.
.....
(E aguento ainda menos aquelas imagens “muito povo, muita bandeira, muito vivório alarve como se a coisa fosse igual à vitória de um clube de terceira sobre um dos grandes.)

Esta expressão consta do último postal de MCR. Estranho. O povo é o povo. Somos nós. São todos aqueles que, de bandeira em punho, rejubilam com as vitórias de quem querem que ganhe. Muitos já agitaram bandeiras do PSD, do PS e dos outros. As convicções podem mudar, porque o tempo muda. O povo também muda.

“Velho tema”

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada,
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos

Existe, sim: mas nós não a alcançamos,
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

Vicente de Carvalho

Au Bonheur des Dames nº 16

Progósticos só segunda feira

Segunda feira de rescaldo sem mais notícias desde sábado do que a primeira sondage, domingo, às oito da noite. Primeiro porque queria escrever isto sem o veneno (mesmo salvador) de outras opiniões; segundo porque já não aguento o figurino e os figurões do costume a debitar inanidades. E aguento ainda menos aquelas imagens “muito povo, muita bandeira, muito vivório alarve como se a coisa fosse igual à vitória de um clube de terceira sobre um dos grandes. E finalmente, também não vou à bola com os cavalheiros em liça que normalmente têm no bolso meia dúzia de discursos para aplicar segundo as circunstâncias.
Portanto o que aqui vai é decididamente pobre mas original. Ou seja é uma opinião num mundo e num tempo em que cada vez menos as há.
1º : Cavaco ganhou e os outros todos perderam. Aqui não há segundos lugares mas tão só derrotas.
2º: As vitórias morais são boas para a minha Associação Naval 1º de Maio, coitadita, que se viu a disputar um campeonato que não é manifestamente para ela. Na política não há vitórias morais embora possa haver vitórias pirrónicas...
3º: Com o fim do mandato de Sampaio e a derrota de Alegre a geração de 60 “tire sa réverence”, sai de cena. Sinto-o dolorosamente porque é a minha geração, são os meus amigos, fui cúmplice deles, temos uma história comum que fundamentalmente se caracteriza por termos passado meia vida às voltas com um regime autoritário, tosco, grosseiro e ineficaz do ponto de vista económico. Meia vida significa um mínimo de trinta e um máximo de quarenta anos. De todo o modo tivemos mais sorte que os nossos pais.

Postas que foram estas três evidências, permita-se-me uma pequena digressão sobre o que se passou. É vista pelo olhar de um proponente de Manuel Alegre, para que não haja dúvidas.
a) Estou triste, claro. Diz-me um amigo: “A coisa poderia ter corrido melhor. Afinal foram só umas décimas (40.000 votos)”. Não é verdade. Essas poucas décimas apenas significariam a possibilidade de ir à 2ª volta. E mesmo que se tivesse verificado um resultado inverso (Cavaco 49, 4% e os outros 50,6%) não é absolutamente líquido que o resultado final fosse uma vitória de Alegre. É verdade que a esquerda se consegue mobilizar, que o PCP faria uma transferência impecável de votos e que o mesmo poderia suceder com o bloco e eventualmente com o MRPP. Seria assim exactamente assim com os votantes do PS? A maioria sem dúvida. Mas todos? E não vale a pena virem-me com o argumento da primeira eleição de Soares. A situação política era absolutamente diferente, os campos estavam bem mais definidos e a esquerda não descria de si própria. Quem lá andou (e eu estava metido no MASP até ao tutano) sabe bem da trabalheira e da dúvida permanente quanto aos resultados.
b) A vitória de Cavaco não se deve a nenhum milagre do divino Espírito Santo, da irmã Lúcia ou de qualquer outro orago popular. Deve-se a um trabalho de equipa, profissional, solidamente organizado, começado há mais de um ano a que não são estranhos os cuidados do próprio candidato em não se misturar com aquela gentinha santanista. Convirá aqui relembrar que a tal gentinha (a da má moeda era o partido inteiro com a meritória excepção do dr. Marques Mendes) E que a maioria esmagadora dos notáveis santanistas esteve como um só homem atrás do Professor Cavaco. A bizarria das declarações, aliás patéticas, de Santana, acabou por funcionar a favor do candidato a quem por junto se aponta uma sobressaltada careta. E nem foi das piores. Cavaco é um tímido que não sabe rir. Faz caretas praticamente idênticas sem que isso incomode o povo sereno que o aclama como um Sebastião com mais juízo, casado pai de filhos e pouco dado a cavalgadas nos desertos marroquinos.
Cavaco começou a sua campanha há mais de um ano, dizia. Calmamente. Suscitando sondagens avassaladoramente favoráveis fosse contra quem fosse (Guterres, Ferro, Vitorino e já nem me lembro dos outros. O que era preciso era um candidato virtual para mostrar S Jorge a esmagar o dragão. Ainda Santana vagia, ensimesmado no seu débil sonho de governar e já os homens (e as mulheres) se Cavaco se mobilizavam, como aliás, acertadamente Alberto João Jardim previu e condenou sem que ninguém –como de costume e com alguma razão – lhe desse crédito.
c) O CDS ganhou pois provou uma coisa evidente: se apresentasse candidato próprio a 2ª volta teria sido inevitável e muito mais incerta. Na verdade, se a esquerda é o que é quanto a unir-se, a direita, benza-a Deus, só se reúne quando se vê seriamente ameaçada. E um presidente da República, em Portugal, dentro da União Europeia por mais que queira não passa de um “fantasma de Canterville”. Que factura apresentará? Pois provavelmente nenhuma. Não só ainda está a viver a sua crise de orfandade como, a não ser um par de comendas pelos 10 de Junho, dificilmente se descortina o que poderá exigir a um presidente da República. Todavia, aqui sim, há uma saborosa vitória moral e um reconforto para o seu periclitante líder. Vitória interna, portanto para Ribeiro Castro. Durante algum tempo manterá a actual trégua com os restantes chefes de facção.
d) Mais difícil parece ser a posição do dr. Marques Mendes: fora a pequena partida pregada ao eng. Sócrates (e de que não é autor, sequer principal responsável) o dr. Mendes, que sempre foi um honrado cavaquista tem contra si isso mesmo. Será que Cavaco se contenta em presidir ás reuniões do Conselho de Estado, distribuir condecorações, conversar às quintas feiras com o 1º ministro ou pretende antes federar todos os descontentamentos e atacar o engenheiro pela direita e pela esquerda baixa isto é prestando uma orelha atenta e complacente às queixas do povo que se sente desconfortável nesta eterna e durável crise que o abate e lhe dá cabo da auto-estima? E nesse caso, para que precisará Cavaco de um chefe de partido, do seu partido, se é ele quem tira as castanhas do lume? Se Soares entendeu regressar à ribalta (e em circunstâncias muito diferentes de Cavaco) não quererá Cavaco fazer o mesmo e remodelar o partido à sua imagem e semelhança, ungido desta vez com um estrondoso voto popular (muito acima da última votação do PSD de Santana ou até de Barroso)?
e) E finalmente Alegre. É doloroso pensar que perde um pouco por sua culpa. Só por sua culpa. Tivesse Alegre, em Viseu, feito o discurso que os seus então muitos apoiantes socialistas esperavam, e as coisas seriam diferentes. Não sei se suficientes para ganhar, mas notoriamente diferentes. À uma porque cortava cerce o poder de manobra que a sua hesitação concedeu a Sócrates. Alegre com aquele discurso hipocondríaco a dizer “nim” ou, se calhar, nem isso, permitiu que a guarda pretoriana do PS tivesse tempo para desmobilizar muitos apoiantes seus e, sobretudo, convencer Soares a regressar. Tenho as maiores dúvidas que Soares aceitasse um convite do PS se antes Alegre se tivesse claramente proclamado candidato. Já sei que haverá muitos leitores meus (se é que ainda os há) que me retorquirão que Soares apareceria sempre mas não é esse o meu sentimento nem vão por aí as informações que me foram chegando.
De todo o modo, a campanha de Alegre começou tardíssimo tendo em linha de conta que teria de ser feita numa base cidadã apoiada por voluntários desorganizados e vindos de diversos horizontes. Alegre cometeu o pior pecado possível num político: foi imprevidente e deu a sensação de arrogância ao defender com unhas e dentes um timing que o prejudicou bem mais do que se lhe apontou.
É claro que no dia seguinte, como o meu título indicava, é fácil encontrar argumentos e desculpas para um mau resultado. Como pobre defesa apresento o penúltimo parágrafo de “carta ao meu amigo Manuel”: “e se a loucura da sorte assim o não quiser [a eleição], gostaria, apesar de tudo, de te dizer que este é, e será sempre um belo combate....E essa vitória já ninguém no-la tira”. Isto foi escrito e publicado a 15 de Dezembro do ano passado.
Estou triste como já disse. Mas, apesar de pensar que á minha geração não serão dadas mais oportunidades, aviso que ainda não estamos mortos, que mesmo morto são sempre precisos quatro homens para o tirar de casa como dizia o senhor Marquês de Pombal e que a democracia manda respeitar os resultados mas não manda conformar-se com eles.
“A gente vê-se por aí”.

como repararão pedi boleia para acabar o meu texto a uma frase atribuída ao dr. Santana. Quem, como eu, tanto o aturou tem direito a esta pequena pirataria.

Ainda as eleições

Cavaco ganhou. Ao contrário de muitos aqui do Incursões e dos muitos votantes neste ex-candidato, não considero que tenha sido uma boa escolha. Tenho memória e sei quais foram as opções de Cavaco quando pode mandar neste país, sei dos resultados e sei das companhias (sobretudo isso) que se rodeou.
Fala-se muito da construção de políticos através da televisão. Apontam-se alguns exemplos. Eu aponto este: Cavaco foi um produto muito bem construído, há muito tempo, muito bem empacotado, muitíssimo bem vendido e muitos compraram.
Tenho pena, mas paciência.

Quanto ao que Cavaco fará, apesar de tudo, tenho alguma esperança que não faça estragos. Esperou demasiado tempo por isto e certamente não quererá perder o posto no próximo mandato. Afinal foi por pouco que não foi a uma segunda volta. É essa a minha esperança. Espero também que escolha melhor as companhias. Todavia, pelo exemplo que ouvi ontem na televisão, não dá para ficar tão tranquila. Dizia alguém próximo da sua candidatura, mais ou menos isto: “esse pessoal que está em Belém, alguns há 20 anos e uma senhora que fez um excelente trabalho, há já dez anos, vão ser todos mudados, queremos mudar”. Bom, penso que não vale a pena fazer comentários: é mais do mesmo.

Quanto ás implicações no PS destas eleições, nomeadamente da excelente votação alcançada por Manuel Alegre, espero que haja alguma, sobretudo no aparelho partidário. Espero, mas não acredito muito. Quanto ao Governo, foi eleito, ganhou a maioria e deve governar tranquilamente. Quando forem as novas eleições o voto dirá o futuro.

dizer-me

dizer-me é inclinar-me
sobre ti

sobre um oceano de palavras

sou o que sou
a voz a mulher
um corpo de sensações
rendido aos passos que damos

és a face a caminhar
entre as mãos das águas
dentro dos olhos
a acariciar meus seios
meu sexo
a respiração a seguir
suavemente as curvas
todas as curvas

és, mesmo antes de seres
minha pele incendiada




silvia chueire

22 janeiro 2006

VERGONHOSO!

subscrevendo JPP, que passo a citar:

ISTO ESTÁ BONITO!
Sócrates a interromper Manuel Alegre que vergonha!
Se fosse Alegre repetia a declaração.
Se fosse a televisão dava o PM em diferido, porque Sócrates não é candidato.
(António Lobo Xavier assina por baixo).
Há alguma revolta aqui na SIC vinda de vários lados.
22:01 (JPP) in Abrupto

SÓCRATES pensa que pode fazer tudo. E fez uma asneira revelando um dos seus aspectos mais negativos, prepotência e arrogância. Ao interromper Alegre, foi o que pior se portou nesta noite.
22:06 (JPP) in Abrupto

SÓCRATES QUER-NOS CONVENCER que ninguém na campanha de Mário Soares estava a ver a televisão e não se apercebeu que Alegre, o arqui-adversário, começava a falar...
22:43 (JPP) in Abrupto

Presidenciais: resultados nacionais

(fonte STAPE):

Freguesias apuradas: 4257; Freguesias por apurar: 3 Inscritos: 8812305; Votantes: 5516885 (62,60%); Brancos: 58701 (1,06%); Nulos: 43329 (0,79%). PERC. CALCULADA SOBRE VOTOS VALIDAMENTE EXPRESSOS (BRANCOS E NULOS EXCLUIDOS)

CAVACO SILVA: 2739331 (50,59%)

MANUEL ALEGRE: 1122125 (20,72%)

MÁRIO SOARES: 776618 (14,34%)

JERÓNIMO SOUSA: 465566 (8,60%)

FRANCISCO LOUÇÃ: 287631 (5,31%)

GARCIA PEREIRA: 23584 (0,44%)

Contente, muito contente


Estou contente, muito contente. Tal como previ, foi à justa, mas foi à primeira: Cavaco Silva é o novo presidente da República. Se tal não tivesse acontecido, confesso que sofreria uma enorme desilusão.
Talvez nada disto seja muito racional da parte de quem nunca se assumiu como "cavaquista". De quem muitas vezes se pronunciou contra Cavaco. Confesso que a minha preferência por Cavaco nunca teve nada a ver com o facto de sermos militantes do mesmo partido. Foi um apoio intuitivo, emotivo. Quase uma questão de fé. Foi um apelo muito forte, uma aposta que me leva a voltar a acreditar em Portugal, num momento de profundo desânimo. Num momento em que todas as crises se instalam entre nós, numa altura em que os pilares do Estado de Direito tremem.
Estarei a ser demasiado optimista, quem sabe? Logo se vê. Mas é a minha fé: a fé de que as coisas, com Cavaco, só podem melhorar. Não espero dele que governe - mas espero que sirva como um referencial de confiança, de rigor, de solidariedade institucional. E também que sirva como um factor de equilíbrio entre os poderes.
Que Deus ajude Portugal.

Escrever direito por linhas tortas

As eleições para presidente da República demonstram á evidência que o PS está divorciado dos seus eleitores. Isto não significa deslegitimação do seu governo, mas que a oligarquia dos que dirigem o maior partido de esquerda está de costas virada para a sua base de apoio. Se o PS quiser tirar conclusões destas eleições (o que desconfiamos!) terá de procurar ouvir a opinião pública e harmonizar as suas futuras escolhas com a sua base de apoio. Terá, ainda, que promover uma profunda reforma no seu interior para curar a sua doença fatal: o aparelhismo que se caracteriza pela ausência de compromissos morais e objectivos claros, incapaz de mobilizar eleitores e só interessando aos boys que o dominam. O PS precisa de um ethos que estimule a coerência, censure o oportunismo e promova lideranças responsáveis e dignas de mérito. Se o PS quiser readquirir o prestigio que perdeu terá de se tornar numa casa da ideologia, criando uma escola de formação política e desenvolvendo uma ética da responsabilidade, que separe o partido do estado e avalie em termos de serviço do bem-comum as consequências de militar num partido. É que um partido só se impõe, quando se justifica por ideais e valores.
Estas eleições acabaram por escrever direito por linhas tortas.

O Presidente da República eleito e a reforma da Justiça

(...) As dificuldades de reforma da justiça não são intelectuais ou técnicas. São políticas e traduzem uma luta muito séria entre corpos e interesses, mas também revelam o grau de envolvimento paralisante de partidos, de legisladores, de governantes e de altos funcionários. Por isso, sem uma actuação do Presidente da República, isto é, sem uma actuação exterior ao sistema, pouco ou nada se resolverá. Se o Presidente eleito se considerar como fazendo parte do sistema, então poderemos abandonar toda a esperança.(...)

António Barreto PÚBLICO22JAN2006

do recoveiro do Foco para o Carteiro do Marco

Caro Amigo:

Fez bem e fez mal em não aceitar o meu convite para uma feijoada que estava muito perto da perfeição absoluta feijoeira.
E fez mal por isso mesmo. Esta feijoada realizada com todos os precisos e matadouros da regra e mesmo com alguns toques inovadores ( tinha não só duas farinheiras mas também uma cacholeira mui digna de se comer) feita pelas mãos milagreiras de "Doris Ibarruri cartomante velocipédica" (a referida com estes ou outro mimos é a minha mais que tudo) com a minha modesta contribuição quanto ao arrozinho (que não se deixou ficar mal, passe a imodéstia...). acompanhada por um tinto alentejano com o meigo nome de "virtude" produzido numa tal "quinta do meio" deixou-nos de rastos. Vou ferrar-lhe uma bela sesta tanto mais que, como lhe disse, votei às 10 horas e 4 minutos (perdoará este ligeiro atrazo em relação ao amnunciado na minha resposta ao seu comentário mas havia muito transito). Portanto não será por mim que o Manuel Alegre lá não vai.
E fez bem porquê? Porque com o seu deplorável hábito de votar depois de almoço já não votava: iria que nem um tiro ferrar o galho porque isto de feijoadas à transmontana com um toque de loucura criativa dão cabo do canastro a qualquer cristão quanto mais a um carteiro romântico. Inda por cima se este remédio se afigurasse fraco eu depois tinha por cáuns alcoois de malte para o fazer chegar ao KO final. Tudo por uma boa causa que era impedir o meu preclaro Carteiro de votar mal.
V. manhosamente terá adivinhado a mão traiçoeira atrás dos feijõezinhose à cautela (cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém...) e agradecendo muito, como pessoa educada que é, escafedeu-se...
Pronto, está escrito o recado. Agora é só esperar pelos resultados. Não que a minha esperança seja excessiva. Não é. Mas como todos os românticos da minha geração, cá bem no fundo, há uma t´rnue luz de vela que espreita uma eventual e inesperada vitória. Se isso ocorrer serei magnânimo e não lhe mandarei nenhuma piada. Se o conrário se verificar serei um mero democrata: fica para a próxima!
Li o texto do nosso querido compadre Esteves. Está macambuzio o homem! Ó compadre, arrebite! Isto ainda não é o fim da picada! Calma no Brasil que Portugal ainda é nosso. Quem passou o que passamos ainda tem muito mar pela frente. Se não se pode ir com vento de feição. vai-se à bolina.
E finalizemos com a nossa Kami: um beijão companbheira, vote onde votar. E olhe que de facto V. faz belíssimas fotografias. Mande mais...
Finalizemos outra vez com a nossa Sílvia: ferrar uma sesta ou ferrar o galho são sinónimos grosseiros de dormir. E qualquer um dormiria atestado como estou de feijão e briol de boa cepa.

Nota do dia

Em dia de eleições costumo ver amigos, muitos amigos, que têm um modo de ver o mundo e a vida semelhante ao meu. Estava habituado a trocar opiniões nos longos corredores do Liceu Alexandre Herculano, depois de votarmos. E, cumprido o distanciamento regular, esperávamos uns pelos outros em frente a essa Escola para aventarmos hipóteses sobre os resultados eleitorais. Hoje, não encontrei os meus amigos. Cumpri o horário de outras ocasiões. Esperei por eles das 11h às 12h3o m. na ânsia de uma saudável cavaqueira. Praticamente, alguns deles, só os vejo nestas ocasiões. Já não moram nos mesmos sítios, nem frequentam os mesmos cafés. Gostava de trocar opiniões, não só sobre a as eleições, a sua importância, mas também, sobre o artigo de António Barreto (“Norma de execução permanente”) que, hoje, vem no “Público”. Os meus amigos não compareceram e isso representa, para mim, o prognóstico já esperado: ganhou estas eleições quem tinha fixado o seu eleitorado e os indecisos tomaram a decisão de não comparecerem. Valeu ao menos a leitura do artigo de António Barreto.
Já perto de casa encontrei uma velhinha amiga que espelha no rosto a pobreza envergonhada, e, em outros tempos, foi regente escolar. Perguntei-lhe se já tinha votado. Respondeu-me: «não adianta, nós não riscamos nada». Lembrei-me, então, de comprar o livro “A Transformação da Política” de Daniel Innerarity, cuja recensão fui lendo no referido jornal. É necessário perceber por que a falta de comparência vai determinando o Futuro.